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sábado, 25 de maio de 2013

Considerações sobre as Patologias do Social

Nesta sexta, estive em uma reunião temática coordenada pelo psicanalista C. Dunker. A conversa girou em torno das Patologias do Social, e entre os vários aspectos colocados em discussão, alguns me chamaram a atenção. Vou ordená-los e compartilhar uma síntese do que foi apresentado na reunião.

Sempre estamos nos perguntando acerca de quais são os males da atualidade. E muito já se escreveu sobre isso, seja na Sociologia, seja na Psicanálise. Mas, o que queremos indagar, de fato, com isso? Queremos saber que transformações sociais estão exigindo mudanças nos procedimentos e nas teorias psicanalíticas. Sim, todo sintoma apresentado pelo sujeito é social, traz a marca do social e suas contingências. É por isto que não escapamos à pergunta acerca de quais são os males da atualidade.

Mas, um pano de fundo comum, e que ultrapassa qualquer época, é a questão do "reconhecimento", um processo que implica o sujeito na relação consigo e com o outro, e fonte de patologias as mais diversas. Eu me reconheço? Sou reconhecido pelo outro? São perguntas-chave em qualquer clínica, e transbordam  nos diversos ambientes do social. Trata-se de uma queixa geral. De fato, quando não há o reconhecimento surge a patologia.

A Teoria Social Crítica (Escola de Frankfurt) tem se caracterizado, principalmente nos tempos atuais, com Axel Honneth, por pensar bastante sobre este assunto, mas a psicanálise, com o conceito de "conflito", sempre fez do reconhecimento um alicerce para toda sua teoria. Basta lembrarmos dos primeiros movimentos de Pinel, ainda no início do século XIX, no reconhecimento dos "doentes mentais" como "humanos", e não mais como "animais" ou "possuídos". Foi um momento em que, através do conceito de "alienação" (bem mais fortemente formulado por Hegel na sua filosofia do espírito) se percebeu que o sujeito estava alienado de si mesmo, mas podia ser reencontrado em sua humanidade. Este movimento foi fundamental para tirar a saúde mental do campo alienante da religião ou do "não-humano". O que havia ali, no "doente mental" era um processo de alienação, e que poderia ser atacado.

Não à toa, o que se faz na clínica psicanalítica, na quase totalidade das vezes, é desalienar o sujeito. Esse é o "feijão-com-arroz" do tratamento. Ou seja, descobrir exatamente o que não está sendo reconhecido pelo sujeito naquilo que ele imagina vir de "fora", como um "estrangeiro em si mesmo".

Lacan, por exemplo, com o "estágio do espelho" (onde, muito cedo, enquanto bebês, temos a oportunidade de um reconhecimento de nossa própria imagem) ofereceu uma espécie de ponto de origem para uma "patologia universal", que explicaria o problemas oriundos do "não-reconhecimento". Ou seja, desse processo bem inicial demonstrado no "estágio do espelho", se algo falhasse, poderiam advir problemas psíquicos sérios. Trata-se de um modelo um pouco distinto do modelo geral oferecido por Freud quando falava da relação, primordialmente, de um sujeito com o objeto.

Mas, voltando à questão do "social", foi dito que todo sintoma é social, e que a partir dele se enxerga todo o social, o cultural, em seus diversos aspectos. O que ocorre, então, nessa relação entre o indivíduo e o social? Cada um de nós realiza um processo de "individualização" do social, ou seja, o internalizamos de uma forma específica e, com isso, geramos patologias e sintomas específicos. Isso vai implicar, necessariamente, em uma "modulação" individual da dor, do sofrimento, sempre mediada pelo social. O tamanho de nossa dor, em grande parte, é mediado pelo social (1). Ou seja, sofremos de modo muito específico, por isso, cada tratamento é muito específico. A dor nunca é a mesma para duas pessoas.

Mas, é bom lembrar que, quando falamos em "social", não estamos falando de um todo bem ordenado que parece "conspirar" contra o indivíduo, mas de "movimentos" que se atravessam de forma bastante complexa, envolvendo a política, a cultura, a economia etc. É a estes movimentos que reagimos de formas distintas.

Dessa forma, cada conjuntura, cada "social", tem a sua "gramática" (termo muito utilizado pela Escola de Frankfurt) específica que auxilia, em muito, a se entender os sofrimentos específicos que estão em maior evidência. E aqui surge uma questão interessante. Quem já não percebeu que determinados transtornos parecem "entrar" e "sair da moda" periodicamente? O que isto significa?

É fato que dependendo de como o ambiente social esteja "arranjado" ele estimula, a despeito de nossa internalização individual e muito específica, determinadas patologias. Por exemplo, na época de Freud, todo o conjunto de restrições sexuais do ambiente europeu facilitavam a expansão da histeria feminina. E, é seguindo esta lógica que hoje podemos assistir a uma "explosão" de casos narcísicos.

Por outro lado, e aí já seguindo a "pressões", especialmente, da farmacologia, surgem os "transtornos da moda" (termo que eu utilizo). Isso é perigoso, pois estão envolvidos aí não somente problemas em um diagnóstico "relaxado", como um excesso de medicalização. Um exemplo é o caso da tristeza, sempre confundida com a depressão e rapidamente medicalizada, causando mais problemas ao sujeito. São esses "transtornos da moda" que precisam ser sempre desmascarados. O que não quer dizer, entretanto, que a influência do social seja pequena. 

Falei que a questão do "reconhecimento" foi colocada, por C. Dunker, como um imenso "pano de fundo" para patologias de toda ordem na atualidade, e desde sempre. Lacan, por exemplo, falava do "declínio do pai" como uma alteração social muito importante e que teria reflexos fortíssimos na psique do indivíduo. De que forma? Quando falamos de "declínio do pai" falamos de uma "perda de autoridade", da "função paterna", da "lei". Trago um exemplo. Não à toa uma das palavras mais utilizadas, hoje em dia, para nos referirmos aos problemas sociais, é a "impunidade", palavra que traduz a ausência de limites e de sua correlata punição. E isso em qualquer ambiente do social.

Mas, o que significou, de fato, esse "declínio do pai"? Significou a perda de uma "instância mediadora" de minhas relações sociais. Ou seja, se reconheço meus limites, estou um passo à frente para construir bons laços sociais. Então, diante desta ausência ou declínio do "pai" (pai, professor, lei, modelos identificatórios etc.), cada um passou a construir seu "pai próprio" advindo daí sintomas patológicos os mais diversos.

De alguma forma, esta questão está inserida nas "neuroses narcísicas", e, presos à neuroses narcísicas dificilmente obtemos o reconhecimento. Mas, então, o que oferecer aos pacientes na clínica? A desalienação. Mas, como? Ora, um paciente sofre porque possui um desejo que não está sendo reconhecido por ele. O fundamental é que a clínica possa produzir atos de linguagem (uso da palavra) com o paciente, visando este reconhecimento, a simbolização, a maneira como ele percebe as coisas que lhe estão afligindo.

Não está prevista aí a "cura" completa do paciente, afinal, o social está repleto de forma alienantes e, por vezes, se um tipo de alienação é atacada outras podem surgir. A desalienação, portanto, nunca é completa, mas consegue-se, independente disto, atenuar ou mesmo eliminar diversas formas de sofrimento. Eliminar o sofrimento de uma forma total? Jamais! Senão não seríamos "humanos". O que fazemos, portanto, é recuperar "fragmentos" de uma liberdade perdida pelo não-reconhecimento de um desejo que traz, agora, sofrimento.

Por fim, se quiséssemos "enquadrar" as patologias em duas grandes famílias estruturais de sintomas, teríamos: Primeiro, aquele grupo de indivíduos que sofre por se sentir "obrigado a algo". É o "tenho que..." que impõe situações que são internalizadas como "obrigações" irrefutáveis. Segundo, aquele grupo de indivíduos que sofre por não se permitir "poder fazer algo". É o "não posso..." que impõe situações que são internalizadas como "proibições" inquestionáveis.

São, portanto, duas grandes ordens de sintomas, às quais devem corresponder duas liberdades a serem oferecidas através do vínculo com o psicanalista.

Espero ter sido fiel aos pensamentos debatidos por C. Dunker. E vamos conversando...!

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(1) neste momento da reunião lembrei-me imediatamente de uma situação que vivi em família. meu filho, por volta dos dois anos, aproximadamente, já estava dando sinais de querer "ultrapassar" os limites de seu berço. Certa noite, antes de dormirmos, ouvimos um barulho "diferente" vindo do quarto dele. Fui o primeiro a dar um pulo da cama e ao abri a porta do quarto dele o vi sentado no chão. Ele estava em silêncio e me olhou diretamente nos olhos. Sorri para ele e ele esboçou um sorriso. Instantes depois, questão de segundos, entra minha esposa no quarto, e fica aflita quando o vê no chão. E dispara um "tadinho!" e rapidamente o pega no colo. Não deu outra. Ele caiu em prantos. Hoje, olhando em retrospectiva, vejo o quanto ele foi atravessado pelo "social" (pai e mãe), quase simultaneamente, e reagiu de formas distintas. Com tanta manha e carinho foi difícil fazer pará-lo de chorar...rsrs!