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sábado, 24 de maio de 2014

A crítica de Adorno e o "medo" nos dias atuais

Em época de eleição, e tendo uma ferramenta como o facebook nas mãos é muito fácil o debate sobre a política perder a "razão". É aí que lembro de T. Adorno (teórico da Escola de Frankfurt) e sua forte crítica à "racionalidade", ou seja, àquela racionalidade que abdica da autonomia do pensamento e fica refém de chavões e clichês simplistas. Hoje, se precisamos de uma forte crítica à forma como as coisas estão organizadas não podemos, por outro lado, cair na tentação dos discursos de "ódio" e dos apelos "autoritários".

Vivemos uma época difícil em termos de racionalidade. Não debatemos mais, nem mesmo criticamos mais, simplesmente tentamos "destruir". Se estou fora do governo ou se estou no governo só me interessa a "destruição" do outro. E aí os discursos do "medo", do "preconceito" e do "autoritarismo" encontram chance de proliferar. No final das contas, usamos a "violência" para justificar tudo. Onde está nossa autonomia de pensamento? Que uso estamos fazendo da razão? Ou a democracia sai fortalecida ou não estaremos usando nossa razão para nada proveitoso. E o uso do "medo" não é próprio da esquerda ou da direita, é próprio dos anti-democratas, independente das cores que vestem.

Claro que, no calor dos debates é difícil perceber isto. Só depois é que sentimos os efeitos catastróficos do que fizemos. Não a toa, para cada vez mais pessoas, a política corre o risco de se tornar "obsoleta" e "banal", tornando-se terreno do ódio, da indiferença, do uso em proveito próprio, onde a força da democracia está somente na "retórica", pois sua "prática" está tomada pelo interesse. Pobre democracia, que "avança" na criação de instituições mas que não penetra na mente dos cidadãos.

(José Henrique P. e Silva)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Violência e Internet

O Programa Alexandre Garcia (GloboNews) de hoje teve como tema a violência e seu incrível aumento nos últimos anos aqui no Brasil. Em certo momento a "internet" veio à tona na discussão como um espaço que multiplica esse apelo à violência. Isso é fato! 

Não se trata de dizer que a internet é "culpada" de alguma coisa. Não se trata disso! É da natureza humana que estamos falando. O que a internet possibilita é que aquilo que, em público, não fazemos por temer as regras e punições, fazemos livremente no ambiente virtual. 

Ou seja, a internet funcionaria (para alguns) como um espelho onde se projetam frustrações, raivas, ressentimentos, ódios a partir de uma suposta posição de força e grandeza. Assim, o que a internet faz é facilitar a comunicação entre pessoas que já nutrem, potencialmente, o ódio e a frustração dentro de si de uma forma pouco controlável. 

Agora, isso combinado à falta de modelos identificatórios saudáveis na vida política e um quadro de instituições falidas, é explosivo! Não é à toa que, numa lista de 132 países, somos o 11° mais violento, e nem temos uma das melhores internet do mundo!

(José Henrique P. e Silva)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Machismo e Sexismo: Projetamos nossas culpas sobre o outro

Recentemente presenciamos aquela polêmica causada pelos dados de uma pesquisa divulgados erroneamente pelo IPEA sobre a violência contra a mulher. Independente da competência ou não do instituto e da veracidade das informações publicadas, o tema é relevante, principalmente aquele que foi maior objeto de polêmica: "a tolerância com o estupro".

O que se percebeu foi que o(a) brasileiro(a) tende a ser mais rigoroso(a) e critico(a) quando se trata de "violência doméstica". Nesse caso, é o próprio sujeito (que responde à pesquisa) que se coloca naquela posição e parece estar se autoavaliando, então ele não admite uma postura violenta. Mas, no caso do "estupro" fica evidente certa agressividade latente e a intolerância quando se encontra na "roupa curta" da mulher aquela tradicional justificativa necessária para transformá-la em algo "sem valor" e que merece punição. Nesse caso, ao contrário da "violência doméstica", quem responde (ele ou ela) não se sente julgado na pergunta e projeta para um suposto "outro" (agressor, estuprador, violento) sua própria raiva, agressividade, machismo e intolerância.

Lembrei muito de uma pesquisa feita pela Folha de S. Paulo há muitos anos atrás sobre o racismo, e o procedimento é similar, ou seja, o brasileiro não se "declara" racista (não assume), mas se "revela" racista através da ação do "outro", ou seja, afirmando que o "outro" é que "é" racista. O brasileiro continua o mesmo: "cordial" quanto ao outro, ou seja, nega ser racista e machista, mas o é através da ação dos outros. 

Então, esse sujeito que, de forma cínica, admite que a mulher que usa roupa curta merece ser violentada, é o mesmo que é capaz sim de estuprar e violentar. Ele apenas delegou, através de uma projeção, esta função para o criminoso. Se na pesquisa da Folha ele projeta o seu racismo sobre o outro, nesta pesquisa sobre violência ele projeta sua agressividade e sexismo sobre o outro, também.

Fazemos isto com o racismo, com a violência contra a mulher, com relação às leis, com relação aos políticos... ou não? Precisamos pensar sobre o nosso caráter e projetar menos sobre os outros nossos desejos e culpas e passar a termos mais indignação com a criminalidade, a discriminação, a corrupção, o "jeitinho", etc.!!! Ainda estamos engatinhando em termos de cidadania e respeito ao outro!!!

(José Henrique P. e Silva)

terça-feira, 22 de abril de 2014

Perversão: a parte obscura de nós mesmos


Este é um livro da Roudinesco que gosto muito. Trata da "Perversão", aquela estrutura clínica nem tanto "valorizada" quanto as neuroses ou psicoses, e em boa parte "glamourizada" pelas "fantasias sexuais" que parecem adquirir um grau de legitimidade bem elevado atualmente. Mas prefiro falar daquela "outra" Perversão, aquela parte considerada "maldita" em nós mesmos, e por isso quase sempre bem "escondida", que parece sempre nos lembrar de nossa potencial bestialidade, algo que parece contrastar com a própria "humanidade". 

Essa perversão que dá margem a comportamentos e vidas infames, paralelas, minúsculas, bestiais, criminosas, monstruosas e miseráveis, que se disseminam pela sociedade e ao nosso redor. Estou falando de criminosos sexuais de uma forma geral (abusadores, pedófilos, estupradores etc.) que deveriam sim, e essa é uma opinião que tenho muito arraigada, serem permanentemente monitorados pelas instituições responsáveis, pois sabe-se que sua possibilidade de "cura" é ínfima, quase nula. Podem manter-se sob algum tipo de controle, mas parecem não escapar desta "parte obscura" que tomou conta de si mesmos. Há muito o que se falar sobre a Perversão.

O livro da Roudinesco nos traz alguns exemplos de "notórios perversos", como Gilles de Rais, neto de João de Craon, um riquíssimo senhor feudal libertino. Desde seus 11 anos foi iniciado no crime por este seu avô. Dilapidou sua fortuna em bebedeiras e toda sorte de excessos. 

O gosto pelo sangue e o desprezo às leis era indiscutível. Apegado às armas, Gilles acabou por servir ao lado de Joana D'Arc e chegou a ser condecorado, mas não escapava às pilhagens e roubos. Depois passou a cometer outro tipo de crime: o seqüestro de crianças, seguido de todo tipo de sevícias. 

Retalhava corpos, arrancava órgãos, e tudo isso associado ao abuso sexual dos corpos. No auge da loucura chegava a invocar o demônio em extrema excitação – acabava transformando-se num dejeto, sujo de sangue, esperma e restos de comida. Todas as fronteiras com a Lei já estavam abolidas e nada o refreava. Fala-se em cerca de 300 crianças mortas, o que deu origem à lenda do Barba Azul. Em 1440 Gilles foi levado a julgamento e confessou todos seus crimes dizendo que foram por iniciativa própria. Não atribuiu culpa ao demônio nem a instintos bestiais. Ele simplesmente lembrou a educação que recebera do odiado avô que fizera dele uma criatura abjeta, imersa no vício. 

No final, implorou perdão e pediu orações. Foi enforcado e queimado. Diante da pergunta do porque teria cometido tais crimes, ele responde: "para que atormentar, a vós e a mim?" - Esta é uma característica do perverso, o TORMENTO do qual não consegue livrar-se a não ser com a própria MORTE.

Outro "notório perverso" trazido pelo livro da Roudinesco é o bastante famoso Marquês de Sade. Com ele isso, inaugurava-se a noção moderna de perversão, onde não havia nada de "diabólico" e sim "humano". Foi na regência de Philippe d’Orléans, após a morte de Luis XIV, que a "libertinagem" (fenômeno que surgiu como reação às guerras religiosas) encontrou sua forma política mais consumada. 

Orgias, blasfêmias, especulação econômica, gosto pela prostituição, pelo luxo, pelo desperdício e escândalos: todas essas praticas concorriam para um vasto questionamento dos valores da tradição religiosa. A aristocracia entregava-se e fascinava-se pelos prazeres mais excessivos. Foi nesse cenário que cresceu o Marquês de Sade que, com sua escrita, levaria aos limites a "inversão da Lei". 

Seus personagens, entretanto, não reivindicam uma filosofia do prazer e da liberdade individual, e sim uma vontade de destruir o outro e se autodestruir num TRANSBORDAMENTO DE SENTIDOS (gozo absoluto). O ser humano transforma-se em OBJETO (coisa) e ABJETO (desprezível). Sade não foi um criminoso do tipo Gilles de Rais, foi mais um "perverso moral". Não matou, mas destruía a identidade. 

Tinha os germes da depravação, mas não da loucura. Assim, é compreensível que Sade tenha sido visto como um precursor da sexologia. Encarnação de todas as figuras possíveis da perversão, ele nunca cessará, após ter desafiado e insultado reis, Deus e invertido a Lei, de ameaçar a todos em sua vã pretensão de querer domesticar o gozo do mal. Esse é o típico "notório perverso" mais alinhado àquela perversão "glamourizada" dos dias atuais, onde se enaltecem as fantasias, quase sempre no limite entre o prazer e o crime.

Que olhar, então, dirigir ao perverso? Sabemos que existe aquela perversão que ninguém se intromete, porque é da ordem da vontade do indivíduo, casal ou grupo, em sua intimidade. Essa perversão fala algo da liberdade e da própria natureza humana. E não consigo estabelecer nenhum juízo moral sobre a questão, pois a psicanálise não busca nenhum tipo de "ordem moral" ou algo que diga o que é o "sexo bom" ou "mau" para cada um. 

Mas, existe a perversão que é alvo da Lei e que sobre ela deve-se dirigir um olhar bastante severo. São os chamados "parafílicos sociais" (estupradores, pedófilos, assassinos maníacos, criminosos sexuais etc). Para esses o olhar não deve ser somente o de reprovação, mas de forte atuação no sentido do confinamento e monitoramento constante, pois o mal que causam ao outro é, muitas vezes, irreparável. 

O que me assusta, por vezes, é uma certa condescendência com esse tipo de crime, tentando-se atribuir certa "naturalidade", mostrar que é "cultural", ou até mesmo que não é crime e sim uma "doença". Embora esse tipo de perversão tenha sim componentes destes três tipos de explicação quando inserida em nosso contexto social ela se torna crime sim, e merece punição rigorosa, ou vamos mesmo conseguir conviver com a ideia de um pai estuprar a própria filha criança ou adolescente?

(José Henrique P. e Silva)

Limites e agressão!

O UOL trouxe uma matéria ontem sobre a questão dos "limites" na relação entre as pessoas, com contribuições da Terezinha Baptista, do Sedes Sapientiae. Há sempre méritos em discutir a questão da agressividade como modelo de educação e é desnecessário enfatizar que a agressividade é uma de nossas reações mais primitivas, e que exige alguma "domesticação" na própria infância.


E uma das formas mais utilizadas pela agressividade é a violência psicológica (não física), aquela que envergonha, humilha, diminui, destrói a identidade da pessoa. É claro que a irritabilidade, em situações ocasionais, é algo absolutamente normal e nos protege de internalizar ofensas, mas o problema está quando a irritabilidade e a agressividade se tornam modelo de conduta, tomam conta da personalidade. 

Gritar, berrar, agredir, se impor pela força, só demonstram a fraqueza e a incapacidade psíquica de lidar com o controle, o argumento, a reflexão e o respeito ao outro. Mostram forte egocentrismo, talvez como defesa para uma evidente identidade muito fragilizada e insegura. Sem dúvida, impor limites sem o uso da violência é uma habilidade que pode ser melhorada com o tempo. 

Mas, só treino de habilidades não resolve tudo. Trata-se de um indivíduo que precisa ter seu NARCISISMO observado com mais atenção, pois algo pode ter falhado e ele está tentando se manter forte e agressivo para simplesmente não "desabar".

Quando falei que a agressividade precisa ser "domesticada" é porque fica evidente em nossa evolução emocional, ainda na infância, que se não reconhecermos limites isso irá gerar seríssimos problemas mais tarde. E esses limites vem do modelo dos pais, principalmente. Não há como esperar por escolas ou pela sociedade. Essas estão, cada vez mais, falhando em seus papeis de mostrar limites e, principalmente, mostrar limites a partir da EDUCAÇÃO e não da força física ou psicológica.

(José Henrique P. e Silva)

terça-feira, 15 de abril de 2014

O terrorismo e sua nova estética: todos estamos em risco

Esta semana completa 1 ano do atentado à maratona de Boston (EUA) e nunca é demais comentar um pouco sobre o tema. Este atentado me fez lembrar, à época, que talvez a era do terrorismo com "endereço certo" talvez já tenha mesmo acabado e Bin Laden talvez tenha sido seu último grande representante. Hoje o terrorismo está em qualquer lugar e não necessariamente em um país "miserável e ditatorial" da África ou da Ásia. Está em todo lugar e qualquer um de nós pode ser o seu alvo.

Aqueles dois jovens irmãos representam a face mais nova desse terrorismo. Não precisaram de muita coisa para fazer o estrago que fizeram, apenas um bom suporte "ideológico". Mais do que nunca são "pessoas comuns", como eu e você, que estão agindo assim. Por isso espanta a todos ouvir estórias do tipo: "eles eram bons garotos", "pareciam tão normais", "eram bons vizinhos e bons alunos". E o amadorismo deles (bomba caseira, despreocupação em serem filmados, fuga atrapalhada) só atesta esta tese. 

São pessoas comuns sim! E isso só nos deixa ainda mais preocupados. Fica fácil entender quando a população de Boston "comemorou" o fim da "caçada" à dupla de irmãos. É só isso que pôde resgatar um pouco mais da sensação de segurança por lá (aconteceu o mesmo quando Bin Laden foi morte e já havia acontecido também quando o WTC foi atacado). Nós por aqui, no Brasil, não sabemos e não temos elementos para avaliar e julgar isso corretamente. Então não podemos nos apressar em criticá-los, pois eles estão no olho do furacão e nós, nem de longe, sabemos o que isso significa na pele.

Mas, nada disso é tão novo assim. Sempre lembro, quando penso neste assunto, de um texto de Miguel Chaia, um ex-professor meu na PUC-SP¹. De acordo com Chaia, experimentamos, hoje, uma "estética da vulnerabilidade", traduzida na relação entre arte e guerra. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, autores de tragédias gregas, em seus “lamentos nascidos no dilaceramento da alma humana e na difícil sociabilidade” já apontavam para o significado que a violência tem sobre a sociedade e o destino das pessoas. Mais à frente, Shakespeare nos mostraria um novo tipo de tragédia onde o “ser” é também frágil diante de conflitos internos. Para ele, a história seria cíclica, num eterno continuum entre guerra e paz, com o outro e consigo mesmo. Segundo o professor Chaia, a política não detém a tragédia, afinal:
O campo social está permanentemente aberto às contingências e o pretenso controle que se objetiva alcançar politicamente com freqüência transforma-se em um inusitado descontrole social. O inesperado pode se abater a qualquer instante sobre os homens.
Ou seja,
a esfera do político, em vez de representar o controle do espaço público, deve ser compreendida como o lugar do confronto permanente entre o homem e seu destino, como o lócus dos conflitos intermináveis. Os riscos e as desgraças são inerentes não somente à vida, mas também às condições da ação política. Os acontecimentos trágicos são aqueles que reafirmam a conexão entre o (nosso) destino individual e o destino coletivo.
Ora, ninguém vive isolado no mundo, e é nesse encontro do homem com o mundo que a Arte aprofunda sua dimensão política, fazendo surgir uma nova estética essencialmente midiática. É assim que o terrorismo muda de face e entra neste círculo de visibilidade ganhando expressividade e mostrando que vivenciamos uma vida cada vez mais “trágica”, onde uma explosão é repetida mil vezes, nos trazendo essa mensagem: estamos sob risco, cada um de nós está em risco. É neste contexto de "medo" que engendramos uma nova sociabilidade cotidiana, marcada pela instabilidade, pela fragilidade da vida e pelas respostas violentas por parte da própria população (os "amarrados em postes" estão aí para evidenciar esta nossa "insegurança cotidiana").

E mais, nessa nova estética terrorista (que não é mais a da "guerra"), não temos mais a presença do Estado, dos campos de batalha, das ideologias, das utopias, dos novos homens. Não há mais como sonhar com a beleza, o igualitarismo, o progresso, enfim. Parece só ter restado mesmo a destruição coletiva.
A estética do terrorismo tem na imagem sua principal estratégia de disseminação. É no ato espetacular transmitido pelos canais midiáticos, como a internet, a televisão e a imprensa, que ele encontra sua eficácia e força. Basicamente, a cidade é o seu principal alvo, tornando as metrópoles mundiais as melhores caixas de ressonância de suas práticas violentas.
É esta nova estética que atinge nossa retina (e rotina também), formando nossa subjetividade, cada vez mais marcada pelo medo, e pela intolerância. É a partir desta nova estética que a estética da política vai se construindo no cotidiano, marcada pela inevitabilidade dos conflitos insolúveis e a “impossível” sociabilidade.

Dessa forma,
a estética da guerra foi superada, dando lugar à experiência do confronto entre sistema e bandos, que demonstraram que esse sistema não é impenetrável. Nessas condições, a cultura da violência encontra seu par complementar na cultura do ódio, a mídia do entretenimento tem continuidade na mídia em transe, e a irracionalidade das massas pontua-se pela mutilação individual e coletiva.
De uma forma, direta ou indireta, participamos do reality show, do espetáculo, ao vivermos cotidianamente a absorção destas novas estéticas do terrorismo e da política, seja como vítimas, seja como espectadores. Afinal,
Se o indivíduo não for atingido na rua, com certeza a eficácia política do terror o alcançará na rede da internet ou na rede de televisão. Assim é que a estética do terrorismo é dada na descoberta da instabilidade e da fragilidade da vida e na construção da insuficiência e da limitação da política.
Culpa dos meios de comunicação de massa? Não sei! Os terroristas buscam a mídia para o deleite dos resultados de seus atos, e nós a buscamos para deleite de nossas ansiedades e entender (ou manter) nossos medos. Não há glória alguma! Não há vencedores! Todos perdemos! Embora alguns ganhem (poder e audiência) com essa tragédia toda.
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¹ CHAIA, Miguel. Arte, Política e Explosão. In: Revista Cult, n. 95, set/2005, ano 8, p. 59-63. O autor é professor do Departamento de Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e pesquisador do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Um rápido conceito de Bullying

O Bullying é daqueles temas que nos últimos tempos só tem crescido nas rodas de discussão. Não é, por certo, um fenômeno recente, mas tem algo de novo em sua dinâmica. E é sobre isto que gostaria de comentar um pouco destacando alguns aspectos envolvidos nas discussões sobre o Bullying.

Inicialmente bastante discutido a partir do ambiente escolar, o Bullying extrapolou este espaço e hoje é visto como um fenômeno social amplo, que conheceu uma rápida forma de expansão no contexto de uma sociedade cada vez mais competitiva, individualista e marcada pela difusão de tecnologias de comunicação de massa. Mas, o que é o Bullying?

Tentando-se um conceito, ainda que geral, mas que não deixe de fora os principais elementos constitutivos do Bullying, posso dizer, com segurança, que seja em que ambiente for, educacional, corporativo, ou outro, o Bullying é a recorrência de atos de violência física ou psicológica, praticados por um grupo, de forma intencional, visando a humilhação do outro no contexto de uma relação desigual de poder. Neste conceito já temos, pelo menos,  seis elementos constitutivos que exigem alguma elucidação. Vou tentar ser didático:
 
1) O Bullying é uma prática recorrente, ou seja, não pode ser confundido com uma simples brincadeira de "zoar" um colega, algo que faz parte do cotidiano das relações interpessoais. É essa recorrência que garante a violência do ato e seu caráter de intencionalidade no objetivo de humilhar e machucar o outro que se tornou alvo. Portanto, não é qualquer brincadeira, onde se "zoa" e se tira um "sarro" que pode ser classificada como Bullying. Essa confusão está levando, inclusive a construção de "manuais" que tentam "domesticar" qualquer tipo de brincadeira nos diversos ambientes. Isso atua como forte fator inibidor do desenvolvimento das relações interpessoais, cada vez mais inseridas dentro do chamado "politicamente correto". Ou seja, Bullying não é uma prática ocasional, episódica, isso pode ser uma brincadeira, uma ofensa, mas não Bullying. Este exige para ser caracterizado como tal que as práticas sejam recorrentes, sistemáticas

2) O Bullying é um ato de violência, ou seja, não é uma "brincadeira". O termo deriva da palavra inglesa "bully" que significa "brigão", "valentão", alguém, portanto, muito disposto à agressividade e à violência. Mas, é um ato de violência porque está sustentado na agressividade contra o outro. Uma agressividade que pode ser física ou fazer parte daquilo que chamamos de "terror psicológico", repleto de acusações, infâmias, mentiras etc. Dizer que a prática do Bullying está situada no universo das "brincadeiras" é ignorar seu caráter agressivo. Enquanto ato de violência, portanto, o Bullying pode ser visto como uma prática que exemplifica uma espécie de "regressão civilizatória", pois desconhece o outro e desconhece as regras morais que sustentam os laços civilizatórios;

3) O Bullying ocorre no contexto de uma relação desigual de poder, ou seja, é sempre uma relação marcada pela oposição entre o mais forte e o mais fraco. O lado mais forte ainda é reforçado pelo "grupo" e a vítima geralmente é o indivíduo isolado;

4) O Bullying é uma prática que quase sempre exige a formação de um grupo, ou seja, na grande maioria das vezes a prática do Bullying parte de um grupo. Isso não dispensa a figura de lideranças, mas existem os demais participantes que compõem o grupo e têm papel chave para o Bullying. Não é só a liderança que pratica o Bullying, os demais, com sua cumplicidade, também o praticam.

5) O Bullying é praticado de forma intencional, ou seja, existe uma intenção no Bullying. Não se trata de uma prática desinteressada e fortuita. Ela tem um objetivo, um alvo, algo a ser atacado e conquistado. Quase sempre a prática exige certo planejamento, não sendo nem um pouco espontânea ou ao acaso.

6) O Bullying tem como um de seus principais objetivos a humilhação do outro, ou seja, colocar um apelido, "zoar", tirar um "sarro" de um colega sempre fez parte de nossa infância, adolescência e mesmo da fase adulta. E fazemos isto de vez em quando sim, quando nos reunimos num bar, na casa de um amigo, no trabalho, no estudo etc. Isso é saudável, mostra que existem laços de amizade tais que nos permitem brincar, sorrir, se divertir, mesmo à custa de uma mancada de nosso colega. E, nesses casos, a resposta desse colega, é sempre compartilhar o sorriso e "cair" na brincadeira. A intenção que existe aí é a de "brincar", processo aliás, fundamental para nossa boa constituição psíquica. Mas o que torna o Bullying algo perigoso e não simplesmente uma brincadeira espontânea? Não é a disposição em "brincar". É uma outra disposição, a de "humilhar". E, nesse aspecto, pode ser colocado na categoria das perversões. É lógico que, com o Bullying, alguns se divertem, tanto os que os praticam quanto os que assistem e se tornam cúmplices, portanto. Mas o caráter desta "diversão" é que ela se dá "à custa da humilhação do outro", do sofrimento do outro. Não é perverso isto? Existe, portanto, no Bullying, uma atitude clara e intencional de humilhar o outro. Quem pratica o Bullying sabe exatamente o que está fazendo, pois possui uma clara intenção, mascarada sob uma falsa ignorância, mas repleta de intenções maldosas;

Portanto, para finalizar, antes de pensar ou dizer que o Bullying é só uma "brincadeira" que extrapolou é bom lembrar que na prática existe uma intenção clara de humilhar o outro, e quando falamos em humilhação estamos falando de uma atitude que é pública, e que causa um dano seríssimo à autoimagem do indivíduo.