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sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Vergonha, Depressão e Narcisismo: O conflito que vive o "envergonhado"

Hoje se dá uma maior atenção à "vergonha" como objeto de estudo. E isto se deve ao fato de que a disseminação de novas configurações neuróticas após Freud não cessa, sempre mostrando facetas até então ocultas ao olhar da metapsicologia. Assim, o caso das fobias sociais é um exemplo, pois, tradicionalmente vistas sob o ângulo do "medo", hoje pode-se colocar em relevo a "vergonha".
 
Na edição de out/2013 da Revista Mente&Cérebro o psicanalista Jurandir Freire Costa nos oferece um artigo justamente sobre a "vergonha" (Os sobrenomes da vergonha: melancolia e narcisismo), aquele sentimento que reflete bem o paradoxo de querer ser visto e reconhecido pelo outro, ao mesmo tempo que recusa ser visto por acreditar não possuir o que o outro deseja. É este paradoxo que é o cerne do conflito envergonhado. 

Neste conflito, depressão e narcisismo estão presentes. Segundo Jurandir, a DEPRESSÃO se faz notar através da "ausência de culpa", ou seja, o envergonhado não sente culpa por um dano real ou imaginário causado a outro, mas pelo "sentimento de insuficiência diante do desejo do outro". A marca principal da culpa é o "traço vergonhoso" que chega como uma sombra que recai sobre o sujeito. Mas, não confundir com a melancolia, pois esta é uma desorganização mental grave que pode levar à morte ou paralisia da atividade psíquica. Na vergonha o que há é uma desproporção entre a natureza dos mecanismos de defesa (semelhantes à melancolia) e os efeitos sintomáticos (próximos da neurose fóbica e das depressões por culpa) e o alvo do ódio é o próprio sujeito e não o objeto incorporado. É neste contexto que "a imagem corporal é submetido à mais cruel inspeção persecutória, racionalizada como prova de 'inferioridade real...", com consequências desastrosas. É a partir daí que o indivíduo lança mão, como defesa, da "recusa da intenção" (conceito de Marie-Claude Lambotte), que abandonando a intencionalidade (ação) tenta calar o psiquismo. É assim que o sujeito acabar por encenar para si e os outros a pantomima (abuso dos gestos para se comunicar e chamar a atenção).

É na tentativa de explicar melhor esta dinâmica melancólica que se recorre ao NARCISISMO. O que se percebe na vergonha é uma "precariedade narcísica" marcada por um olhar materno sem a intenção e amor, como uma moldura vazia do desejo do outro. A criança é despida de qualidades, seu imaginário se cristaliza no vácuo de ideais de eu maternos. Daí a inconsistência da formação egóica (baixa autoestima) e a dificuldade em sentir-se como suporte de narrativas positivas. Predomina uma história marcada por subtrações: eu não sou, eu não posso, eu não sei, eu não quero, eu não penso etc.

Como, então, analisar este indivíduo que não tem o ímpeto necessário para preencher sua moldura vazia com histórias e conteúdos suficientemente bons? Parece que o conceito de "perdão" terá uma importância decisiva. Mas, o que é o perdão? De original conotação religiosa passou a ter um sentido leigo como algo indispensável à manutenção da imprevisibilidade das ações humanas, pois sem o perdão não nos arriscaríamos a agir, já que não conseguimos prever ou controlar os efeitos de nossas ações. O perdão seria como um passaporte para a entrada no universo simbólico da relação com o outro, que precisa de nossa confiança em sua suposta benevolência. Na psicanálise, o "perdoar a si" é fundamental para este processo com o outro, já que seria reconhecer em nós mesmos a existência do gozo e do real, ou seja, daquilo que é "abjeto" (desprezível). É este reconhecimento que implica em nos tornarmos agentes de nossa história, que deixa de ser contada somente como se tudo fosse resultado da intenção do outro.

Daí é um passo para se concluir que a própria "moldura vazia" é uma fantasia defensiva, uma cena congelada pelo ego em favor de sua própria homeostase. Como nos diz Jurandir:

No começo, o vazio da moldura se impõe como o espelho da impotência da mãe-ambiente para criar uma imagem narcísica suficientemente boa do próprio sujeito. Depois esse vazio é progressivamente engessado numa outra fantasia, desta feita de autoria egóica: a do sujeito como replicante do não-desejo do outro (p. 73).

Ou seja, a vergonha não é só efeito da incapacidade do outro em projetar conteúdos bons e positivos, mas também uma resistência do ego em aceitar um sujeito que resiste à "intrusão" do outro.

A vergonha, a vitimização do ego pelo ego, faz da "moldura vazia" uma fachada que esconde a existência de um sujeito coautor de seu destino psíquico. Ao apegar-se à posição de traído pelo desejo do outro, o ego, inconscientemente, buscar furtar-se ao trabalho de desejar segundo a castração (p. 73).

Desse modo, "perdoar a si mesmo é tornar-se responsável inclusive pelo que o outro fez de 'irresponsável'...".