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domingo, 13 de abril de 2014

A Felicidade, entre a descartabilidade e a persistência

Há pouco tempo, em uma dessas sessões nada monótonas na clínica, um adolescente me questiona: Como ser feliz? A pergunta veio direta e objetiva, como é a fala de um adolescente. O que exemplificava seu incômodo era o fato de gostar de música dos anos 70 e seus amigos desaprovarem a ideia. Sentia um mal-estar que o deixava, por vezes, retraído e solitário pois imaginava não ser aceito.


Depois, já em casa, a pergunta teimava em não me sair da cabeça. Ela falava de felicidade, música, moda, consumo, e me levou de imediato a lembrar de alguns trabalhos de G. Lipovetsky, filósofo francês da atualidade. Lembrei dele por sua ousadia em rediscutir alguns temas como o da felicidade e as "frivolidades" do consumo contemporâneo. E sua discussão é bastante contextualizada, ou seja, deixa a filosofia um pouco de lado e discute a felicidade no interior das relações que os indivíduos estabelecem, consigo mesmo e com os outros, e isso tudo no contexto maior do "consumismo". 

O que dizer sobre isso? Hoje, por exemplo, é muito comum que uma pessoa "pressione" outra a consumir algo específico em função da marca, do preço, da beleza ou do status que representará. E, portanto, é muito comum que também critique os que já possuem suas preferências razoavelmente consolidadas, e não tão sujeitas à moda. De outro lado, também é comum "sentir-se" pressionado, afinal, consumir o mesmo que o outro é uma possibilidade de aprovação, pertencimento, aceitação, reconhecimento.

Segundo Lipovetsky a "hipermodernidade" atual ("hiper" porque a ênfase está no "excessivo") está marcada pela tendência em se fazer da "mercadoria" e de seu "consumo" o próprio sinônimo de "felicidade". Nesse contexto, o que escapa de transformar-se em mercadoria? A felicidade também não escapa a isso, afinal não se costuma dizer que se o dinheiro não traz a felicidade ele, pelo menos, a compra? É nesse sentido que a felicidade passou a inserir-se, cada vez mais, em embalagens de produtos sempre novos e, portanto, sempre descartáveis.

O resultado disso já conhecemos bem: um consumo interminável, que não sacia nunca, que não preenche nunca, um excesso que transborda sem tapar nenhum buraco em nós mesmos. Não à toa os maiores rivais dos psicanalistas hoje em dia são as viagens, os salões de beleza, os carros novos, as cirurgias plásticas etc., soluções bem mais rápidas e, melhor, que evitam o penoso trabalho de lidar consigo mesmo.

Mas, o fato é que o aumento do consumo na atualidade não implica em aumento da felicidade, do contrário não viveríamos uma "era de ansiedades", uma época de profunda inquietude e insatisfação. Apenas estamos, freneticamente, comprando momentos de um prazer muito instantâneo, pouco resistente e duradouro. A "novidade" dos produtos e a aceleração da tecnologia respondem a este frenesi, pois o que consumimos agora já não nos serve amanhã. Precisamos de algo "novo" para manter nossa esperança de satisfação. É assim que funciona, em linhas gerais, o "consumismo", seja ele de que ordem for.

Ora, se depositarmos todas as nossas esperanças de felicidade no consumo de mercadorias da moda estamos fadados ao vazio do deserto, a uma inesgotável carência, a uma falta absoluta, de onde só pode resultar o sentimento de queda, de vazio, embora o tênis de primeira linha possa até trazer um alívio imediato para alguns que se esforçam em comprá-lo, ou até roubá-lo. Mas, é só um alívio imediato!

Ora, todos queremos bons produtos. Mas, resumimos nossa existência a isso? A comprar bons produtos e, ao abrir a embalagem, esperar que a felicidade seja desempacotada junto com a mercadoria? Onde está a "vontade de potência" nietzschiana? Onde está aquele desejo de potência que nos impele a ultrapassar, ir sempre mais distante em nossa existência mais ampla? E quando falo "mais ampla" é no sentido de "além do consumo". 

Ora, o consumo só ocupa este espaço absurdo que alcança na atualidade porque em outros campos (educação, profissão, arte, política, etc.) abdicamos de qualquer busca, abdicamos de buscar a felicidade por ali. O resultado é uma vida cada vez mais centrada e direcionada para a "mercadoria". Isso deve ser motivo de orgulho para alguém? Como preencher nossa vida com algo (mercadoria) que, cada vez mais, é descartável? Somente nos tornando, também, descartáveis. Esse será sempre o preço a pagar por uma vida de "excessos".

Como diz Lipovetsky, é preciso "relativizar o consumo", ou seja, fazê-lo perder a importância absoluta que adquiriu. Mas, como? Lutando para não preenchermos nosso vazio simplesmente com a mercadoria; olharmos para outras direções, outros prazeres, outras satisfações, principalmente as mais duradouras, aquelas que possuem uma "história" e que não sejam tão descartáveis.

Afinal, é em torno destes "objetos duradouros" que temos a chance de darmos o contorno para nós mesmos e reforçarmos nossa identidade. Mergulhar neste rio de consumo exacerbado é ficar à deriva. O consumo não pode ser nosso único ideal, onde fica nossa "riqueza" afetiva, intelectual, profissional?

O fato é que, para o adolescente de que falei no início, gostar de um ritmo musical de 40 anos atrás, certamente lhe traz problemas entre seus amigos, mas também lhe garante uma boa possibilidade de contorno psíquico e uma tremenda sensação de prazer e orgulho, sentindo-se, porque não, especial, diferente, marcado por sua individualidade... algo tão raro na atualidade descartável.

Pois é, essa descartabilidade não é fácil, nem para quem opta por ela, nem para quem resiste a ela, pois a pressão ocorre por todos os lados. Há alguém nos mostrando algo novo, alguém nos facilitando a compra, alguém nos dizendo que temos que ser felizes a todo custo. Cada vez mais sou levado a pensar, por tudo o que presencio, que a "felicidade que se compra" é a felicidade dos solitários e narcisistas. É preciso ir mais além, isto é muito pobre, psiquicamente falando.

(José Henrique P. e Silva)