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segunda-feira, 19 de maio de 2014

A beleza das rugas!

Está certo, vamos lá! A vaidade e a beleza sempre foram trunfos para a autoestima da mulher. Hoje, não há como negar, os homens parecem também se deixar seduzir por este caminho mas, francamente, ainda é um território predominantemente feminino. E é só olhar para os lados que enxergamos todos os esforços que a indústria da saúde e da beleza fazem para entregar às mulheres uma garantia de que serão sempre saudáveis e belas.

Ok, bem razoável e estimulante que se siga essa estrada mas, e quando percebermos que não é possível deter a marcha do tempo? O que acontece? Vamos insistir numa batalha feroz resistindo com todas as forças aos efeitos que o tempo causa em nosso corpo? 

Não ouso, em nenhum momento, emitir juízos de valor sobre essa questão mas, observo muito os efeitos que essa persistente "batalha contra o tempo" causa em algumas cabecinhas. E não são efeitos nada agradáveis, pois estão repletos de ansiedades e perda de autoestima, criando, muitas vezes, uma necessidade de se repensar toda uma identidade.

Por isso sempre me questionei: Não há beleza nas rugas em um rosto de mulher? Cito a mulher porque sou homem e é para ela que dirijo meu olhar. Não há beleza? Difícil responder a essa pergunta nos tempos atuais onde as diferenças entre o que o corpo nos mostra como "real" e a imagem que fazemos dele como "ideal" são gritantes.

Mas, ouso insistir na pergunta: Não há beleza nas rugas em um rosto de mulher? Por que decidimos estabelecer como verdade a crença de que a "beleza" está na juventude? Por que insistimos em ver na simetria algo "perfeito"? Por que o nosso medo tão intenso de uma pele mais flácida, de um andar mais leve, de formas que parecem não mais caber nos manequins das belas vitrines? Não vamos reagir a isso? Vamos ficar assistindo calados e, pior, acreditando nisso?

Não, nada disso tem a ver com beleza, com perfeição, com juventude, com força! Nada disso! Vivemos uma era de consumo exacerbado. Os produtos buscam diversificar-se para oferecer mais do mesmo, buscam novos consumidores, e cada vez mais jovens. De uma hora para outra, nossos ícones estão cada vez mais jovens. Deixamos de admirar nossos ídolos dos anos 60 e 70, por exemplo, para seguir filhos e netos na sua admiração por Justin Bieber! E quando percebemos estamos lá, nos portando iguais a eles. Ok, um bom sinal de jovialidade. Mas, é só isso mesmo? O que queremos com isso?

Volto à pergunta: Não há beleza nas rugas de um rosto de mulher? Vivemos como se fossemos passar, como num passe de mágica, da bela juventude para a morte. Puro engano, pura ilusão! Desde que nascemos, vivemos em uma longa e dura transitoriedade, estamos de passagem oras! Amadurecemos, envelhecemos, não dá pra aceitar isso? Se não der é porque precisamos acertar algumas contas conosco mesmo! E talvez a conta principal a ser acertada seja a da nossa tradicional "exigência de imortalidade". Ufa!!! Tema difícil este!

O que precisamos fazer? Trazer o conceito de beleza para seu lugar original. Aquele lugar onde nossas emoções lhe deram um significado um dia. Não quero que a indústria da beleza me diga o que é bonito. Quero que minha memória, minhas lembranças e minhas experiências me digam onde está a beleza das coisas e das pessoas. Se amei uma pessoa a 30 anos atrás e ela continua do meu lado por que não a achar linda? 

Mas, só conseguiremos fazer isso se descolarmos o conceito de beleza do corpo, daquilo que é físico. O que vamos fazer com nossas lembranças, vamos jogar no lixo? Elas não servem mais para nos dizer que a razão pela qual amamos uma pessoa está muito além da simetria de suas formas, de sua aparente juventude ou da ausência de rugas em seu rosto?

Parece fácil escrever sobre isto. Sei que a sociedade é cruel, exigente, dominadora. Mas, nós é que resolvemos aceitar essas regras. Nós é que abdicamos de nossa crítica, de nossa segurança interna e nos colocamos como subservientes à este modelo cultural. Sim, é só um modelo cultural, porém devastador, inimigo da autoestima e produtor de patologias as mais diversas.

Vamos envelhecer e ver envelhecer as pessoas que amamos? Vamos perder as pessoas que amamos? Vamos! Mas, por isso vamos perder nossa capacidade de amar e de contemplar a beleza aquela beleza que é fruto de nossos sentimentos e que depositamos em quem está do nosso lado? Não! Decididamente não!

Não me interessa se um dia vou chegar aos 80 anos e vou estar com uma mulher da mesma idade ao meu lado, com todas as marcas do tempo. Aliás, torço para isto todos os dias. E o que me fará feliz neste dia? A beleza de sentar à sua frente, fixar os olhos em seu rosto e, com a ponta dos dedos, percorrer cada um daqueles leves traços nos seus olhos e nos seus lábios.

Sim, traços de uma vida repleta de lembranças a serem compartilhadas e revividas a cada momento. Afinal, há um tempo em que a pressa pelo futuro desacelera, o presente nos convida a sentar um pouco, e o passado ressurge, desfilando em meio à nossas lembranças e nos fazendo dizer um ao outro que tudo valeu a pena!

Sim, existe muita beleza nas rugas de um rosto de mulher!

(José Henrique P. e Silva)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Não quero ser somente ... "eu"!

As vezes pensamos tanto em buscar a nossa própria felicidade, as vezes nos concentramos tanto em sentir as nossas próprias dores que esquecemos que somos responsáveis por algo além de nós mesmos. Talvez isto não seja egoísmo, mas somente aquele desejo de ser feliz e ter alguma paz, e aí nos colocamos sempre em "primeiro lugar". 

Mas, e aquelas pessoas que dependem de nós? Existem momentos, então, que não podemos nos colocar em "primeiro lugar", afinal, quem sabe para sermos felizes não dependemos mesmo de lutar por fazermos os que estão mesmo do nosso lado felizes e retribuir um pouco do que já foi feito por nós? 

A felicidade e o fim de nossas dores, me parece, nunca é um processo "individual", uma conquista que alcanço "sozinho"! Eu preciso sempre de algo a mais, que seja mais do que simplesmente... "eu"! Não confundir isso com o fato de sermos "responsáveis" pela felicidade dos outros, embora sejamos, em parte, sim! Afinal os outros não são, também, responsáveis, um pouco, pela minha felicidade? Insistimos em ser felizes sozinhos, mas...

Isso parece ir um pouco de encontro aos pensamentos narcísicos, dominantes em nossa época. Mas quem disse que temos sempre que remar a favor da maré? As vezes é preciso coragem pra pensar e agir de forma diferente. 

(José Henrique P. e Silva)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Reunindo meus pedaços! (texto 5 - os contos de fada e a perfeição)

Todos somos, em algum grau, neuróticos. E sei que esta é uma frase que incomoda e assusta a algumas pessoas que temem, com isso, uma proximidade com a “loucura”. Mas, não se trata disso. A loucura está mais próxima de uma violenta dissociação com a realidade, que nos aliena e incapacita para a construção de laços de forma quase permanente. A neurose, por seu lado, traz alguns traços desse tipo, mas num grau quase sempre bastante atenuado. Estamos falando, então, de outra ordem de sofrimento, de outro tipo de defesa que nós buscamos para controlar nossas angústias. E que é um tipo de defesa muito mais comum do que imaginamos. 

Quando se diz, então, que a “normalidade” é neurótica é porque, em nosso processo de constituição psíquica, em algum momento, nos deparamos com “limites” (pais, leis, regras sociais, valores etc.) que restringem nossos desejos e acabamos por sofrer com isso. Mas, sem este processo, sem estes “limites” como poderíamos olhar para o outro e respeitá-lo? Como poderíamos construir laços sociais se não tivéssemos restrições em nossos desejos? É uma boa questão! E não está fechada. Ou seja, conscientemente, sabemos da necessidade de limites para a vida social, mas a questão é que inconscientemente nossos desejos tentam “escapar” e é a luta por bloqueá-los que nos leva ao sofrimento. A grande saída é algum tipo de sublimação, que faça com que nossos desejos inconscientes se realizem de outra forma, como num relacionamento amoroso, num trabalho que nos causa felicidade, numa atividade em que nos sentimos bem etc. 

A neurose, então, nos fala de uma “submissão” à regra, ao limite. E é o sofrimento daí gerado que leva a mecanismos de defesa como a obsessividade e a compulsividade, por exemplo. Sofrer pelo nosso próprio desejo não realizado, então, nos aprisiona a uma “dívida”, como se estivéssemos em “falha” permanente, em “culpa”. Um sentimento de que somos devedores de algo que não sabemos bem o que é, e nem sabemos ao certo quem é o nosso credor. O fato é que nosso desejo fica soterrado em meio às obrigações e temores de punição ou de limites. É uma dívida que temos, então, em sentido metafórico, com o pai, com a lei, com o limite, e isso nos leva, nos casos mais graves, à possibilidade de nos comportarmos como escravos e ficarmos paralisados, sem futuro, condenados a repetições e com pouca chance de crescer e sentir-se bem.

Madonna, há pouco tempo, dirigiu um filme (“W. E.”, 2011) que, com muita força, traz um exemplo digno de chamar a atenção. Aliás, o filme traz uma trilha sonora que, no seu romantismo angustiante, parece sempre estar à beira da revelação de uma tragédia da qual não se pode escapar. Algo que marca os medos do neurótico obsessivo. No filme, duas histórias correm em paralelo. O que as liga? O desejo de um pai e de uma mãe que, ao dar o nome de uma nobre inglesa à filha, depositam ali todo o desejo de que sua vida transcorra como um “conto de fadas”, bem ao estilo daquilo que as monarquias tentam nos mostrar com sua pompa, beleza e delicadeza.

Isso é complicado. Para desespero da criança sua história seria construída tendo como espelho a vida daquela família real, considerada “perfeita”, como num “conto de fadas”. Ela teria, então, que realizar-se na busca por seu próprio conto de fadas. Mas, ela só conhecerá tragédias. Ficará, portanto, aprisionada ao desejo dos pais, e não ao seu. Não é a sua história que terá que viver, e isso lhe causa dor. Livrar-se da obsessão, portanto, significaria livrar-se de uma pulsão de morte poderosíssima, que a impulsiona sempre ao fracasso. O desejo não era seu e sim dos seus pais, era a eles que estava “obedecendo” ao tentar manter-se na linha de conquistar o “conto de fadas” para a sua vida. Quantas vezes, não levamos um tempo demasiado para perceber que o que estamos fazendo não é para nossa satisfação, e sim de nossos pais, ou outras pessoas? Isso quando percebemos!

Quantos pais, nesse exato instante, não estão arquitetando o “futuro” dos seus filhos, organizando “agendas” de educação e atividades que lhes tiram a chance de serem crianças ou adolescentes? Não! Não é assim. Contos de fada e histórias e “sucesso” individuais são criadas para amenizar nossas tragédias, para nos trazer de volta a esperança. Mas não podem se transformar em rígidos modelos de identificação, em exemplos aos quais devemos seguir e sermos fiéis incondicionalmente. Quem, de fato pode ser um super-homem? Quem, de fato pode ser uma princesa? Isso é puramente ideológico, e perigoso, pois nos adoece. Pelo contrário, é em meio aos tropeços de nossas vidas que vamos delineando um caminho que, muitas, vezes, já é o nosso próprio "conto de fadas". Basta às vezes, olhar atentamente para os lados e perceber, sentir. Ao final, o conto de fadas pode até estar se realizando sim, mas não daquela forma idealizada. Reconhecer isto é que é difícil, pois nos espelhamos severamente em modelos quase que inalcançáveis.

São estes “modelos inalcançáveis” e “irrealizáveis”, como os dos contos de fadas, que podem fazer com que pais e crianças se envergonhem de suas “imperfeições”, daí a busca em tornarem-se “super-adultos”. Isto é um massacre ao psiquismo da criança, ainda não plenamente constituído, e que já é submetido a tal ordem de obrigações neurotizantes. É nesse processo que a relação afetiva vai dando lugar a um sistema de obrigações morais e “educativas” que proporcionam uma boa dose de tormento às crianças. Crianças assim, preparadas para serem “super-adultos” e realizarem seu conto de fadas a todo custo, acabam se revelando egocêntricas, narcisistas, ou estarão condenadas a um sofrimento por se sentirem sempre “pequenas”. Por isso a dificuldade em enxergar o outro na sua totalidade. Afinal, se a sua própria integridade está corrompida, como enxergará a integridade dos outros? Os outros serão apenas “pedaços” dos quais se aproveita para buscar uma ilusória “completude”. 

E essa completude tem um nome: “perfeição”. É isso que muitos buscam como forma de sentirem-se, finalmente, bem, sem divida, sem culpa, sem sofrimento. Nesse terreno, portanto, não suportamos lidar com nossas “imperfeições”. Buscamos corrigi-las a todo custo, e cada vez mais cedo. Ou as cirurgias plásticas estéticas, por exemplo, não estão cada vez mais disseminadas e em idade cada vez mais precoce? Que modelo é esse que buscamos seguir? Que perfeição é esta que nos fascina? Metaforicamente poderia dizer que é a perfeição dos contos de fadas, mas na concretude do dia a dia, a perfeição está identificada nas atuais “celebridades”, por exemplo. São estas celebridades que “denunciam” nossas imperfeições. Não seria melhor pensar que todos somos “diferentes”? Não seria um comportamento mais saudável e humano?

É nos sentindo sem integridade, despedaçados, que buscamos os lábios de uma, o cabelo da outra, as pernas de outra ainda, os seios de uma outra. Ou, o cargo do outro, a casa maravilhosa de outro, o carro mais moderno de outro ainda. E por aí se caminha, tentando-se construir a completude, a perfeição e, em última instância, a paz interna. É claro que é natural que busquemos no outro algo que nos agrade, mas isso às vezes se torna um comportamento obsessivo. Enxergar o outro como feito de “partes” acaba nos levando a nos enxergarmos como um jogo de quebra-cabeças onde cada parte tem que juntar-se necessariamente para compor um todo, preenchendo um vazio e dando ares de “normalidade” e “perfeição”. Difícil, então, em meio a tudo isto, as crianças aprenderem a lidar com as diferenças. Elas querem escondê-las a todo custo, corrigi-las de qualquer modo, sempre na esperança de completar a obra, o quebra-cabeças, a si mesmas. Um dia isso ocorrerá? Jamais! São heranças de obsessões, por vezes, paternas e maternas, às quais se somam as obsessões do mundo contemporâneo, e que nos tornam reféns desde muito cedo.

Voltando ao filme, vemos que o resultado é paradoxal. De um lado, nossa personagem se "liberta" de um "destino" traçado antes mesmo de seu nascimento. Ela não viverá para sempre com seu príncipe. Mas, é justamente essa libertação que a permitirá atuar sobre seu próprio destino, construindo-o com seus próprios desejos, e não os de seus pais. É um exemplo que nos mostra o "peso" gigantesco que o desejo dos pais pode ter sobre uma criança que, para defender-se, segue o caminho da patologia, da doença psíquica. Pior, tal desejo dos pais, herdado de forma incondicional, sem negociação, obscurece nossos próprios desejos e até a percepção de que já podemos estar vivendo nosso próprio conto de fadas, ao nosso modo, mesmo sem nos darmos conta disso. E, isso tudo ainda agravado pelo fato de, culturalmente, teimarmos em esperar que um suposto destino se revele esplendoroso sobre nossas vidas. Não dá! Esperança é importante, mas não a ponto de nos tirar a responsabilidade sobre a construção de nosso destino.

(José Henrique P. e Silva - out/2013)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Quero meu Rosebud! (texto 3 - Consumo e coisificação)

Talvez estejamos vivendo uma época em que o consumo atingiu um fim em si mesmo. Muda-se, troca-se, compra-se qualquer coisa sem nem mesmo saber ao certo sua verdadeira utilidade. Mas, alguém nos diz que este é o procedimento padrão e passamos a consumir de uma forma que beira a irresponsabilidade. O bom senso  foi embora há muito tempo.
 
Tudo bem, vivemos numa sociedade onde o consumo é mesmo seu ponto central. Mas chegamos a absurdos, e como pensar sobre isto? Quem somos, na verdade, quando consumimos desenfreadamente? Não quero falar de evolução tecnológica, muito menos da severa competitividade entre as empresas que leva a uma disputa acirrada por mercados e pelo desejo do próprio consumidor. Quero pensar um pouco sobre que tipo de homens e mulheres estamos falando e estamos nos tornando?
Qualquer coisa que seja duradoura está sofrendo um enfraquecimento hoje em dia. Alguns definem a época atual como “flexível”, outros como “líquida”. O fato é que a perenidade e a durabilidade das coisas sofre ataques diariamente, e nos impele a buscar o “novo”, a “novidade”, a qualquer custo. Permanecer com algo por um tempo a mais é incorrer em "erro", é ficar para "trás", é ser ultrapassado, é não ser “moderno”, é não estar “antenado”.
Bem, isso já dá muito pano para manga. O fato é que em uma sociedade marcada pelo individualismo egocêntrico, pelo narcisismo, difícil falar-se em comportamento solidário, em valorização do outro. Não à toa, boa parte das doenças psíquicas atuais enveredam pelo campo das psicoses, das psicopatias mais graves, das perversões, das fixações naquele estágio da vida onde o reconhecimento da lei se torna uma impossibilidade.
Estamos sendo chamados a ser fortes e insuperáveis. “Podemos tudo o que queremos”! O narcisismo está à solta, e com vigor. Não à toa, também, os comportamentos violentos e criminosos aumentam assustadoramente. E não só os crimes da rua, mas aqueles que violam regras básicas, valores básicos. Não queremos perder em nenhum momento. Não admitimos a derrota. Tiramos a bola de campo e a levamos para casa, mas não aceitamos outra regra que não seja a nossa.
Este parece ser um possível retrato desse sujeito contemporâneo, que não submete sua vontade à nada, que desvaloriza o outro, que quer ganhar a todo custo, e com o mínimo de esforço possível. Os “meios” perderam qualquer importância diante dos “fins”. Maquiavel venceu! Teria tido um bom campo de estudo se vivesse nos dias atuais.
Este é o ser humano “total”, completamente cheio. Parece não conhecer o vazio, nenhum buraco sequer. Nada por onde escapar suas fraquezas, suas dúvidas, seus instantes de dor e sofrimento. Ele parece vestir-se como um super-homem, adquire um ar de indestrutibilidade. Sente-se poderoso e só enxerga vilões à sua frente. Vilões a quem tem que enfrentar e destruir, tirando-os do seu caminho.
Mas, ele está “cheio” mesmo”? Está completo? Não precisa de mais nada? Inevitável aqui lembrar da interpretação de Orson Welles em Cidadão Kane (1941). Dizer que o filme é maravilhoso é chover no molhado, pois está sempre nas listas de "melhores filmes" já produzidos. Mas, porque eu o acho fantástico? Todos devem ter o seu motivo e eu também tenho o meu. Para me explicar melhor vou reproduzir um rápido diálogo de nosso personagem principal, Charles F. Kane e o seu "guardião" financeiro, o Sr. Bernstein.
 
… Sabe Sr. Bernstein, se eu não tivesse sido um homem tão rico eu poderia ter sido um grande homem…
O que teria gostado de ser?
Tudo o que você odeia!
Kane veio de uma infância pobre, com pais endividados, e construiu um império, acumulou riquezas e prazeres que nenhum mortal poderia sonhar. Mas, e aí? Ele passou a vida conquistando… e perdendo tudo, como em uma montanha russa. Sua insaciável busca, entretanto, não era pelo dinheiro. Não à toa, diz ao Sr. Bernstein: Não é difícil ganhar muito dinheiro… quando a única coisa que se quer é ganhar muito dinheiro.
Ao morrer, e pronunciar a palavra “Rosebud”, nosso personagem simplesmente mostrou que existem coisas de que precisamos e que não podemos simplesmente descartar nessa busca ensandecida por dinheiro e poder. Pior, essas coisas não podem ser "compradas", como querem acreditar aqueles que se entregam facilmente à crença de que "o dinheiro pode tudo". Foster Kane tentou comprar a tudo, mas o preço que pagava era sempre muito alto: sua infelicidade, sua ruína pessoal.
A incessante busca, mostrada pelo filme, para se desvendar o mistério do significado da palavra "Rosebud", dita por Kane quando de sua morte, revela a própria incapacidade da sociedade em perceber o beco sem saída em que cada vez mais estamos entrando: o da supervalorização da imagem e do sucesso, e o esquecimento de nós mesmos. Quanta infelicidade isso está gerando. A busca incessante pelo significado da palavra “Rosebud”, então, é a busca que fazemos todos os dias por reencontrar algo que "perdemos" ou "deixamos de lado" em troca de alguma coisa que consideramos ou que nos dizem ser importante.
Nesse sentido, a palavra “Rosebud” definia sim nosso personagem: Kane era um homem que tinha saudades de uma época em que fora feliz, quando criança, em sua família. Isso o atormentava, fazia de sua vida uma aparente felicidade, corroída por uma destrutividade interna silenciosa, mortífera. Mas, no momento de sua morte, ele foi sincero consigo mesmo e "agarrou-se" à sua melhor lembrança, o seu "Rosebud".

Todos temos o nosso pequeno trenó, ou nosso brinquedo, aquilo que nos lembra de uma felicidade absolutamente honesta… ou não? Só precisamos saber o que fazer com isso. Vamos descartá-lo? Ou vamos lutar para mantê-lo por perto, como uma lembrança e uma certeza de que a felicidade é possível, e está sempre nas coisas mais simples ao nosso redor?
(José Henrique P. e Silva - out / 2013)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Por um sentido na vida! (texto 1 - o vazio e a morte)

São tempos difíceis. Guerras devastam as regiões e as pessoas estão famintas, frágeis e doentes. É quando nosso cavaleiro recebe a visita da "morte", que veio buscá-lo. Chegara o seu momento, mas ele resiste e diz que, apesar de seu corpo estar pronto, sua alma ainda não o está, e, num esforço de resistência, propõe um jogo de xadrez para ganhar um pouco mais de tempo. Os fãs de filmes clássicos já sabem que estou falando de “O Sétimo Selo” (1956, I. Bergman), um filme extraordinário que nos leva a pensar na vida a partir de nosso medo da morte.

Mas, pensando nesta partida de xadrez, ela já não estaria fadada ao fracasso, afinal, como se poderia vencer a morte? O fato é que nosso cavaleiro não leva isto em consideração e parte para a disputa. O que tem a perder? Bem, é a partir daí que uma angústia vai se instalando e ele passa a questionar-se: um tempo a mais de vida, mas viver para que? Num certo momento, uma confissão nos mostrará toda a carga desta angústia. É quando ele nos diz:
O vazio é um espelho que reflete meu rosto. Minha própria imagem me causa repulsa e medo. A indiferença que eu sinto pelo próximo me levou ao isolamento. Agora eu vivo em um mundo de assombrações, prisioneiro das minhas próprias fantasias (...) Como podemos ter fé, se não temos fé em nós mesmos? (...) Eu não quero fé ou suposição, eu quero conhecimento! Eu quero que Deus estenda a mão para mim, mostre seu rosto e fale comigo (...) Eu clamo por ele na escuridão, mas parece que não há ninguém lá (...) Então a vida é um terror sem sentido (...) Minha vida se resumiu em buscas sem sentido, a ações e conversas tolas e vazias. Uma vida inteira sem sentido. Não digo isso com amargura ou discriminação, como tantas outras pessoas que também vivem assim. Mas eu quero usar esta trégua [jogo de xadrez] para fazer algo que tenha significado (Antonius Block, o cavaleiro).
Confesso que sempre considerei este trecho do filme magnífico. Uma confissão que nos mostra como uma vida esvaziada de sentido pode intensificar o medo da morte. Não seria, portanto, a morte em si, ou o "nada" que viria após ela, que nos causaria medo e repulsa. Seria o olhar-se no espelho e ver que a vida está seguindo sem maiores significados o que realmente nos espanta, embora não o percebamos tão facilmente. É este espelho, que reflete meu vazio, que me traz, então, o medo da morte como companhia.

Na confissão de nosso cavaleiro ele diz buscar o conhecimento, quer ver Deus, quer uma prova de sua existência, quer algo que lhe dê algum significado além do vazio que sente. Ora, não há conhecimento ou racionalização suficiente que acabe com este medo. A ciência e a religião podem nos fornecer algum amparo e acolhimento, mas não eliminam esse sentimento que Freud, apesar de ter dúvidas sobre ele, o situava num nível muito primário de nossa vida. O tal "sentimento oceânico", que nos impele a ter a esperança de uma proteção contra nossas dores e angústias. Esse sentimento é algo com o que temos de lidar ao longo da vida e que nos impele, portanto, à transcender numa tentativa de encontrar respostas.

Talvez não haja mesmo como vencer a morte numa partida de xadrez, mas pode-se deixar de temê-la. Como? Talvez a resposta esteja na forma como lidamos com nossa finitude. Daí que o melhor talvez não seja especular sobre a morte em si ou o que vem após, e sim sobre nossa própria existência, neste momento. Não é o nosso "fim" que nos atemoriza, mas o fato de nos imaginarmos vivendo uma vida sem significados. Precisamos contrapor ao "medo" uma certa "ingenuidade" em nossa forma de viver. A leveza e a certeza de estarmos dando significados para nossas ações cotidianas é que nos manterá tranquilos e confiantes de ter encontrado um "sentido" para estar vivos. Só isto esvaziaria o sentido do “vazio” e do medo que ele nos impõe.

Mas, me parece que nos dias atuais existem sérios problemas quanto a isso, afinal somos alvos de uma intensa campanha para nos mantermos "imortais", "jovens", “belos” e “fortes”, o que só nos distancia dessa ingenuidade e leveza. Isso é devastador! Puro delírio! Arrogância! São tempos narcisistas, de uma infantil onipotência, de desconhecimento de limites, de não reconhecimento da castração, de forte perversão, enfim, tempos em que nos achamos espertos o suficiente para driblar a morte, numa tentativa de não a temermos. Não são poucas as pessoas que padecem deste mal. A individualidade e a competitividade estão enfraquecendo os laços sociais. Todos nos pedem que sejamos "melhores" que alcancemos logo o "sucesso", e atacam a simplicidade e a leveza como se fossem pragas. E, em grande parte, topamos a brincadeira.

Se continuarmos assim, não só estaremos perdendo a batalha do xadrez para a morte, como estaremos deixando de viver e deixando o vazio tomar conta. Lutar contra esse narcisismo, que só produz onipotências e ausência de limites, é uma tarefa dura, árdua, pois cresce como erva daninha nos lembrando, em muito, aquele homem “selvagem” de Thomas Hobbes que, se deixado à solta, devora ao outro como um lobo esfomeado.

Assim, não é o suposto "vazio" trazido pela morte que mais nos assusta, mas o vazio que permitimos em nossa vida e que, diante de um espelho, nos assusta tanto. É este vazio que também nos transforma em lobos, ou nos faz cair doentes. Não à toa os espelhos da atualidade só nos mostram a aparência de nossos corpos. Mal conseguimos ir além disso. Que interioridade possuímos? Qual a nossa subjetividade? Não a enxergamos mais, nem mesmo sabemos se ainda a possuímos. Nos limitamos severamente ao nosso corpo físico. Me parece muito pouco!

(José Henrique P. e Silva - out/2013)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A verdade liberta?

Uns dizem que "a verdade liberta", outros que "a verdade dói", outros ainda que, "mais cedo ou mais tarde a verdade se impõe". Enfim, o fato é que a "verdade" é daqueles temas onde não se chega a um termo final. O que me parece muito claro é que, não é, propriamente, uma missão nossa, um destino nosso, buscar a verdade. Não que estejamos imersos em mentiras mas, como abrir mão de nossas fantasias? Como abrir mão das expectativas criadas em torno de algo que sabemos irrealizável? E mesmo quando buscamos a verdade, não fazemos isso tão facilmente, pois geralmente estamos coagidos ou pressionados para tal. Na realidade, buscar a "verdade" é praticamente um ato sobre-humano ou não-humano. A ciência? A religião? Bem, até que a ciência e a religião têm essa pretensão, mas não chegam tão longe assim. Ainda são como que "ilusões", que nos afagam e consolam.

Mas, estamos falando de um processo impossível? Acredito que não. Desde que essa "verdade" seja a nossa verdade. Aquilo que nos diz respeito mais intimamente, aquilo que fala de "eu mesmo". Não aquilo que me define (também acho muito complicado esse conceito), mas aquilo que me permite ser "eu mesmo" hoje. Essa busca sim, podemos fazer e será sempre vasta em descobertas. Mas, o que nos levaria a buscar essa "verdade" de "eu mesmo"?

A tragédia de Édipo tem algo a nos dizer sobre essa motivação. Há algum tempo estive no Teatro Eva Herz, na livraria Cultura, e assisti à peça "Édipo" na versão de Elias Andreato. Foi aí que percebi esta nuance que sempre me aparecia em um plano secundário. Édipo é daquelas tragédias mais conhecidas e, para a psicanálise, Freud praticamente a imortalizou e popularizou no seu famoso "complexo". Sabemos de seu crime, de sua maldição, de seu atentado contra a própria visão, de seu exílio, enfim, de seu martírio. Mas, fica sempre uma dúvida: Por que ele teria caminhado em direção a esse trágico desfecho de forma tão intensa e, convenhamos, de forma voluntária? Édipo buscava a verdade... sobre si mesmo!
 
E a buscou de forma incessante, ainda que para seu próprio sofrimento. Guiado por um forte código moral, ele buscou a resolução de um crime, sem saber que era o próprio autor. Mas, o interessante é que à medida que os indícios foram se tornando mais intrigantes e aproximando-se dele, ainda assim, mais ele insistiu na busca. Seu desejo em conhecer a verdade, então, teria algo de libertador para si mesmo? Para Édipo, essa busca, por pior que fosse, e por mais sacrifícios que impusesse, seria mais reconfortante que a insegurança que experimentava diante de tantas dúvidas. Ao final, a revelação da verdade, ainda que trágica, lhe trouxe algum conforto. Perdeu o poder, perdeu tudo o que tinha, ficou cego, vagou sem destino, mas teve a chance de encontrar-se consigo mesmo e, enfim, entender o que lhe havia acontecido. Ora, como toda boa "tragédia", Édipo nos coloca frente à nossa própria "insegurança", traço marcante da condição humana. Era contra a "insegurança", de não saber "quem era", que Édipo buscou a verdade. 

E hoje? Bem, essa mesma "insegurança", nos dias atuais, é combatida pela ideia de fácil conquista da felicidade e do sucesso. Somos coagidos a isso a todo instante. Claro que nosso mundo atual parece mais luminoso, colorido, diverso, repleto de oportunidades e prazeres. Muita aparência, entretanto. E tanta luminosidade acaba por causar alguma cegueira, o que, por sua vez, só potencializa a mesma insegurança. Ao contrário de Édipo! Acho que não é difícil concordarem que vivemos uma época de forte insegurança, principalmente emocional.

Nosso mundo atual, então, é um mundo de aparências, de imagens, repleto de nuances, nos perdemos em seu colorido e em sua luminosidade. E, na imensa maioria das vezes, preferimos isso a lidar com nossos limites e com o que nos assusta. Bem, não estou aqui para julgar ninguém, mas resta saber se podemos, de fato, encontrar algo da felicidade ocultando nossa insegurança, e por quanto tempo. Não precisamos chegar ao destino de Édipo, mas não podemos virar os olhos à nossos medos e fraquezas. Não dá para virar os olhos por muito tempo. Existe, então, algo de libertador aí, e que pode ser buscado, para nossa própria paz.  (José Henrique P. e Silva)

sábado, 18 de janeiro de 2014

A liberdade bate à porta... e agora?

Hoje me deu vontade de escrever algo. Hoje não, agora!!! Neste mesmo instante. Não dá tempo nem de pensar sobre o que quero escrever. Só quero escrever! E com urgência, muita urgência. Pra que pensar? Pensar eu pensei durante horas, dias, semanas. Agora só quero escrever algo. Mas a vontade mesmo é de escrever uns palavrões, muito palavrões, muitos mesmo. Não pra ofender ninguém. Mas  para comemorar. Claro! Palavrão também foi feito para se comemorar algo. Ou não? Bem, eu sempre gostei de soltar um palavrão em certos momentos de felicidade. Então vá lá...que porra, cacete... estou muito feliz nesse momento. E aposto que vai ser duradouro. Sim, pode ser duradouro sim, e se não for, foda-se, eu arranco a felicidade novamente e a trago para acalmar meu peito. Há momentos que a gente mergulha, percebe logo que, droga, é areia movediça, depois vem aquela cor de lama, em seguida o cheiro de algo muito podre. Sim, nessa hora estamos na merda, na maior merda. E é muito fácil gostar dessa merda toda. Afinal, quem não quer se colocar como vitima, como sofredor, como carente. Tá, tudo isso é legal. Mas, é foda, você vira pra um lado só lama, vira pro outro, só lama.  E aí? Vou ficar nadando de braçadas nesta poça de merda em que me meti? Chego até a dar uns mergulhos, ensaio uns movimentos que lembro ainda do meu tempo de natação, mas, que saco, isso é horrível. Está mais para uma paralisia. É uma posição lastimável, necessária, fundamental, mas lastimável. Me dei o direito sim de ficar na lama por um tempo, mas, de repente ouço um "toc toc" na porta. Não, infelizmente não é o Bob Dylan, nem o Eric Clapton, nem o Roger Waters cantando "Knockin' on Heaven's Door". Se fossem, puta que pariu, eu me ajoelhava. Aliás, pra inveja de alguns, já tive o prazer de apertar as mãos e trocar duas frases com o Roger Waters. Já dava pra morrer feliz. Mas, não! Ainda não! Porra, vou ouvir esta música agorinha mesmo, vou ouví-la umas três vezes antes de dormir, ou mais. Tá, não é nenhum dos três, tudo bem! Mas é a minha liberdade. A liberdade de agora poder me olhar no espelho, com toda a lama no corpo, e retirá-la, pouco a pouco, deixando vir à tona um cara diferente. Não, diferente não! Apenas um cara que estava guardado, meio que soterrado debaixo de entulhos de regras, convenções etc. Foda-se isso, quero ser feliz, não quero ter razão nenhuma. Nenhuma mesmo. Foi A. Schopenhauer quem disse isso? Em tempos dessa bosta de Facebook a gente acaba ficando confuso com as autorias. Bem, se não foi, deve ter sido a Clarice Lispector, afinal atribuem tudo a ela. Não que não seja merecido. Enfim, deixa o Facebook pra lá. O fato é que é a hora de saber o que fazer quando abrir a porta e deixar a liberdade entrar. Recebê-la com carinho, com atenção, com muito respeito. Não vou me lambuzar como me lambuzei na merda. Vou ser mais cauteloso, mas justamente para estar lúcido o suficiente para não deixá-la escapar, mas, quando ela estiver suficientemente seduzida por mim, aí sim, me lambuzarei dela, nadarei de braçadas, como um bom filho da puta que, quando criança, não pode ver um doce na sua mão que vem logo tirar de você, rsrsrs. Ahh, já está bom. Não quero mais escrever. Agora vou dormir. E já sei como quero que seja meu sonho. Aliás, é a última chance dele. É a última chance deste sonho surgir na madrugada e na minha cama, pois a partir de amanhã ele começa a se realizar, e aí o bicho vai pegar!

domingo, 5 de janeiro de 2014

"Ei, estou aqui por engano"

Foi com o tempo, já adulto, que ele percebera mais claramente como ela lidava com a vida. Estava certo que ela não queria mais viver. De alguma forma, desde criança, ele não conseguira entender a razão de tanta infelicidade, mas não conseguia admitir tal hipótese. Quando a admitiu foi um misto de dor e alívio. Mas, isso só aconteceu mesmo um bom tempo depois, já adulto, afinal, por vezes, ela parecia ter um brilho nos olhos que demonstrava o contrário. Demonstrava que ela poderia sorrir e ser feliz com todos. Mas esse brilho nunca fora forte o suficiente para retirar-lhe a sombra tão pesada de uma maldita melancolia que lhe sugava todo o desejo e vontade de ser feliz. Uma melancolia que facilmente se transformava em raiva, em ódio; que rapidamente destruía qualquer laço que se formasse ao seu redor, por mais amoroso que fosse. Não, de fato, ela não queria mais viver. E lutou mesmo, decididamente, para morrer. Mas, nunca deu um fim rápido a todo este sofrimento. Optou por senti-lo até o final, como que punindo-se violentamente por uma culpa que não conseguia entender.

Acabou por viver muito. Com pouca qualidade, mas viveu. Rejeitava favores, menosprezava abraços, desdenhava carinhos e afastava a todos que queriam o seu bem. Esteve por aqui um bom tempo. Por engano, assim ela imaginava. Ele lhe cobrou amor, pois sabia que ela o tinha. Ele experimentara isso, tinha lembranças de quando era bem pequenino. Nunca desistira dessa busca. Já crescendo, amadurecendo, à noite, vez por outra, parecia se contorcer na cama em busca do seu colo, de um aconchego do qual se recordava e que lhe fazia muita falta. Sim, ele lhe cobrara amor durante toda a vida, toda a vida. Hoje ele sabe que, a seu modo, ela o amava. Mas, como ela poderia retribuir mais? Como? Há muito tempo ela já havia desistido. Ele mesmo, quando percebera isso deixou de lhe cobrar qualquer coisa, nem mesmo uma pitadinha de amor. Havia, finalmente, descoberto, de forma trágica, que isso era uma impossibilidade. Passou, então, a entendê-la e a sofrer por seu destino. Ela nunca conhecera o amor, como, então, poderia doá-lo a alguém?

Ele teve que sobreviver, não sem um custo é claro, mas teve algum sucesso nessa sobrevivência. E, de alguma forma, ela também encontrou algum sucesso ao ir embora. Afinal, ele só conseguia mesmo imaginar que realmente ela estava aqui "por engano". Nunca vira uma angústia tão inominável, nunca vira uma dor tão dilacerante. Os tormentos lhe tomaram conta de toda a vida, a ponto de a única definição sensata que ele conheceu para a palavra tormento foi: "mãe".

Que todo o seu tormento agora se transforme em luz. Que ela volte a ser criança, que volte a brincar, que volte a ser sapeca, que volte a correr com os pés no chão e na chuva, que ele descobrira ser o que ela mais gostava. Que possa ter uma segunda chance, e não mais sentir-se aqui "por engano". E que ele encontre, finalmente, o amor que sempre buscou, pois desde algum tempo atrás desacreditou, finalmente, que estava aqui, também, "por engano". Afinal de contas, há coisas a fazer! Há coisas pelo que esperar! Há pessoas a amar!

sábado, 4 de janeiro de 2014

17 dias

17 dias não chega a ser um período completo de férias, mas dá pra se sentir feliz, divertir-se, conhecer novas pessoas, farrear um pouco, enfim, dá pra dar uma boa relaxada. Mas, 17 dias também servem para rever toda uma vida, ficar dentro de um quarto com as janelas fechadas para nem notar se é dia ou noite, dá pra assistir 5 temporadas de uma série e mais 2 temporadas de outra. Dá pra comprar um monte de porcarias e levar tudo pra cama e dormir em meio a saquinhos e farelos. Bem, dá pra muita coisa. Dá pra fazer tudo isso e ainda curtir, mas dá pra fazer tudo isso e se sentir bem sozinho. Sozinho porque está distante daquela pessoa com quem já passou o maior tempo de sua própria vida; sozinho porque não sabe o que se passa na cabeça do filho que está prestes a se mudar e ir pra sua própria casa; sozinho porque você olha pra sua vida profissional e pensa no quanto poderia ter feito melhor; sozinho porque você abre sua agenda e descobre que todos os teus amigos estão bem ocupados com suas famílias e se divertindo; e sozinho porque de quem você esperava um abraço, que foi implorado, não veio até você quando mais precisava. Enfim, tudo isso pode ser bem desagradável.

Mas, é quando você olha para os lados e vê que não tem saída, não dá mais pra pedir socorro, não dá pra ligar pra analista, não dá pra ligar para os pais. E aí, o que fazer? Vai pular da janela? Hum... não! A opção é pelo sofrimento mesmo. Ele precisa ser enfrentado, cara a cara. A gente sabe, no íntimo, que pode aguentar mais um pouco. Então, vamos lá e mergulhamos no mais dolorido sofrimento. É a gente com a gente mesmo. Não tem mais ninguém por ali para pedir ajuda. Não tem SOS, não tem polícia, não tem bombeiro. É o momento do "SE VIRA!". Haja tempo pra tanto choro, pra tanto desespero, pra tanta confusão na cabeça. Cadê aquele colo que todo ser humano deveria ter numa hora dessas? Não tem! É o momento do "se vira" mesmo. Mas, os dias se passam, você começa a abrir a janela, começa a sair e ir buscar uma coisa melhor na padaria, começa até a notar que está fazendo um dia bonito. E a angústia, que parecia insuportável, vai se atenuando. No final, uma grande descoberta: Não estou tão sozinho assim. Ainda tenho a mim mesmo! Posso me reconstruir! Posso deixar de sofrer tanto pelos outros, afinal, sofrer por mim mesmo foi bem mais produtivo! Saio bem mais forte dessa. Foram 17 dias bem interessantes. Não vou esquecer jamais dessas férias!

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Renuncio ao impossível pelo possível

Tudo bem, dizem a todo instante por aí que "nada é impossível". Ok, é um excelente fator de motivação e, por vezes, é necessário mesmo pensarmos desta forma. Mas, em que pese a vida ser um enorme campo de batalha, não precisamos estar, em todos os momentos, provando a nós mesmos, ou aos outros, que somos fortes o suficiente. De onde vem esta necessidade de ser "forte" ou, pior, "invencível"? De onde vem esta ideia de tornar o "impossível" algo "possível"? Que desejos são estes que nos colocam em metas absolutamente desgastantes? Que vazio é este que só o "impossível" parece preencher? Que "ordem" é essa que seguimos sem contestar? Que fantasia ou idealização é essa que vemos à nossa frente?
 
Sei que é difícil chegar à esta conclusão, mas é realmente necessário insistir em renunciar ao "absoluto". Sei que é difícil porque vivemos uma época em que "desistir" de algo, ou de parte de algo, pode ser logo taxado de "fracasso", "covardia", "fraqueza", e por aí vai. Besteira! O fato é que a pressão que existe lá fora é imensa, afinal vivemos em uma sociedade fortemente competitiva onde o individualismo narcisista é o que dita a regra geral, cada vez mais. Como, então, desistir, renunciar ao "absoluto", ao "impossível", e aceitar o "possível" quando nos exigem que sejamos "perfeitos"?
 
Não é mesmo uma luta fácil pois toda a nossa estrutura de desejo é a de ir em busca do "impossível", aquilo que não nos é dado, ou foi negado. Mas, manter-se prisioneiro dessa busca do "impossível", leva ao fácil esquecimento de que o "possível" não é apenas o "possível", enquanto sinônimo de algo limitado, pequeno, inferior. O "possível" é algo mais! É aquilo que também satisfaz e atende ao nosso desejo. Já o "impossível", quase sempre, só nos mantém em uma obsessividade incontrolável e dolorosa, que faz sempre nos sentirmos pequenos e insatisfeitos.
 
Não precisamos desistir da vida, ou da batalha, mas não podemos nos transformar em conquistadores que só encontrarão a paz naquilo que não pode ser conquistado. Não é essa conquista do "impossível" que nos tornará melhores. Vamos nos neurotizar nesta busca? Virarmos prisioneiros de uma obsessão? Quando não aceitamos o "possível" abrimos uma enorme porta para o sofrimento neurótico. Mas, quando o aceitamos, a chance de um desenvolvimento emocional saudável é imensamente maior.
 
A vida pode ser bem mais leve do que afirmam por aí. Estamos numa batalha sim. Mas sabemos que esta batalha não é o que define nossa vida. Podemos fazer escolhas mais simples e adequadas. Por que eleger como meta aquilo que não vamos conquistar? E se conquistarmos, que significado isso terá? Grandes conquistas são muito interessantes pra mostrar que podemos nos superar. Mas, a vida não é sinônimo de "grandes conquistas". E onde ficam os prazeres dos pequenos detalhes, daquelas escolhas mais simples, e que, sim, no dia a dia, são o que nos mantém de pé, e felizes.
 
Sim, sou um fervoroso defensor da simplicidade, em todos os aspectos da vida, ela nos torna mais autênticos e sadios. Colocar-se metas "impossíveis" nos começos de ano é uma brincadeira que fazemos com nós mesmos. Só resta perceber mesmo, entretanto, que a felicidade vai estar nos pequenos detalhes, e estes não poderão passar despercebidos, como se tudo o que importasse fosse o "impossível".
 
As vezes temos que virar leões, mas sabemos sair deste papel quando ele não se torna mais necessário? Ou insistimos em ser super-heróis a todo instante? Eu não sou um super-herói, eu sou menor que a vida, mas dela faço parte, e cada grão que recebo, ou conquisto, pode me trazer muita felicidade, e paz. Não se trata de "acomodação", e sim de uma escolha pela felicidade e pela paz. Não quero deixar a vida passar despercebida. Não quero um cantinho na sala para os meus troféus. Quero o meu sorriso e quem amo sempre por perto. Esses são minhas maiores conquistas!
 
(José Henrique P. e Silva)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O pecado de falar sobre o desejo!

Tenho um grande débito para com a psicanálise. Depois que a descobri foi como se iniciasse um caminho de retorno a mim mesmo e foi isso que, profissionalmente, me possibilitou ir ao encontro de outras pessoas na tentativa de oferecer algum suporte para esse mesmo encontro. Não desmereço minha história, mas não tenho receio em dizer que devo à clínica psicanalítica o que sou hoje. E quando falo "clínica" falo dos meus atendimentos, de minha análise pessoal, de minha supervisão e de minha formação teórica que é permanente, interminável. Claro que têm dias que saio da clínica mais pensativo do que, de fato, gostaria. Intrigado, as vezes sem encontrar uma ideia que acalme o pensamento, as vezes até um pouco irritado. Sim, é normal, pois se temos que suportar as dores de outros, também precisamos de alguém que suporte as nossas. Ou o psicanalista não tem suas dores? Mas não é esta a questão exatamente. O ponto mesmo é o que por vezes deixa uma intriga.

É muito normal que a intriga fique sempre pairando o atendimento clínico. Lido, ali, com questões psíquicas muito próprias do indivíduo, mas que nunca deixam de refletir o conjunto de vivências e relacionamentos que ele experimentou ao longo de sua vida. Nunca acreditei estar ali acompanhando e analisando um indivíduo isolado, mas um indivíduo que se situa em uma densa e complexa teia de vivências sociais de toda ordem. E tudo isto se manifesta em suas angústias. Vou já oferecer um exemplo desta complexa e densa teia social.

Na clínica, portanto, a condição humana se revela em sua face, não diria nua, mas mais enigmática. Sim, porque mesmo nus não deixamos de ser enigmas. E é sobre um desses enigmas que quero comentar um pouco mais. Há alguns dias, numa quinta-feira a noite, me surpreendi, intrigado, com o quanto se andava falando, na clínica, sobre a questão do casamento, de modo mais específico, e do relacionamento, de forma mais geral. Não tenho estatísticas que comprovem esse aumento de preocupação com esta questão mas, de fato, me parece estar ocupando um espaço crescente.

Casamento, relacionamento, no fundo estamos falando do "amor", seus dramas e angústias. Ora, vamos acertar logo algo aqui desde o início. Falar de amor é falar sim de sofrimento. É falar de algo que fantasiamos como solução definitiva mas que sabemos correr o risco permanente de perder. E isto se revela como fonte de uma angústia inesgotável. Pode até não atrapalhar tanto a felicidade, mas fica ali como algo ameaçador. Podemos perder um amor sim. Podemos perder a pessoa para a morte, ou para a vida. Há, portanto, sempre algo que nos fala de uma severa necessidade em lidar com o luto de uma separação. Mas tudo isto é muito amplo e geral, e queria mesmo pensar sobre algo mais específico.

Ou seja, e quando uma pessoa não revela seu desejo de separação com medo de magoar à outra? O que existe aqui? De que estamos falando? Logo o que me vem à cabeça é uma pergunta: o amor encontra seu mais perfeito contorno em um casamento? Ora, pode ser que sim! Existem casamentos, e relacionamentos, que são a mais "perfeita" materialização do amor. Mas, e quando o amor parece não mais caber em um casamento? O que se faz? É essa dúvida que leva muitas pessoas à clínica.

Alguns poderiam dizer apressadamente: "separem-se oras!". É, pode ser assim mesmo. Mas, em que pese acreditarmos em nossa capacidade de agir e tomar decisões conscientes e racionais, não é assim que agimos na maioria das vezes. Aliás, na grande maioria das vezes. Lógico que isso pode parecer frustrante para alguns, mas há como negar? Nem tentem me convencer que somos seres "racionais" 24 horas por dia! Já desisti desta crença há algum tempo.

E isto fica muito claro nas queixas dos pacientes justamente no momento que se descobrem ainda possuidores de uma enorme capacidade de amar, mas dramaticamente este amor não mais cabendo no seu casamento ou relacionamento. Ou seja, continuo podendo amar, mas amo outra pessoa agora! E aí? O que fazer? Os dramas são os mais diversos. Mas, existe um ponto bastante comum entre inúmeros casos. Uma espécie de fio condutor que ajudar a explicar várias situações que chegam à clínica. Não todas evidentemente.

Vou tentar, forçosamente, resumir a queixa na seguinte frase: "Como posso deixa-lo(a) se havia a promessa de um amor eterno?". Ufa! No dia a dia esta frase pode soar trivial, mas na clínica, diante da evidente angustia de um indivíduo, soa como um grito de desespero. Um beco sem saída. Uma caminho que só leva a um abismo.

Quando falei acima sobre um "fio condutor", um "ponto em comum" que ajuda a explicar esta queixa, estou falando da severa dificuldade, num primeiro momento, de reconhecimento do próprio desejo e, num segundo momento, de se trabalhar mais com "fantasias" que com a própria realidade. Mas, onde entra o peso do "social" nisto tudo? Vou por partes.

Entrar em contato, e reconhecer como legítimos nossos desejos não é mesmo uma tarefa fácil. Me arriscaria a dizer que talvez seja uma das principais tarefas da psicanálise, pois exemplifica bem o que seria esse "encontro consigo mesmo". Ora, quem é esse "outro" dentro de mim mesmo, que quero encontrar, senão meus desejos? É a busca por ele que pode significar uma atenuação das minhas dores e sofrimentos.

Mas, não se trata de um processo simples mesmo. Há momentos, por exemplo em que fantasias tomam conta, como uma sombra, e afastam qualquer possibilidade de enxergar a coisa com clareza e aí as decisões se tornam impossíveis. Por exemplo, se o indivíduo descobre que, de fato, quer continuar amando, mas amando outra pessoa, e tem um compromisso de relacionamento (casamento), começam a pesar sobre ele (a) severas questões.

Ele(a) pode acreditar, por exemplo, que não haverá qualquer possibilidade de diálogo com a pessoa com quem mantém o compromisso (fantasia), pode estar acreditando que ela(a) dirá algo que o coloque "contra a parede" e o(a) faça desistir da ideia de uma separação. Que fantasias são essas? Podem ser do tipo: "depois de tanto tempo, agora você quer me deixar?", "você jurou que nosso casamento seria eterno!", "minha família não vai aceitar!", "isso é pecado!", "o que as pessoas vão dizer de mim?", "eu não vou sobreviver sem você", "eu me anulei e me dediquei somente a você" etc.

Veja, tudo isto pode estar somente no nível de uma fantasia imaginada por quem quer se separar e não tem a coragem de iniciar um diálogo, ou pode se transformar em acusações bem reais quando do início de um diálogo. É justamente aqui que vemos o quanto um relacionamento pode ser invadido por questões egóicas (egoístas) e por pressões do social e até da religião, impedindo ou dificultando que as pessoas possam reformular suas vidas em busca de uma felicidade que imaginam poder conquistar.

Claro que estou tocando em questões socialmente sensíveis a muitas pessoas. Mas, quem disse que temos que ter esta preocupação como central na clínica. O que precisamos é escutar bem, ajudar a reconhecer o desejo e trabalhar no sentido de que o indivíduo seja competente e responsável o suficiente por suas escolhas. Mas, vamos voltar ao assunto.

Promessa, pecado, aceitação familiar, aceitação social, necessidades. O "social", o "egóico" e o "religioso", neste momento, surgem com toda força sobre aquele que está saindo de um casamento. Na voz daqueles que estão sendo "deixados" soa o grito de "traição", "abandono", "ingratidão", e na voz daqueles que estão "deixando" soa o peso de uma promessa não cumprida, o peso de estar se cometendo um "pecado".

Não é uma transição fácil, mas é bom que se lembre que a dor de uma separação, então, não está somente em quem "fica", mas também em quem "sai" de um relacionamento. Ambos têm que lidar com uma perda, um reencontro com seus desejos, com uma reestruturação. Isso não explica tudo, mas explica alguns dramas vividos em certos relacionamentos, honestos, mas que se perderam em algum momento.

Melhor seria se fizessem essa transição juntos, se escutando, se respeitando, buscando recuperar uma identidade que tem que sobreviver ao relacionamento que agora começa a se desfazer. É por uma recusa em buscar essa identidade, que é anterior e deve sobreviver mesmo durante o casamento, que muito casais acabam optando pelo comodismo, pelo abandono de seus desejos, pela infelicidade mútua, ao invés de se darem uma chance de liberdade e apostarem mais uma vez. É lamentável, mas é o que ocorre na grande maioria dos casos. O laço, que é frouxo e comporta sempre um risco, se transforma em uma corrente, dura e resistente, que aprisiona. estão como que "fadados a serem felizes", custe o que custar, inclusive a felicidade de ambos.

Só uma observação. Não vejo o casamento como uma instituição "falida", o que está falido mesmo é esse relacionamento egóico, que se utiliza de chantagens pessoais e pressões sociais e religiosas para sustentar um relacionamento quando ele, de fato, já se transformou. É por isso que, para muitos que chegam à clínica é sempre um "pecado" falar de seus próprios desejos, sentem-se "traidores" ou "traídos". Para não "magoar" o outro preferem calar a si mesmos e abandonar sua vontade de ser feliz. E aí só lhes restará, no lugar da busca pela felicidade, ou de mais uma chance, o contentamento com a paralisia e a acomodação. Terrível, quando se pensa que não teremos outra vida para colocar as coisas em ordem.

Porque não apostar em uma amizade eterna, em um carinho eterno, ao invés de um forçoso "casamento eterno"? Por que preferir a infelicidade do(a) outro(a), e a de si mesmo(a), que a possibilidade de novamente tentarem ser felizes, de outra forma? No fundo, ainda entendemos muito pouco de relacionamentos. No fundo temos medo de começar de novo. Mas, isso é da condição humana. Duvido que melhore muito no futuro, pois estaremos sempre trabalho com a fantasia do "eterno", com a vontade de "posse" e com a ideia de "pecado". Isso intriga, e muito!

Espero não ter deixado ninguém chateado, mas o tema está aí, no nosso dia a dia!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Viela... uma passagem para o amor!

- Oi, posso dividir a mesa contigo?
- Claro, fica a vontade!

Foi assim que ele a conheceu. Num pequeno café, apertado, mas aconchegante, onde teve que ter a ousadia, que não lhe é costumeira, de pedir para sentar ao seu lado. Ele sempre fora muito recatado e odiava transparecer qualquer ousadia. O café ficava em uma esquina, bem movimentada por sinal, e a pequena mesinha estava ao lado de fora, na calçada, bem próxima ao caminhar das pessoas que passavam por ali quase sempre apressadas. Estar assim tão próximo às pessoas lhe garantia certa privacidade, evitando aquele típico constrangimento de estar tão próximo e não ter o que falar. Conversas olho no olho, com estranhos lhe causavam certo temor. Mas a mesinha, de tão pequena, conspirava para que cruzassem os olhares constantemente e quase tocassem as mãos, inesperadamente, em qualquer movimento sobre a mesa.
 
Inevitável, então, que surgissem os primeiros comentários. Poucas palavras, mas logo começaram a trocar ideias sobre as pessoas que por ali passavam, sobre o próprio café e sobre o que faziam para ir levando a vida. Mal perceberam, estavam sorrindo das situações que um e outro traziam. O tempo passava e ficava mais difícil tomar a iniciativa de levantar e ir embora. Tudo ali parecia destoar daquele cotidiano tão cinza e vazio que marcava a vida de ambos. Mal sabiam que aquela leveza que tinham conquistado com piadas e sorrisos estava tornando seus sentidos mais aguçados e fazendo-os notar pequenos detalhes um no outro. Mal perceberam, estavam entrelaçando-se, entregando-se à descontração.
 
Mas a vida pode ser tirânica e, mesmo que algo estivesse conspirando para que ficassem um pouco mais e aproveitassem o fato de terem encontrado um ao outro, ela, a vida, os chamava para seus afazeres e preocupações. Tiveram que levantar. Impossível que não suspirassem e prendessem o fôlego como que num lamento. Era chegada a hora de ir. Tinham suas tarefas a cumprir. Ele não sabia bem o que estava acontecendo, mas sentia uma enorme vontade de prolongar um pouco mais a presença ao lado dela. Estar junto a ela lhe trouxera uma intensa alegria. Foi então que, permitindo-se querer sentir um pouco mais aquilo, teve que ser mais ousado ainda.
 
- Tu vais por ali?
- Sim, vou sim, fica logo ali… – Te acompanho então!

A rua que ela indicara era a de baixo, menor e mais estreita. Havia um prédio alto ao fundo. Era lá que ela trabalhava. Talvez uns 70 metros de distância. Sim, só mais 70 metros juntos, era o que ele pensava. A rua não tinha saída, isso ele enxergava claramente. Começaram, então, a caminhar. Mas, se nos primeiros metros pareciam decididos a andar a passos largos, logo começaram a andar mais calmamente encontrando desculpas nas vitrines para ficarem um pouco mais, juntos. Andavam quase que para os lados e mal tentavam disfarçar que queriam ficar um pouco mais. As mãos pareciam inquietas. Vez por outra se esbarravam, como se quisessem se atar. Mas eles estavam muito tímidos, sem jeito mesmo. Algumas vezes olhavam para frente tentando saber quanto ainda restava de rua. Isso lhes tirava um pouco o fôlego, o ânimo, e trazia certo medo. A rua estava acabando, estava próximo o momento da despedida.
 
Nos últimos metros já passavam mais tempo em silêncio, de cabeça baixa, antecipando um sofrimento que era certo. Os últimos passos já eram mais lentos, numa desesperada tentativa de evitar o final. Foi nesse momento que, chegando, afinal, ao fim da rua, que ele descobriu que se tratava de outra esquina. A rua acabava, mas, se virasse para o lado, um determinado lado, teria pela frente uma viela que levava a uma rua bem mais larga e que não conseguiam enxergar o seu fim. Talvez houvesse um fim, mas ele não se permitia enxergar naquele momento. Tomado por uma sensação de coragem e ansioso por continuar a caminhada, ele teve mais um momento de ousadia.
 
- Vamos ver o que tem por ali?
- Vamos sim, nunca fui por ali, mas sempre tive vontade!

Trocaram um rápido sorriso e a alegria parecia lhes invadir novamente, inundando-os mesmo. Num ato onde o pensamento teve pouca chance de estar presente, quase que automaticamente deram as mãos, e os passos ficaram mais firmes. Voltaram a sorrir e a brincar. Quando chegaram ao fim da viela e enxergaram aquela rua que parecia não ter fim olharam-se e deram um sorriso ainda mais largo. As mãos que já estavam dadas agora viram os dedos entrelaçarem-se. Não estavam preocupados em enxergar o fim da estrada, ou o futuro. Não! Cada passo era tão maravilhoso, e leve, que parecia que a estrada se prolongava com eles, parecendo tão… Infinita! Nesse momento, ele teve um último ato de ousadia.
 
- Aceita caminhar comigo um pouco mais?
- Claro, tua companhia me faz perceber que preciso de ti… Preciso muito de ti!

Encontros e desencontros do amor!

Quem se atreve dizer que o amor não é um encontro. Ele exige mais de um. Como amar sozinho? Pode-se sentir o amor sem lançá-lo sobre outra pessoa? Não! Ele precisa de um encontro. E ele e ela se encontraram, em algum momento, marcado por um enorme acaso. Encontraram-se, através de sensações. Sensações que levam ao toque, ao abraço, ao beijo. Ora, amor precisa de dois. Dois singulares, dois específicos, duas individualidades. Por isso o encontro. O encontro não se dá entre iguais, se dá entre diferentes. Os iguais não existem. E se existissem jamais se encontrariam, pois estariam em busca do diferente. O que é, então, este encontro senão o reconhecimento de algo que sempre faltou. O reconhecimento de algo que se transforma em desejo, inevitável, imprescindível agora mesmo, nesse instante. É aí que se dá o encontro, em meio ao reconhecimento. Os dois, ele e ela, reconhecem, os dois experimentam a possibilidade de superar a falta, de tapar os buracos, de finalmente explodir em gozo. E é esta possibilidade, fornecida pelo encontro que leva a uma busca desenfreada, insana, sem sentido, sem razão, sem ponderação alguma, pela fusão. Ele a quer para si, ela o quer para si. Não só desejam-se, querem-se. Querem que faça parte, que complete, que preencha. É um momento tenso, pura intensidade, mergulho profundo, um caminho quase sem volta, sem fôlego, falta ar. Mas não se importam, o desejo é pela dissolução, ele nela, ela nele. O desejo é por devorar, por ter dentro de si, a cada instante, sem o risco de perder. A sensação é de não se viver sem. Vontade é de se morrer assim, colados, como uma só peça, destrutível, mas impossível de gerar as singularidades de antes. É o momento do pleno êxtase. Ele e ela imaginam-se um só. Mas, a dor e o sofrimento povoam este momento. O que era uma possibilidade logo se revela uma impossibilidade. Como, de dois, gerar um só? A dissolução é só desejo, a colagem não é tão segura. Surgem os medos, as inseguranças, as dúvidas. Como sustentar aquele êxtase permanentemente? Tudo conspira contra a fusão. A realidade se impõe produzindo fissuras, reforçando os traços de individualidade, separando desejos, demarcando vontades. A dor se instala. Veio para ficar. A completude vai ficando distante e o êxtase vai se acalmando. Ele e ela se entristecem, se calam. Volta a individualidade. Retorna vitoriosa, mais forte. Não destrói o encontro, mas diz que a fusão é impossível. Aplaca a dor e o sofrimento, mas faz o êxtase arrefecer. Mas ainda resta o amor. Ele sobrevive a toda esta tormenta, a todas estas possibilidades e impossibilidades. Ele volta mais maduro, sem uma promessa de fusão, mas com a certeza de um encontro muito duradouro. Voltam a ser dois, sabem que ser um só é uma impossibilidade. Mas, não desistem, e, como dois, ele e ela irão viver esse encontro que é o amor. Afinal, se não fossem dois, não haveria encontro entre ele e ela.

Ele surge do silêncio... o amor!

À cada recanto de uma letra sua… onde se esconde o amor.
Explicar o amor? Ilusão, e quem se atreve?
Instantes iniciais existem. Instantes em que o eu sonha em ser nós.
Apontar seu nascimento? Ilusão, e quem consegue?
Mas, o vazio arrefece e o eu sonha em ser nós
 
Num desses instantes, o olhar foi atraído, chamado.
Palavras, palavras… doces, gentis, amigas, mas apenas palavras.
Se antes vagava, não em busca, sem perceber foi capturado.
Como na poesia, nos permitem a fantasia. São as palavras.
 
Surpreso, o olhar protesta: “Não, não sou eu o chamado!”
Tudo o mais se movimenta. Nada mais está quieto.
Mas ele teima, deixa-se prender e todo o resto se pergunta: “É um ser amado?”
Uma busca se inicia. Tudo está inquieto.
 
Havia algo mais, ali. Um espaço, em meio, por entre as palavras… em branco?
O olhar estava capturado… não eram as palavras, nem as letras!
Havia movimento, sombras, nesse espaço. Não era só o branco.
Eram doces, gentis. Mas eram somente palavras… e letras!
 
Era o que estava em meio… em meio, por entre!
Naquele branco, limpo, curto… havia algo, em meio!
Seu contorno foi se dando… era uma mulher, que trazia o amor, em seu ventre.
Chagava, feliz, a certeza… não era um devaneio!
 
Não era mesmo?
Seria apenas… a paixão?
Tudo estava a esmo?
O que era, então?
 
Tentou apagar as palavras, e ficar somente com ela… não conseguia!
As palavras eram necessárias… em meio a elas é que se revelava.
Sem as palavras, não ficava desnuda… desaparecia.
Desistiu, permaneceu com as palavras, continuou a buscá-la.
 
Lia, se perdia… leria, relia, tudo valeria, para encontrá-la!
Ela estava ali, em meio, por entre, só insinuava.
Um sorriso sapeca, infantil, tão rápido, por trás de uma letra… como pegá-la?
Vá, pensava. Vá ler, e ia. Mas, um instante apenas… e não mais era achada!
 
Não é ele, sou eu… eu preciso das palavras, em meio a elas, e por trás, ela corre
Corre livre. Por vezes, para… se agacha, lança um olhar… prendendo-me.
Sem ninguém alcançá-la, livre, novamente ela corre
Foi nesse instante que algo percebi. Eu estava com sede, perdendo-me!
 
Cada letra, cada palavra, era sua moradia… ali ela existia
Se nenhuma letra era fria, era porque ao seu toque… aquecia
Se nenhuma palavra era morta, era porque ao seu olhar… revivia
Ela precisava das letras, e das palavras, pois com elas… seduzia
 
Foi difícil se perder… não! Não foi.
Quanto mais a procurava… me desesperava, pois ela capturava
Sempre ali, em meio, por entre as palavras e as letras, mesmo num curto “oi”
No oculto, no não dito, no inominado… No silêncio que pairava!
 
É no em meio, no por entre, que o silêncio reside.
Entre uma palavra e outra, no recanto de cada letra… ele habitava
Um silêncio que perturba, que traz o barulho, e o movimento permite.
Um salto… e no salto, o silêncio! Mas não a calma.
 
Incomoda… movimenta!
Toma a atenção… desperta!
Tira do lugar… inquieta!
Faz perder-se… oferece a saída!
 
Ela está ali, por entre… em meio!
Correndo, livre… se debatendo!
Sorrindo… gargalhando!
Vivendo, oferecendo o amor!
 
Ela surgiu do silêncio!
Trouxe o amor, e exigiu minha dissolução, nua!
E estou aqui, dissolvendo-me, em silêncio!
Em cada recanto de uma letra, sua!

Uma carta...não enviada!

Oi amor, preciso conversar um pouco com você. Não pelo chat de qualquer rede social. Por ali a chance de mal entendidos é enorme e acabamos nos perdendo em pequenos detalhes insignificantes. E o que precisa ser dito, e sentido, acaba por não ser dito ou sentido. Além, disso, o chat não respeita o silêncio. Ele é logo interpretado como recusa, como desrespeito, como distração, quando, na realidade, é um grito, um apelo, um pedido de socorro.
Você sempre me pergunta se tudo está bem. Se existe algo acontecendo. Sim, existe algo acontecendo sim. Algo que me deixa cansado, desmotivado. Queria muito mesmo poder mudar muita coisa hoje na minha vida. Mas não vou conseguir tão rapidamente como eu gostaria. E ultimamente tenho me sentido muito mal, as vezes um pouco intolerante, propenso a discussões bobas. As vezes passa, parece sumir, e volto a ficar otimista. Mas essa oscilação tá difícil. O que sinto mesmo é que minha vida tá de cabeça pra baixo.
Tenho me sentido muito sozinho. Um tipo de solidão muito aguda, que me impede até de falar. E o pior é que só sinto vontade de me fechar ainda mais. Enfim, preciso muito que você tenha paciência, que não me leve tão a sério em certos momentos, que não se chateie com meus silêncios, vez por outra. Hoje tudo o que gostaria era de estar no meu canto, sozinho, onde pudesse sentar e me deparar comigo mesmo. Estou precisando muito disso. Mas, sei que, ao mesmo tempo, isso só aumentaria minha solidão.
Tem paciência. Meus silêncios são gritos que não podem sair nesse momento. Sufocam, me entalam, me engasgam. Mas não fazem com que eu deixe de te amar. Só estou falando isso porque você é a única pessoa que me interessa que saiba. Eu te vejo feliz, e queria muito estar na mesma sintonia que você. Mas, confesso que não estou, nem sei se consigo. Acho que sou um cara muito limitado quando se trata de felicidade e de amor. Mas a tua felicidade me contagia um pouco, me faz resistir. Só espero, também, estar te fazendo algum bem. Não se assuste nem se magoe com meu silêncio, ele é só a melhor expressão de tudo o que não posso sentir de forma livre e aberta.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Acertos de contas!

Dos 40 ele já havia passado. Estava próximo dos 50. Ok, tudo bem. Ele se sentia legal, mas incomodado. Se pegava fazendo comparações. Parecia, as vezes, ver colocado em xeque seus gostos, opiniões e atitudes. Passou até a olhar-se mais no espelho pra identificar sinais de um possível envelhecimento mais rápido. Mas eram as comparações que o perseguiam. De uma hora para outra parecia querer estar sempre "atualizado", "conectado", "antenado". Talvez "antenado" nem tanto, já que o termo parecia de uma época bem passada, e isso o intrigava. 

Fazia isso a todo instante. Parecia estar todo fragmentado e, agora, em busca de algo que lhe desse uma nova estrutura. Sentia medo de ser identificado como "velho", "fraco", e por aí vai. Queria algo que lhe permitisse continuar sentindo-se pertencente à sociedade. Sim, essa sociedade "jovem", "ousada", "corajosa", "feliz", "sorridente", "sem limites". Foi quando começou a perceber que o que fazia era buscar uma nova identidade, ou pelo menos certificar-se que ainda estava em "validade". 

Foi inevitável, então, que começasse a se comparar com os mais jovens. E aí o processo ficou complicado pois, se de um lado via "ousada" e "liberdade", quando voltava-se para si enxergava "acomodação". Não parava de pensar nisso. E só via mesmo complicação nisso tudo.

Foi quando começou a lembrar de si mesmo há um tempo atrás. Se viu jovem, numa época em que quase nenhuma importância dava ao passado ou ao futuro. Recordou que tudo parecia estar dentro de um
"eterno" presente. Isso lhe deixava certa saudade. Mas, quase de imediato, voltou novamente os olhos para o seu presente e se enxergou de outra forma. Viu não mais um jovem que parecia sem limites, mas um homem "maduro". Começou a perceber muitas diferenças entre o antes e o agora, entre aquele jovem e o homem de agora. Notou que tinha passado por mudanças, algumas bem profundas.

Sua história começava a vir à tona com mais clareza. E à medida que essa história ressurgia sua vontade de fazer comparações se atenuava. Estava impregnado de vontade em entender o que havia passado consigo mesmo, com seus desejos, com seus sonhos.

Percebera que algumas mudanças importantes haviam acontecido em sua vida e mais, sentia-se instigado a promover rupturas ainda mais significativas. Foi aí que percebeu que não havia mesmo motivo algum para fazer comparações ou buscar se ajustar ao que lhe parecia "moderno".

Tudo o que ele precisava era continuar fazendo seus "acertos de conta". Com quase 50? Parece tarde? Ele não pensava assim! Quem pode pensar assim? Só quem já desistiu! Notava que ainda tinha um futuro. Mais curto é claro. Mas, quando jovem, nem se preocupava com este futuro. Agora, pelo menos, sabia que tinha um futuro e que podia fazer tudo para que fosse o melhor possível. Foi assim que começou  a perceber importantes diferenças entre ser jovem e ser maduro.

Ainda se via na hora, portanto, de sentar e fazer balanços sim! Enxergava nisso uma manifestação de seu processo de amadurecimento. E amadurecimento também se faz com rupturas. Aliás, e como se faz! Quantas vezes não teve que repensar todos os seus sonhos e projetos de adolescência e início de fase adulta? Pois é, agora só tinha que continuar este processo. Logo ele percebeu que se existisse mesmo essa tal "crise" masculina nesse momento da vida, que fosse entendida também como abertura de "possibilidades", aliás, como todo bom conceito de "crise". Não é assim?

Não ousava mais se mirar nas fantasias da juventude, com todas as ilusões de um mundo perfeito e eterno. Enxergou nelas apenas o inicio de sua vida. Só isso! Mas, ele percebera que ainda continuava marcado implacavelmente pela necessidade da fantasia, ao mesmo tempo que se encontrava aprisionado à realidade. Mas, como abolir uma coisa ou outra? Não dava! Ele sabia que se insistisse em sonhos irrealizáveis só teria pela frente a dura castração da realidade e um monte de neuroses a desenvolver. Mas, sabia também que se ficasse prisioneiro da acomodação sua vida continuaria sem sentido, e aí nenhum futuro lhe bastaria.

Pensou mais um pouco e percebeu que é entre "viver a vida intensamente como se não houvesse amanhã" e "tornar-se um neurótico, prisioneiro das obrigações diárias" que sempre se situara, em seu cotidiano. O que tinha que fazer, então, era não mais negar o seu direito a sonhar. Olhar pra trás, fazer um bom balanço, encontrar um bom lugar para os desejos, e continuar caminhando, pois ainda existia um amanhã sim. E poderia ser vivido de uma forma melhor.


Ele não estava disposto a negar a si mesmo a possibilidade de ter alguma felicidade. Ele não a via como privativa dos jovens. Pelo contrário, com o tempo, notou que aprendera a fazer certas coisas de uma forma bem melhor, e a enxergar com mais nitidez o que poderia lhe fazer realmente feliz. Parou de comparar-se, parou de olhar no espelho, e foi viver, sem medo de rupturas, sem medo do futuro, e ansioso para ser feliz naquilo que a vida lhe proporcionava de mais simples. Não estava disposto, como homem, a abandonar-se.