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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Demanda por "Reconhecimento" (Teoria Crítica e Psicanálise)

Certamente são muitas as demandas atuais da clínica psicanalítica e, em boa parte dos casos, é possível construir uma "ponte" entre a queixa individual e as questões sociais nas quais este indivíduo está colocado. Não é um exercício muito simples, mas considero necessário, até para vermos o que "é" do sujeito e o que "é" do social, sem nenhuma pretensão, é claro, que sejam esferas autônomas.
 
Uma destas demandas que a clínica psicanalítica mostra é a que vou chamar "Demanda por Reconhecimento", na qual existe uma luta do sujeito para emancipar-se através da (re)construção de sua identidade. Isto fica muito claro em inúmeros discursos que chegam à clínica psicanalítica. E é sobre ela que gostaria de fazer alguns comentários.
 
A "ponte" com o social pode ser feita através da Teoria Crítica (TC). O que é a Teoria Crítica? Em um rápido retrospecto, com o total auxílio da "apresentação" feita pelo professor Marcos Nobre, ao livro "Luta por Reconhecimento", de Axel Honneth, podemos dizer que, em 1924, foi fundado junto à Universidade de Frankfurt, na Alemanha, o Instituto de Pesquisa Social. Horkheimer assumiu sua direção em 1930 e propôs um programa interdisciplinar cuja referência teórica era o marxismo.
 
Nascia a TC que tanto influenciou o debate contemporâneo após a II Guerra. Buscava-se descrever o funcionamento da sociedade e, mais, compreendê-la criticamente à luz de uma possível emancipação. Esta entretanto, apresentava-se como "bloqueada" pela própria lógica da organização social.
 
A partir dos anos 40 Horkheimer e Adorno vão se distanciando dos diagnósticos e soluções marxistas e passam a dar a estas uma nova versão intelectual. Atualmente, Axel Honneth é um dos mais fortes expoentes da TC. Assim como Habermas, posicionou-se sempre em contraste com seus antecessores e apresentou sua teoria como solução para, justamente, os impasses detectados nas teorias anteriores - é essa postura de crítica interna da TC que me fascina metodologicamente, pois me parece muito mais científica e honesta do que ficar simplesmente, reproduzindo dogmas que, muitas vezes, já não explicam a realidade. Sua postura foi de procurar encontrar nos escritos de seus antecessores pistas e traços de um rumo teórico que não havia sido trilhado e que poderia ter evitado as dificuldades. Como diz o prof. Marcos Nobre:
Esses elementos negligenciados podem dar novo rumo à teoria social crítica,agora ancorada no processo de construção social da identidade (pessoal e coletiva) e que possa ter como sua gramática o processo da "luta" pela construção da identidade, entendida como uma "luta pelo reconhecimento" (p. 11, apresentação).
Mas, em que aspectos Honneth estaria confrontando Habermas e oferecendo novas respostas? Habermas havia, por sua vez, procurado criticar o diagnóstico de Horkheimer e Adorno em seu clássico "A Dialética do Esclarecimento" onde investigavam a "razão" humana e concluíam que a racionalidade "instrumental" era a forma estruturante e "única" da racionalidade social apresentada pelo "capitalismo administrado" que podiam observar à época.
 
Mas, aqui existiria uma "aporia" (um impasse), pois se a razão instrumental é a única no sistema e bloqueia toda e qualquer emancipação, como criticá-la? Para Habermas, insistir nessa aporia seria colocar em risco o próprio projeto da TC. É a partir daí que Habermas vai propor novo diagnóstico e recuperar a capacidade crítica da teoria. Aspectos decisivos das relações lhe pareciam estar sendo ignorados.
Ele pensou, então, em um novo conceito de "racionalidade". Habermas partiu do pressuposto que a racionalidade instrumental não deveria ser "demonizada", mas que deveria ter "freios", daí vir com o conceito de "racionalidade de dupla face", onde a "instrumental" convive coma "comunicativa".
 
A "instrumental" é uma racionalidade orientada para o "êxito",o que possibilita a reprodução material da sociedade. A "comunicativa", por sua vez, é orientada para o "entendimento", que possibilita a reprodução simbólica da sociedade. Uma, então, responde ao "sistema", outra ao "mundo da vida", das relações sociais.
Trata-se de apontar ara uma racionalidade cujo padrão não é o absoluto hegeliano ou do sujeito característico da "filosofia da práxis" sem, com isso, dar adeus à modernidade e seu projeto. Trata-se de mostrar que há vertentes do projeto, moderno que não foram levadas adiante (p. 14, apresentação).
A aporia, portanto, é um impasse, mas não uma impossibilidade, possui alternativas. A conjuntura de Habermas era distinta. Com o capitalismo sendo regulado pelo Estado, concluiu que aquelas tendências que poderiam levar à emancipação tinham sido neutralizadas (o colapso interno do sistema, e a organização do proletariado).
 
Algo disso já estava em Horkheimer e Adorno, mas Habermas não conclui que a emancipação estava definitivamente bloqueada, afinal, às tentativas de colonização do mundo da vida pelo sistema, estruturas da ação comunicativa iriam se opor.
 
Mas, para Honneth, faltava enfrentar o problema por inteiro. Tanto em "Dialética do Esclarecimento" quanto em "Teoria da Ação Comunicativa" (Habermas), haveria um déficit sociológico. Um exemplo está na própria distinção dual entre sistema e mundo da vida, muito mecânica, e não permeada pelo "conflito social".
 
Com isso, Habermas não conseguiu pensar o próprio sistema e sua lógica instrumental como resultados de permanentes conflitos sociais, capazes de moldá-lo de acordo com a correlação de forças políticas e sociais. O conflito é abstraído da teoria. Mas, se a base da interação é o conflito, sua gramática, segundo Honneth, seria a luta por reconhecimento.
 
O que Honneth faz, então, é o sentido inverso: partindo dos conflitos vai em busca das lógicas da sociedade. Não se interessa, entretanto, primeiramente, pelos conflitos pelo aumento de poder, mas...
interessam-lhe aqueles conflitos que se originam de uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identidade pessoal ou coletiva, capaz de suscitar uma ação que busque restaurar relações de reconhecimento mútuo ou  justamente desenvolvê-las num nível evolutivo superior. Por nisso, para Honneth, é possível ver nas diversas lutas por reconhecimento uma força moral que impulsiona desenvolvimentos sociais (p. 18, apresentação).
Isso lhe vai exigir a análise do indivíduo a partir de 3 dimensões:
  • A esfera emotiva que permite ao indivíduo a confiança em si mesmo;
  • A esfera jurídico-moral em que o indivíduo é reconhecido como autônomo;
  • A esfera da estima social em que seus projetos de autorrealização pessoal são objetos de respeito solidário;
O que vemos, então, até aqui, é a recuperação que Honneth faz, no interior da TC, da ideia e do valor do "conflito social" (com sua gramática vinculada à luta pelo reconhecimento) para explicar a dinâmica da sociedade. Algo similar, um conflito de tal ordem, sem dúvida, ocorre na esfera psíquica. É esta gramática que inunda os conflitos sociais atuais e, a clínica psicanalítica.
 
O que podemos dizer, então, é que o indivíduo enfrenta uma dura batalha psicossocial em busca de reconhecimento, tanto de si mesmo, quanto social. Hoje, vivendo a sociedade que define a todos pelo "sucesso", o indivíduo, evidentemente, não encontra o seu lugar, o espaço necessário de reconhecimento em que possa atuar. Nos defrontamos, a todo instante, com a ameaça, ou com o próprio "fracasso", e isso destrói um pouco mais nossa própria confiança.
 
É nesta riquíssima interação entre o psíquico e o social, mediada, justamente, pelas relações emocionais e sociais, que encontramos a oportunidade, ou não, de nosso auto reconhecimento, base para que esse respeito seja solidário.
 
É aí que se constrói a ponte entre a "clínica" e o "social", entre o indivíduo e a sociedade. se não nos situarmos nessa metafórica ponte dificilmente poderemos enxergar o indivíduo em sua totalidade. Se é que isto é possível.
 
É no real, no social, que o psíquico transborda. E é neste terreno, absolutamente pantanoso, movediço, que temos que atuar para entender e auxiliar nessa reconstrução identitária. Só não podemos esquecer que também vivemos por sobre este mesmo terreno.
 
Em outros posts tentarei explicitar melhor essa "luta pelo reconhecimento" de Honneth.