Um dos autores que mais gosto, quando se trata de entender o discurso político, é Patrick Charaudeau¹. Ele nos diz, pra início de conversa, que o discurso é um "jogo de máscaras" e que a "máscara" é um símbolo de "dissimulação" que tenta nos oferecer uma determinada "imagem". Não mais que isso. Por isso, não adianta buscar "por baixo" da máscara uma suposta "realidade oculta", uma suposta "verdade". Estamos falando de "imagem" e não de "verdade". É preciso saber diferenciar.
É justamente esta "imagem" que permite a identificação entre a máscara e a pessoa, fazendo surgir uma "personagem". Talvez seja isto mesmo o máximo que possamos saber de alguém. Claro que isso é frustrante para quem busca a verdade e a "verdadeira" personalidade das pessoas. Mas, se formos sensatos e lembrarmos que é a partir de percepções que construímos nossos conceitos sobre as pessoas, aceitaremos este ponto de vista. Não se trata, então, de uma "falsa" pessoa, mas de uma "personagem".
MÁSCARA (Dissimulação, "imagem")
=
PESSOA (Personagem, "ser presente")
Por exemplo, num encontro (momento de troca) onde um enuncia e o outro interpreta e, em seguida, responde, ambos agem em função do que imaginam do outro (imagens). Assim,
... cada um é para o outro apenas uma imagem. Não absolutamente uma imagem falsa, uma aparência enganosa, mas uma imagem que é o próprio ser em sua verdade da troca. Nesse momento, a máscara seria nosso ser presente (...) O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano (p. 8 - prólogo).
Por isso, a principal tarefa quando se trata de estudar o discurso político é, justamente, identificar como se instaura esse jogo de máscaras. E isso vai exigir, identificar o cenário da prática social em que se move o discurso; Identificar o quadro de trocas e, identificar os meios discursivos utilizados para persuasão e sedução.
É partindo deste ponto de vista, do discurso político enquanto um "jogo de máscaras", que Charaudeau nos provoca, perguntando:
... há verdadeiramente, como sustentam alguns, degenerescência do discurso político ou deve-se pensar em uma nova ética do conceito político? (p. 9 - prólogo).
Esta "provocação" é excelente e oportuna pois nos permite, de imediato, escapar ao "moralismo" que tanto contamina as análises sobre a política e, especialmente, a "fala" política. Nos permite escapar da ideia de buscar um suposto discurso político "sincero", "verdadeiro" e "transparente", ou, de outra forma, não cair na vala comum dos que desacreditam em qualqeur discurso político. Talvez o mais sensato seja mesmo pensar em "modalidades" de discurso.
Então, estamos falando de um discurso que possui uma imagem que representa uma personagem. Mas, esse discurso tem eficácia? E se tem, como avaliá-la?
Quando falamos do Discurso Político estamos falando da "Palavra Política", uma palavra que está inscrita em uma prática social, ou seja, que circula em um espaço público de trocas e que tem sempre algo a ver com as relações de poder, e que exige a observação de três princípios que dizem respeito ao "outro": Princípio da Alteridade (o "outro" deve ser reconhecido); Princípio da Influência (o "outro" é trazido para o raio de influência); Princípio da Regulação (o "outro" não é passivo, ele fala e age, então existe uma "relação" que precisa ser gerenciada).
É fundamental, então, que o "outro" se reconheça no discurso, se convença em seu pensamento e se sinta sujeito da fala do político. É neste contexto, em que o outro reconhece-se e é reconhecido, que a troca ocorre com maior eficácia, pois há a criação e reforço do "vínculo".
Tudo isto implica que o estudo da "palavra" não é, necessariamente, o estudo da "ação" , das "instâncias" (partes interessadas na ação) ou dos "valores" (em nome dos quais as ações são realizadas), embora a palavra permeie todos estes setores, conforme abaixo:
- É a ação política que organiza e determina a vida social. Mas, para que as decisões e ações sejam coletivas é preciso haver "entendimento" quanto ao projeto e quanto ao objetivo comum. Isso exige transparência e comunicação em espaços de discussão (públicos, por exemplo);
- A instância "cidadã" leva ao poder a instância "política" para que este realize o "desejável", mas esta só consegue realizar o "possível", daí a dificuldade do exercício político;
... isso faz com que ao espaço de discussão que determina os valores responda um espaço de persuasão no qual a instância política, jogando com argumentos da razão e da paixão, tenta fazer a instância cidadã aderir à sua ação (p. 18).
- Os valores são as ideias defendidas no espaço de discussão e funcionam como um "terceiro" em torno do qual as pessoas (e o político) se agrupam - é o ideal compartilhado, mas isso não implica a subtração de outras opiniões pois a sociedade é fragmentada. A necessidade de "gerenciar" os conflitos oriundos é de vital importância;
Pode-se concluir, então, que é pela existência dos espaços de discussão e persuasão, lugares de elaboração dos valores dos quais depende a ação, que o campo político surge, antes de mais nada, como o "governo da palavra" (M. Augé, "Pour une anthropologie des mondes contemporains", 1994). Essa concepção nos leva a perceber o debate de ideias, no espaço público, como uma luta discursiva para a conquista da legitimidade.
É nessa relação que se dá o "jogo de máscaras" que é o discurso político em sua troca com a sociedade. E são dois os espaços em que se dá: o espaço "político" (núcleo duro) e o espaço "público", mais amplo, onde três atores se manifestam: políticos, jornalistas e opinião pública.
Encontramo-nos, assim, em um jogo em que todos mudam sob a influência dos outros: a opinião sob a influência das mídias, as mídias sob a influência da política e da opinião, o político sob influência das mídias e da opinião (p. 25).
Não à toa existe uma confusão entre os espaços dos atores.
Tudo isso faz com que as fronteiras entre os diferentes setores de atividade, entre os espaços de decisão, de persuasão e de discussão, e entre espaço público e privado tornem-se mais e mais flúidas (...) O conceito de espaço público seria pouco operatório? O certo é que o espaço público não é homogêneo. Ele é fragmentado em diferentes espaços que se entrecruzam e não respondem às mesmas finalidades. O discurso político circula nesses meandros metamorfoseando-se ao sabor das influências que sofre de cada um deles (p. 31).
É neste espaço confuso que se dão os conflitos entre a política, a mídia e a opinião pública, e é nele que deve ser buscada a luta discursiva (simbólica) por legitimação e poder.
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¹ CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. - São Paulo: Contexto, 2006 © 2005.
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