Mostrando postagens com marcador Reconhecimento. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Reconhecimento. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 15 de abril de 2014

Baixa autoestima coletiva: Quando fazemos para "inglês ver"!

A baixa autoestima não é um problema só do indivíduo, pode ser coletivo. Estava lendo esta matéria (click no link para ler) de  um jornalista dinamarquês sobre a situação de Fortaleza às vésperas da Copa do Mundo e fiquei pensando que geralmente a gente fica indignado quando um estrangeiro vem aqui e fala mal de nossas coisas, afinal "roupa suja se lava em casa" né? Mas talvez o problema é que não lavamos bem a nossa roupa suja e andamos meio que maltrapilhos há muito tempo.


Bem, o fato é que, tendo excessos ou não, o depoimento desse jornalista só retrata bem aquele nosso típico comportamento de "beijar os pés" de estrangeiros (herança de um país colonizado que nunca lutou por sua liberdade e prefere "bajular" para obter reconhecimento e aceitação).

Ou seja, "maquiamos" a cidade, fazemos obras só onde os turistas vão passar, "embelezamos" pontos turísticos, "higienizamos" (retiramos das ruas) os mendigos, "combatemos" a violência com o Exército nas ruas...enfim...coisas de um país ainda muito infantilizado quando se trata de cidadania. Precisamos pensar sobre isto. Não adianta muito só termos autoestima quando estamos disputando uma copa do mundo...é muito pouco para um país e um povo serem respeitados. Essa frase do jornalista diz muito: 
"...Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar...".
(José Henrique P. e Silva)

P.S. Foi divulgado que a matéria é falsa. Ok, muito normal em se tratando do facebook. Mas, mesmo sendo absolutamente falsa, nada invalida os argumentos acima. Ou estou falando de algo tão estranho assim?

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Pierre Bourdieu (Dossiê - Revista Cult 166/2012)

Impossível não registrar algo acerca do dossiê preparado pela Revista Cult (n. 166, março 2012) para relembrar alguns conceitos de Pierre Bourdieu neste momento de 10 anos de sua morte (1930-2002). Uma justa homenagem a um dos maiores intelectuais do século XX, principalmente num momento em que, como diz Daysi Bregantini (editora da Cult),
nossos poucos intelectuais públicos são desmotivados, assim como nossos bons criadores. A economia vive um momento inédito de crescimento, mas não é representada na produção cultural, que está desbotada e sem vigor. O jornalismo cultural, com poucas exceções, está quase desmoralizado e a reboque da indústria do entretenimento. Por que nos conformamos?
Bourdieu é aquele intelectual ao qual podemos atribuir duas grandes características: é "engajado" (segue a tradição francesa de participar ativamente de movimentos sociais, integrando a teoria com a prática) e é "total" (sua obra cobre uma gama extremamente variada de problemas, domínios e dimensões da vida social).
 
Sua produção é vasta e, recentemente, foi publicado na França o livro "Sobre o Estado", produto de um curso oral entre 1989 e 1992 onde discutiu o papel do Estado e do indivíduo na sociedade. Segundo Franck Poupeau, ali Bourdieu constrói um modelo de gênese do Estado, pensado no cruzamento da História, da Sociologia e da Filosofia Política, com referências ao contexto francês da época, quando da desconstrução dos serviços públicos, das políticas sociais e da própria ideia de "público".
 
O termo que usava era o do "abandono do Estado", imaginando que o neoliberalismo estaria esvaziando completamente o Estado de suas funções. Nesse aspecto talvez tivesse se surpreendido, hoje em dia, com a sobrevivência de inúmeras funções e, talvez, optasse por falar em "transformação" do Estado e suas funções. Mas, é esperar pra ver, com calma, como tratou esta questão do Estado num momento decisivo de seu questionamento.
 
Entretanto, apesar de ser um dos autores mais citados no mundo (e "descoberta" no mundo inglês), sua obra vem sendo muito atacada pelos sociólogos franceses. Para Bernard Lahire, um de seus  herdeiros, estaria ocorrendo um processo de "desqualificação" (muito típico nas Ciências Sociais) que obedeceria à lógica da moda*, onde não há espaço para argumentações e evidências empíricas, somente para o "novo" e o "ultrapassado".
 
O que existiria por trás disso, então, seria uma recusa de uma sociologia subjetiva, apegada aos estudos da dominação e da desigualdade, dos determinismos sociais. Predomina, na atualidade, uma sociologia consensual, ausente de relações de dominação.
 
Vê-se aí reflexos da ideologia consumista onde os intelectuais estariam se comportando como crianças que, em busca de reconhecimento por parte do poder, estariam se tornando dóceis e se recusando a denunciar as violências. Um comportamento que tira das Ciências Sociais qualquer possibilidade de se tornar um contrapoder.
 
É neste contexto que Geoffroy de Lagasnerie critica a relação de muitos intelectuais (como Alain Badiou) com a mídia, também expressão dessa busca frenética por um tipo de reconhecimento similar à das celebridades.
 
Para ele, tais autores estariam se tornando ensaistas de segunda linha e produzindo subpesquisas, fazendo praticamente desaparecer o debate intelectual. Entretanto, o autor não demoniza a mídia e vê que Bourdieu, por sua vez, não soube avaliar com clareza o papel da mídia, perdendo-se, junto a outros importantes teóricos, numa feroz crítica aos jornais e suplementos culturais. Havia um receio de se perder o "monopólio" do discurso acadêmico?
 
Não há como negar o importante papel destes outros espaços como "críticos" das práticas acadêmicas, papel importante para se atenuar as chamas "imposturas" acadêmicas (similares às imposturas midiáticas). A crítica feroz, portanto, mais parecia uma tentativa de salvaguardar de críticas o espaço acadêmico, contribuindo para isolá-lo cada vez mais da sociedade, fechando-o em si mesmo.
Quando refletimos sobre o jornalismo, insistimos com frequência na censura que exerce. Mas a contribuição essencial do jornalismo reside no fato de que se trata de uma instância exterior à universidade. Ele representa um espaço de acolhimento para as obras, os autores e questionamentos em ruptura com as normas científicas (p. 39).
Outra publicação de Bourdieu, que deve ser lançada ainda este ano no Brasil, é "Os Herdeiros". Segundo sua tradutora, Ione Ribeiro Valle (UFSC), o livro inspira-se na tradição weberiana de não considerar a relação de dominação como exclusivamente econômica, embora sustente (como o marxismo) a ideia de divisão da sociedade entre dominantes e dominados.
 
No livro, Bourdieu rompe com a "ingenuidade" da ideologia da igualdade de oportunidades assentada na ideia de uma escola que alcance a todos. Independente de qualquer coisa, a escola ainda tem a função de legitimadora das desigualdades, mais do que um instrumento de mobilidade social. Para Bourdieu, a cultura de elite ainda predomina e seria necessário uma socialização diversa daquela preconizada pela escola (**). Vejamos, em síntese, alguns dos principais conceitos de Bourdieu:
 
1) Capital Cultural - Conjunto de qualificações intelectuais produzidas pela escola ou transmitidas pela família. Pode ser "incorporado" (como a facilidade de expressão), "objetivo" (como livros) ou "institucionalizado" (como títulos escolares). É uma propriedade que se tornou parte integrante da pessoa através da aprendizagem e aculturação, e fortemente relacionado ao capital econômico do indivíduo;
 
2) Capital Econômico - Conjunto de recursos patrimoniais e de rendas ligados ao capital ou a um exercício profissional assalariado ou não assalariado;
 
3) Contato Social - Conjunto de contatos, relações, amizades, obrigações, relações socialmente úteis que podem ser mobilizadas ao longo da trajetória profissional ou pessoal do indivíduo. É uma variável que confere maior ou menor "espessura" social, poder de ação e reação. "A rede de relações é o produto de estratégias de investimento social", consciente ou não, a fim de criar, manter, reforçar, reativar ligações das quais pode esperar retirar "lucros materiais ou simbólicos";
 
4) Campo -Espaço social estruturado e conflitual no qual os agentes sociais ocupam uma posição definida pelo volume e pela estrutura do capital eficiente no campo, agindo segundo suas posições nesse campo. Cada campo - um "campo de força" de agentes e instituições em luta - é dotado de regras de funcionamento e de agentes investidos de hábitos específicos (campo universitário, jornalístico, literário, jurídico, econômico etc). São campos autônomos que resultam da diferenciação do mundo social e dos modos de conhecimento do mundo. Assim, cada campo tem um ponto de vista fundamental sobre o mundo e cria, portanto, seu objeto próprio;
 
5) Distinção - Corresponde a uma estratégia de diferenciação que está no âmago da vida social. É uma propriedade que marca um desvio, uma diferença em relação a outros e que funda uma hierarquia entre indivíduos e grupos;
 
6) Capital Simbólico - Conjunto de rituais (como a etiqueta e o protocolo) ligados à honra e ao reconhecimento. É o crédito e a autoridade que conferem a um agente o reconhecimento e a posse das três outras formas de capital (econômico, cultural e social). Ele é produto da "transfiguração de uma relação de força em relação de sentido", designando o efeito de violência imaterial das outras formas de capital sobre a consciência. Um exemplo típico das transmutações das outras espécies de capital em efeitos simbólicos é o "grande nome" (de uma "grande família"), que condensa todas as propriedades materiais e imateriais acumuladas e herdadas. A compreensão da lógica dos efeitos simbólicos de posições e de recursos advém de uma economia dos bens simbólicos;
 
7) Espaço Social -~Representação multidimensional e relacional da estrutura da sociedade de acordo com o volume e a estrutura do capital em posse das diferentes classes sociais em conflito. É aqui que se encontra a verdadeira lógica da dinâmica social, pois a sociedade não é mais que um espaço de distribuição, ou seja, um vasto conjunto de posições hierarquizadas através de múltiplas dimensões, recortado por tensões e dominações, definido pela exclusão mútua, ou distinção, das posições que o constituem;
 
8) Habitus - Talvez seja o conceito central em Bourdieu. É um sistema de disposições duráveis e transponíveis, que podem gerar práticas em outras esferas no curso do processo de socialização. São potencialidades objetivas que têm a tendência a se atualizar e a operar nas práticas e representações que elas moldam de forma duradoura. Embora Bourdieu negue um determinismo social rígido (pois há uma margem de manobra para o "jogo" e a improvisação) o habitus seria sempre produto do condicionamento histórico e social. Ele não pode ser revertido com uma mera tomada de consciência, pois está profundamente inscrito, internalizado, nos corpos, gestos e posturas, mas nem sempre percebido e muito menos entendido racionalmente.
 
9) Hysteresis - É estar atrasado, defasado, em descompasso.
 
10) Violência Simbólica - É a violência não percebida, obtida por um trabalho de inculcação da legitimidade dos dominantes sobre os dominados e que assegura a permanência da dominação e da reprodução social. Um exemplo é a transmissão da cultura escolar;
O dossiê elaborado pela revista ainda tráz uma série de revelações da trajetória de Sérgio Miceli, para muitos o maior divulgador de Bourdieu no Brasil. No texto se percebe o fascínio e o caminho percorrido por Miceli no encontro com as ideias de Bourdieu, sua forte preocupação com as questões culturais e o pouco espaço encontrado nas universidades brasileiras dos anos 70, que se concentravam demasiadamente em Marx e em O Capital. Era uma época de "má vontade" da Sociologia com a cultura.
 
Para Miceli, enquanto o marxismo tratava a cultura de forma reducionista, o trabalho de Bourdieu era mais complexo e fascinante. Ele trazia uma nova leitura, menos dogmática e mais simbólica. Era, segundo muitos, a consolidação daquilo que os frankfurtianos iniciaram: uma análise central da cultura. Trata-se de um belo texto, revelador de uma época. Assim como Bourdieu pode ser muito revelador para a época atual.
 
____________
 
(*) interessante como a Universidade e, em especial o competitivo campo das Ciências Sociais, se utilize justamente daquilo que mais critica: a descartabilidade. Na ânsia por um "lugar" na história se patrocina, seguidamente, o "enterro" de teorias e metodologias (e seus representantes) para dar lugar às novidades. Ora, o que mais isso é além da "lógica da moda"?
(**) um bom terreno para se avaliar esta questão é o Brasil atual com sua migração social e o papel da escolaridade nesse processo como um todo. se pode tentar observar como o "desprezo" pela educação pode, de um lado, continuar servido a uma reproduzção cultural elitista, mas, também, a uma outra socialização, que menospreza qualquer valor oriundo da cultura escolar e acadêmica.

A Demanda por "Reconhecimento" (Teoria Crítica e Psicanálise)

Certamente são muitas as demandas atuais da clínica psicanalítica e, em boa parte dos casos, é possível construir uma "ponte" entre a queixa individual e as questões sociais nas quais este indivíduo está colocado. Não é um exercício muito simples, mas considero necessário, até para vermos o que "é" do sujeito e o que "é" do social, sem nenhuma pretensão, é claro, que sejam esferas autônomas.
 
Uma destas demandas que a clínica psicanalítica mostra é a que vou chamar "Demanda por Reconhecimento", na qual existe uma luta do sujeito para emancipar-se através da (re)construção de sua identidade. Isto fica muito claro em inúmeros discursos que chegam à clínica psicanalítica. E é sobre ela que gostaria de fazer alguns comentários.
 
A "ponte" com o social pode ser feita através da Teoria Crítica (TC). O que é a Teoria Crítica? Em um rápido retrospecto, com o total auxílio da "apresentação" feita pelo professor Marcos Nobre, ao livro "Luta por Reconhecimento", de Axel Honneth, podemos dizer que, em 1924, foi fundado junto à Universidade de Frankfurt, na Alemanha, o Instituto de Pesquisa Social. Horkheimer assumiu sua direção em 1930 e propôs um programa interdisciplinar cuja referência teórica era o marxismo.
 
Nascia a TC que tanto influenciou o debate contemporâneo após a II Guerra. Buscava-se descrever o funcionamento da sociedade e, mais, compreendê-la criticamente à luz de uma possível emancipação. Esta entretanto, apresentava-se como "bloqueada" pela própria lógica da organização social.
 
A partir dos anos 40 Horkheimer e Adorno vão se distanciando dos diagnósticos e soluções marxistas e passam a dar a estas uma nova versão intelectual. Atualmente, Axel Honneth é um dos mais fortes expoentes da TC. Assim como Habermas, posicionou-se sempre em contraste com seus antecessores e apresentou sua teoria como solução para, justamente, os impasses detectados nas teorias anteriores - é essa postura de crítica interna da TC que me fascina metodologicamente, pois me parece muito mais científica e honesta do que ficar simplesmente, reproduzindo dogmas que, muitas vezes, já não explicam a realidade. Sua postura foi de procurar encontrar nos escritos de seus antecessores pistas e traços de um rumo teórico que não havia sido trilhado e que poderia ter evitado as dificuldades. Como diz o prof. Marcos Nobre:
Esses elementos negligenciados podem dar novo rumo à teoria social crítica,agora ancorada no processo de construção social da identidade (pessoal e coletiva) e que possa ter como sua gramática o processo da "luta" pela construção da identidade, entendida como uma "luta pelo reconhecimento" (p. 11, apresentação).
Mas, em que aspectos Honneth estaria confrontando Habermas e oferecendo novas respostas? Habermas havia, por sua vez, procurado criticar o diagnóstico de Horkheimer e Adorno em seu clássico "A Dialética do Esclarecimento" onde investigavam a "razão" humana e concluíam que a racionalidade "instrumental" era a forma estruturante e "única" da racionalidade social apresentada pelo "capitalismo administrado" que podiam observar à época.
 
Mas, aqui existiria uma "aporia" (um impasse), pois se a razão instrumental é a única no sistema e bloqueia toda e qualquer emancipação, como criticá-la? Para Habermas, insistir nessa aporia seria colocar em risco o próprio projeto da TC. É a partir daí que Habermas vai propor novo diagnóstico e recuperar a capacidade crítica da teoria. Aspectos decisivos das relações lhe pareciam estar sendo ignorados.
Ele pensou, então, em um novo conceito de "racionalidade". Habermas partiu do pressuposto que a racionalidade instrumental não deveria ser "demonizada", mas que deveria ter "freios", daí vir com o conceito de "racionalidade de dupla face", onde a "instrumental" convive coma "comunicativa".
 
A "instrumental" é uma racionalidade orientada para o "êxito",o que possibilita a reprodução material da sociedade. A "comunicativa", por sua vez, é orientada para o "entendimento", que possibilita a reprodução simbólica da sociedade. Uma, então, responde ao "sistema", outra ao "mundo da vida", das relações sociais.
Trata-se de apontar ara uma racionalidade cujo padrão não é o absoluto hegeliano ou do sujeito característico da "filosofia da práxis" sem, com isso, dar adeus à modernidade e seu projeto. Trata-se de mostrar que há vertentes do projeto, moderno que não foram levadas adiante (p. 14, apresentação).
A aporia, portanto, é um impasse, mas não uma impossibilidade, possui alternativas. A conjuntura de Habermas era distinta. Com o capitalismo sendo regulado pelo Estado, concluiu que aquelas tendências que poderiam levar à emancipação tinham sido neutralizadas (o colapso interno do sistema, e a organização do proletariado).
 
Algo disso já estava em Horkheimer e Adorno, mas Habermas não conclui que a emancipação estava definitivamente bloqueada, afinal, às tentativas de colonização do mundo da vida pelo sistema, estruturas da ação comunicativa iriam se opor.
 
Mas, para Honneth, faltava enfrentar o problema por inteiro. Tanto em "Dialética do Esclarecimento" quanto em "Teoria da Ação Comunicativa" (Habermas), haveria um déficit sociológico. Um exemplo está na própria distinção dual entre sistema e mundo da vida, muito mecânica, e não permeada pelo "conflito social".
 
Com isso, Habermas não conseguiu pensar o próprio sistema e sua lógica instrumental como resultados de permanentes conflitos sociais, capazes de moldá-lo de acordo com a correlação de forças políticas e sociais. O conflito é abstraído da teoria. Mas, se a base da interação é o conflito, sua gramática, segundo Honneth, seria a luta por reconhecimento.
 
O que Honneth faz, então, é o sentido inverso: partindo dos conflitos vai em busca das lógicas da sociedade. Não se interessa, entretanto, primeiramente, pelos conflitos pelo aumento de poder, mas...
interessam-lhe aqueles conflitos que se originam de uma experiência de desrespeito social, de um ataque à identidade pessoal ou coletiva, capaz de suscitar uma ação que busque restaurar relações de reconhecimento mútuo ou  justamente desenvolvê-las num nível evolutivo superior. Por nisso, para Honneth, é possível ver nas diversas lutas por reconhecimento uma força moral que impulsiona desenvolvimentos sociais (p. 18, apresentação).
Isso lhe vai exigir a análise do indivíduo a partir de 3 dimensões:
  • A esfera emotiva que permite ao indivíduo a confiança em si mesmo;
  • A esfera jurídico-moral em que o indivíduo é reconhecido como autônomo;
  • A esfera da estima social em que seus projetos de autorrealização pessoal são objetos de respeito solidário;
O que vemos, então, até aqui, é a recuperação que Honneth faz, no interior da TC, da ideia e do valor do "conflito social" (com sua gramática vinculada à luta pelo reconhecimento) para explicar a dinâmica da sociedade. Algo similar, um conflito de tal ordem, sem dúvida, ocorre na esfera psíquica. É esta gramática que inunda os conflitos sociais atuais e, a clínica psicanalítica.
 
O que podemos dizer, então, é que o indivíduo enfrenta uma dura batalha psicossocial em busca de reconhecimento, tanto de si mesmo, quanto social. Hoje, vivendo a sociedade que define a todos pelo "sucesso", o indivíduo, evidentemente, não encontra o seu lugar, o espaço necessário de reconhecimento em que possa atuar. Nos defrontamos, a todo instante, com a ameaça, ou com o próprio "fracasso", e isso destrói um pouco mais nossa própria confiança.
 
É nesta riquíssima interação entre o psíquico e o social, mediada, justamente, pelas relações emocionais e sociais, que encontramos a oportunidade, ou não, de nosso auto reconhecimento, base para que esse respeito seja solidário.
 
É aí que se constrói a ponte entre a "clínica" e o "social", entre o indivíduo e a sociedade. se não nos situarmos nessa metafórica ponte dificilmente poderemos enxergar o indivíduo em sua totalidade. Se é que isto é possível.
 
É no real, no social, que o psíquico transborda. E é neste terreno, absolutamente pantanoso, movediço, que temos que atuar para entender e auxiliar nessa reconstrução identitária. Só não podemos esquecer que também vivemos por sobre este mesmo terreno.
 
Em outros posts tentarei explicitar melhor essa "luta pelo reconhecimento" de Honneth.

sábado, 25 de maio de 2013

Considerações sobre as Patologias do Social

Nesta sexta, estive em uma reunião temática coordenada pelo psicanalista C. Dunker. A conversa girou em torno das Patologias do Social, e entre os vários aspectos colocados em discussão, alguns me chamaram a atenção. Vou ordená-los e compartilhar uma síntese do que foi apresentado na reunião.

Sempre estamos nos perguntando acerca de quais são os males da atualidade. E muito já se escreveu sobre isso, seja na Sociologia, seja na Psicanálise. Mas, o que queremos indagar, de fato, com isso? Queremos saber que transformações sociais estão exigindo mudanças nos procedimentos e nas teorias psicanalíticas. Sim, todo sintoma apresentado pelo sujeito é social, traz a marca do social e suas contingências. É por isto que não escapamos à pergunta acerca de quais são os males da atualidade.

Mas, um pano de fundo comum, e que ultrapassa qualquer época, é a questão do "reconhecimento", um processo que implica o sujeito na relação consigo e com o outro, e fonte de patologias as mais diversas. Eu me reconheço? Sou reconhecido pelo outro? São perguntas-chave em qualquer clínica, e transbordam  nos diversos ambientes do social. Trata-se de uma queixa geral. De fato, quando não há o reconhecimento surge a patologia.

A Teoria Social Crítica (Escola de Frankfurt) tem se caracterizado, principalmente nos tempos atuais, com Axel Honneth, por pensar bastante sobre este assunto, mas a psicanálise, com o conceito de "conflito", sempre fez do reconhecimento um alicerce para toda sua teoria. Basta lembrarmos dos primeiros movimentos de Pinel, ainda no início do século XIX, no reconhecimento dos "doentes mentais" como "humanos", e não mais como "animais" ou "possuídos". Foi um momento em que, através do conceito de "alienação" (bem mais fortemente formulado por Hegel na sua filosofia do espírito) se percebeu que o sujeito estava alienado de si mesmo, mas podia ser reencontrado em sua humanidade. Este movimento foi fundamental para tirar a saúde mental do campo alienante da religião ou do "não-humano". O que havia ali, no "doente mental" era um processo de alienação, e que poderia ser atacado.

Não à toa, o que se faz na clínica psicanalítica, na quase totalidade das vezes, é desalienar o sujeito. Esse é o "feijão-com-arroz" do tratamento. Ou seja, descobrir exatamente o que não está sendo reconhecido pelo sujeito naquilo que ele imagina vir de "fora", como um "estrangeiro em si mesmo".

Lacan, por exemplo, com o "estágio do espelho" (onde, muito cedo, enquanto bebês, temos a oportunidade de um reconhecimento de nossa própria imagem) ofereceu uma espécie de ponto de origem para uma "patologia universal", que explicaria o problemas oriundos do "não-reconhecimento". Ou seja, desse processo bem inicial demonstrado no "estágio do espelho", se algo falhasse, poderiam advir problemas psíquicos sérios. Trata-se de um modelo um pouco distinto do modelo geral oferecido por Freud quando falava da relação, primordialmente, de um sujeito com o objeto.

Mas, voltando à questão do "social", foi dito que todo sintoma é social, e que a partir dele se enxerga todo o social, o cultural, em seus diversos aspectos. O que ocorre, então, nessa relação entre o indivíduo e o social? Cada um de nós realiza um processo de "individualização" do social, ou seja, o internalizamos de uma forma específica e, com isso, geramos patologias e sintomas específicos. Isso vai implicar, necessariamente, em uma "modulação" individual da dor, do sofrimento, sempre mediada pelo social. O tamanho de nossa dor, em grande parte, é mediado pelo social (1). Ou seja, sofremos de modo muito específico, por isso, cada tratamento é muito específico. A dor nunca é a mesma para duas pessoas.

Mas, é bom lembrar que, quando falamos em "social", não estamos falando de um todo bem ordenado que parece "conspirar" contra o indivíduo, mas de "movimentos" que se atravessam de forma bastante complexa, envolvendo a política, a cultura, a economia etc. É a estes movimentos que reagimos de formas distintas.

Dessa forma, cada conjuntura, cada "social", tem a sua "gramática" (termo muito utilizado pela Escola de Frankfurt) específica que auxilia, em muito, a se entender os sofrimentos específicos que estão em maior evidência. E aqui surge uma questão interessante. Quem já não percebeu que determinados transtornos parecem "entrar" e "sair da moda" periodicamente? O que isto significa?

É fato que dependendo de como o ambiente social esteja "arranjado" ele estimula, a despeito de nossa internalização individual e muito específica, determinadas patologias. Por exemplo, na época de Freud, todo o conjunto de restrições sexuais do ambiente europeu facilitavam a expansão da histeria feminina. E, é seguindo esta lógica que hoje podemos assistir a uma "explosão" de casos narcísicos.

Por outro lado, e aí já seguindo a "pressões", especialmente, da farmacologia, surgem os "transtornos da moda" (termo que eu utilizo). Isso é perigoso, pois estão envolvidos aí não somente problemas em um diagnóstico "relaxado", como um excesso de medicalização. Um exemplo é o caso da tristeza, sempre confundida com a depressão e rapidamente medicalizada, causando mais problemas ao sujeito. São esses "transtornos da moda" que precisam ser sempre desmascarados. O que não quer dizer, entretanto, que a influência do social seja pequena. 

Falei que a questão do "reconhecimento" foi colocada, por C. Dunker, como um imenso "pano de fundo" para patologias de toda ordem na atualidade, e desde sempre. Lacan, por exemplo, falava do "declínio do pai" como uma alteração social muito importante e que teria reflexos fortíssimos na psique do indivíduo. De que forma? Quando falamos de "declínio do pai" falamos de uma "perda de autoridade", da "função paterna", da "lei". Trago um exemplo. Não à toa uma das palavras mais utilizadas, hoje em dia, para nos referirmos aos problemas sociais, é a "impunidade", palavra que traduz a ausência de limites e de sua correlata punição. E isso em qualquer ambiente do social.

Mas, o que significou, de fato, esse "declínio do pai"? Significou a perda de uma "instância mediadora" de minhas relações sociais. Ou seja, se reconheço meus limites, estou um passo à frente para construir bons laços sociais. Então, diante desta ausência ou declínio do "pai" (pai, professor, lei, modelos identificatórios etc.), cada um passou a construir seu "pai próprio" advindo daí sintomas patológicos os mais diversos.

De alguma forma, esta questão está inserida nas "neuroses narcísicas", e, presos à neuroses narcísicas dificilmente obtemos o reconhecimento. Mas, então, o que oferecer aos pacientes na clínica? A desalienação. Mas, como? Ora, um paciente sofre porque possui um desejo que não está sendo reconhecido por ele. O fundamental é que a clínica possa produzir atos de linguagem (uso da palavra) com o paciente, visando este reconhecimento, a simbolização, a maneira como ele percebe as coisas que lhe estão afligindo.

Não está prevista aí a "cura" completa do paciente, afinal, o social está repleto de forma alienantes e, por vezes, se um tipo de alienação é atacada outras podem surgir. A desalienação, portanto, nunca é completa, mas consegue-se, independente disto, atenuar ou mesmo eliminar diversas formas de sofrimento. Eliminar o sofrimento de uma forma total? Jamais! Senão não seríamos "humanos". O que fazemos, portanto, é recuperar "fragmentos" de uma liberdade perdida pelo não-reconhecimento de um desejo que traz, agora, sofrimento.

Por fim, se quiséssemos "enquadrar" as patologias em duas grandes famílias estruturais de sintomas, teríamos: Primeiro, aquele grupo de indivíduos que sofre por se sentir "obrigado a algo". É o "tenho que..." que impõe situações que são internalizadas como "obrigações" irrefutáveis. Segundo, aquele grupo de indivíduos que sofre por não se permitir "poder fazer algo". É o "não posso..." que impõe situações que são internalizadas como "proibições" inquestionáveis.

São, portanto, duas grandes ordens de sintomas, às quais devem corresponder duas liberdades a serem oferecidas através do vínculo com o psicanalista.

Espero ter sido fiel aos pensamentos debatidos por C. Dunker. E vamos conversando...!

______________

(1) neste momento da reunião lembrei-me imediatamente de uma situação que vivi em família. meu filho, por volta dos dois anos, aproximadamente, já estava dando sinais de querer "ultrapassar" os limites de seu berço. Certa noite, antes de dormirmos, ouvimos um barulho "diferente" vindo do quarto dele. Fui o primeiro a dar um pulo da cama e ao abri a porta do quarto dele o vi sentado no chão. Ele estava em silêncio e me olhou diretamente nos olhos. Sorri para ele e ele esboçou um sorriso. Instantes depois, questão de segundos, entra minha esposa no quarto, e fica aflita quando o vê no chão. E dispara um "tadinho!" e rapidamente o pega no colo. Não deu outra. Ele caiu em prantos. Hoje, olhando em retrospectiva, vejo o quanto ele foi atravessado pelo "social" (pai e mãe), quase simultaneamente, e reagiu de formas distintas. Com tanta manha e carinho foi difícil fazer pará-lo de chorar...rsrs!