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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A verdade liberta?

Uns dizem que "a verdade liberta", outros que "a verdade dói", outros ainda que, "mais cedo ou mais tarde a verdade se impõe". Enfim, o fato é que a "verdade" é daqueles temas onde não se chega a um termo final. O que me parece muito claro é que, não é, propriamente, uma missão nossa, um destino nosso, buscar a verdade. Não que estejamos imersos em mentiras mas, como abrir mão de nossas fantasias? Como abrir mão das expectativas criadas em torno de algo que sabemos irrealizável? E mesmo quando buscamos a verdade, não fazemos isso tão facilmente, pois geralmente estamos coagidos ou pressionados para tal. Na realidade, buscar a "verdade" é praticamente um ato sobre-humano ou não-humano. A ciência? A religião? Bem, até que a ciência e a religião têm essa pretensão, mas não chegam tão longe assim. Ainda são como que "ilusões", que nos afagam e consolam.

Mas, estamos falando de um processo impossível? Acredito que não. Desde que essa "verdade" seja a nossa verdade. Aquilo que nos diz respeito mais intimamente, aquilo que fala de "eu mesmo". Não aquilo que me define (também acho muito complicado esse conceito), mas aquilo que me permite ser "eu mesmo" hoje. Essa busca sim, podemos fazer e será sempre vasta em descobertas. Mas, o que nos levaria a buscar essa "verdade" de "eu mesmo"?

A tragédia de Édipo tem algo a nos dizer sobre essa motivação. Há algum tempo estive no Teatro Eva Herz, na livraria Cultura, e assisti à peça "Édipo" na versão de Elias Andreato. Foi aí que percebi esta nuance que sempre me aparecia em um plano secundário. Édipo é daquelas tragédias mais conhecidas e, para a psicanálise, Freud praticamente a imortalizou e popularizou no seu famoso "complexo". Sabemos de seu crime, de sua maldição, de seu atentado contra a própria visão, de seu exílio, enfim, de seu martírio. Mas, fica sempre uma dúvida: Por que ele teria caminhado em direção a esse trágico desfecho de forma tão intensa e, convenhamos, de forma voluntária? Édipo buscava a verdade... sobre si mesmo!
 
E a buscou de forma incessante, ainda que para seu próprio sofrimento. Guiado por um forte código moral, ele buscou a resolução de um crime, sem saber que era o próprio autor. Mas, o interessante é que à medida que os indícios foram se tornando mais intrigantes e aproximando-se dele, ainda assim, mais ele insistiu na busca. Seu desejo em conhecer a verdade, então, teria algo de libertador para si mesmo? Para Édipo, essa busca, por pior que fosse, e por mais sacrifícios que impusesse, seria mais reconfortante que a insegurança que experimentava diante de tantas dúvidas. Ao final, a revelação da verdade, ainda que trágica, lhe trouxe algum conforto. Perdeu o poder, perdeu tudo o que tinha, ficou cego, vagou sem destino, mas teve a chance de encontrar-se consigo mesmo e, enfim, entender o que lhe havia acontecido. Ora, como toda boa "tragédia", Édipo nos coloca frente à nossa própria "insegurança", traço marcante da condição humana. Era contra a "insegurança", de não saber "quem era", que Édipo buscou a verdade. 

E hoje? Bem, essa mesma "insegurança", nos dias atuais, é combatida pela ideia de fácil conquista da felicidade e do sucesso. Somos coagidos a isso a todo instante. Claro que nosso mundo atual parece mais luminoso, colorido, diverso, repleto de oportunidades e prazeres. Muita aparência, entretanto. E tanta luminosidade acaba por causar alguma cegueira, o que, por sua vez, só potencializa a mesma insegurança. Ao contrário de Édipo! Acho que não é difícil concordarem que vivemos uma época de forte insegurança, principalmente emocional.

Nosso mundo atual, então, é um mundo de aparências, de imagens, repleto de nuances, nos perdemos em seu colorido e em sua luminosidade. E, na imensa maioria das vezes, preferimos isso a lidar com nossos limites e com o que nos assusta. Bem, não estou aqui para julgar ninguém, mas resta saber se podemos, de fato, encontrar algo da felicidade ocultando nossa insegurança, e por quanto tempo. Não precisamos chegar ao destino de Édipo, mas não podemos virar os olhos à nossos medos e fraquezas. Não dá para virar os olhos por muito tempo. Existe, então, algo de libertador aí, e que pode ser buscado, para nossa própria paz.  (José Henrique P. e Silva)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Édipo e a busca pela verdade

Há algum tempo assisti no Teatro Eva Herz (Liv. Cultura) a peça Édipo, com direção de Elias Andreato. É a terceira ou quarta versão que tenho a oportunidade de ver no teatro. Como toda "tragédia" nos revela, acima de tudo, a "insegurança" como traço marcante de nossa condição humana.
 
Mas, se pensarmos que na atualidade se "vende" a felicidade e o sucesso como algo muito simples de ser conquistado, se torna muito difícil pensarmos em nossas inseguranças. Mas, quanto maior a crença de que "podemos tudo", mais frágil o solo que se estende sob nossos pés. Nosso mundo atual parece mais luminoso, mais colorido, mais diverso, mais repleto de oportunidades e prazeres.
 
Muita aparência, entretanto. Tanta luminosidade só pode mesmo causar tanta cegueira. Imaginamos que é aí que reside nossa segurança e esquecemos de olhar com atenção para nossas limitações. Édipo, por exemplo, buscou a verdade, incessantemente, ainda que para seu próprio sofrimento ao final. Guiado por um código moral, ele busca a resolução de um crime, sem saber que foi o próprio autor. E, à medida que os indícios vão se tornando mais intrigantes e aproximando-se dele, ele mais insiste na busca da verdade. Seu desejo em conhecer a verdade, então, é libertador.
 
Sim, sabemos de seu atentado contra a própria visão, sabemos de seu exílio, sabemos de seu martírio. Mas, por que ele teria caminhado em direção a esse desfecho de forma tão intensa e voluntária? Pela busca da verdade. Quando ao final temos a revelação de que aqueles que são felizes são os que conheceram a dor e o sofrimento podemos entender um pouco melhor.
 
Para Édipo, a busca da verdade, por pior que seja, e por mais sacrifícios que imponha, é muito mais reconfortante que a insegurança que experimentou diante de tantas dúvidas. Ao final, a revelação da verdade, por mais trágica que fosse, lhe trouxe algum conforto. Perdeu o poder, perdeu tudo o que tinha. Mas teve a chance de encontrar-se consigo mesmo. Nosso mundo atual é de aparências, repleto de mentiras, nos perdemos em seu colorido e em sua luminosidade. Preferimos isso, a lidar com nossos limites.
 
Resta saber se podemos, de fato, encontrar a felicidade ocultando nossa insegurança. Não precisamos chegar ao destino de Édipo, mas não podemos virar os olhos à nossos limites e inseguranças.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A questão da fala psicótica: uma errância sem ancoragem

Assisti à peça "A obscena senhora D" (Hilda Hilst), interpretada pela excelente Susan Damasceno. Nela, pode se ver o efeito mais trágico do desamparo diante da figura do pai, evidenciada na sua incompreensão diante das mortes do pai e do marido e, especialmente, na sua dura relação com Deus. Recolhida ao vão da escada para falar das conturbações da condição humana nada mais é que uma metáfora para sua psicotização e abandono desta realidade obscena, que é a vida. Estamos todos morrendo, e continuamos absurdos.

Nada me chama tanto a atenção em interpretações assim como a sua linguagem praticamente ilegível, completamente cifrada, sua fala praticamente hipnótica, que nos força a tentar ver um fundo que praticamente não tem fim. Aquele ponto em que a angústia humana no seu sentido mais denso só começou a revelar-se. Por isso, mesmo incompreensível, ninguém sai da mesma forma, pois em algum momento é capturado por esta fala.

Trata-se exatamente disto, de um texto absolutamente incompreensível. Palavras se sucedem numa velocidade extraordinária. Nenhuma regra é respeitada. Elas são cuspidas na nossa cara com uma força incontrolável. Quando você imagina um instante de calma, elas explodem novamente em gritos ensurdecedores. Esta é a fala psicótica. Errante. Incompreensível.

A Obscena Senhora D retrata bem o fato de que não são poucos os casos de delírios religiosos nos estados psicóticos. Nestas situações, em especial, o discurso está "sustentado" na palavra de Deus, tornando muito difícil encontrar e adentrar em suas "brechas", afinal, diante do surgimento de qualquer brecha no discurso, logo vem seu preenchimento pela palavra divina. Entretanto, apesar de ser um discurso sustentado, é uma mentira.

Um dos aspectos que me chama a atenção e que pode, muito bem, servir para manter esta imagem de uma "discurso sem brechas" é a velocidade com que o sujeito em estado psicótico, nestas situações de delírio religioso, especialmente, fala. Trata-se de uma voz rápida, que dispara palavras quase ao ritmo de uma potente metralhadora. Mas, como vejo esta questão? Este "discurso veloz", esta "velocidade" obscurece as brechas de um discurso, na realidade, mal colado, afinal de contas, à medida que ele diminui a velocidade, as brechas se tornam evidentes e, suas palavras "caem". É a reconstrução deste texto sagrado, seguida de sua quebra, que é fundamental no tratamento do estado psicótico.

Na análise da psicose há algo de radicalmente diferente. Temos que viajar, embarcar em algo que não sabemos bem para onde ir. Mas, não tenhamos dúvida, há uma "movimentação", uma "circulação", ainda que errante. A psicose é o que nos mostra, radicalmente, o "estranho". Por isso, quanto mais nos despirmos de projeções do nosso eu sobre a clínica e o paciente, maior a chance de nos depararmos com esse estranho. É preciso se des-subjetivar ao máximo. Entretanto, não há como pensar na errância na escuta analítica, pois a errância é uma forma de "aprisionamento", ela não permite nenhuma "ancoragem", não faz "lugar" e, então, acaba por não circular. Assim, não podemos falar em "escuta errante" pois não conseguimos, enquanto analistas, nos livrar de nossas neuroses.