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domingo, 16 de junho de 2013

O "sucesso" e o "fracasso" da ideologia consumista no "caos" das manifestações

Em tempos de manifestações de toda ordem, lembrei de um texto do Slavoj Zizek, publicado na Revista CULT*, n. 161, de setembro/2011, cujo título é: "Saqueadores, uni-vos!". Nele, Zizek discute rapidamente a natureza de algumas manifestações sociais como as de Paris em 2005, e as de Londres e Egito em 2011, e faz uma  associação entre os tumultos e a ideologia do consumo.

O texto é interessante porque traz à tona um assunto que geralmente escapa nas análises que se faz sobre os movimentos sociais recentes, como estes que tomam conta de São Paulo nos últimos dias. Acredito que todos concordam que não há uma análise que dê conta completamente do que está acontecendo. As redes sociais estão "perplexas" e proliferam as tentativas de se entender os acontecimentos recentes. 

Neste "caos" interpretativo proliferam explicações de toda ordem: "os manifestantes são apenas baderneiros"; "trata-se de um ataque a Alckmin visando 2014"; "a PM continua fascista"; "é o Brasil abrindo o olho contra a corrupção"; "são pequenos grupos tentando manipular as massas"... Enfim, talvez exista um pouco de verdade em tudo isso. Mas, o fato é que há um sentimento de "errância" nas análises e ninguém parece dar conta da explicação. Pior, com a dinâmica dos próprios movimentos, alterando suas "palavras de ordem", a tentativa de compreensão exige mais cuidados.

Assim, o texto de Zizek é só mais um no meio do turbilhão e traz algo novo para se pensar também. De cara, ele faz uma constatação: Segundo ele, os mais conservadores  enxergam nestes tumultos (incêndios, saques, destruições, etc.) somente caos e a falta de disciplina e responsabilidade, por outro lado, a esquerda enxerga somente o fracasso do bem-estar da população, mal tratada pelos que estão no poder, como no exemplo de Alckmin, aqui em São Paulo, atacado pela esquerda. Para Zizek, os diagnósticos conservadores e da esquerda são equivocados.

Por outro lado, segundo Zizek, não dá para se falar em "sujeitos revolucionários", pois estas manifestações (e aí incluo as de São Paulo e as demais que proliferam pelo Brasil afora) estariam muito mais para aquilo que Hegel chamou de "negatividade abstrata", ou seja, uma turba que se expressa de modo "violento" e "irracional", sem reivindicar nada de forma clara. Não dá pra esquecer que a luta pelos R$ 0,20 já se transformou em outra coisa que não sabemos bem o que é. 

Zizek nos lembra que, já a algum tempo vivemos sob o predomínio de teses como a do "fim da ideologia" e a ascensão da "sociedade pós-ideológica". Ora, o que é isso? Anunciou-se o predomínio do mercado, o império do consumismo. Chegou-se a imaginar o "fim da história". Besteira!

estágio atual do capitalismo se sustenta, portanto, sobre uma ideologia que convida todos a escolher e a consumir. Mais do que a classes ou grupos sociais , então, pertencemos ao mundo do consumo. E é neste mundo do consumo que vivemos a plenitude da "alienação". E a esquerda que hoje governa o Brasil, através do PT, não escapa à isso. É patrocinadora, por excelência da ideologia do consumo. Ou sobre o que está assentada toda a política econômica e o "sucesso" eleitoral de Lula e Dilma? Dessa forma, a ideologia consumista, através da esquerda, parece estar realizando de forma perfeita e acabada aquilo que Marx já denunciava como "alienação".

Este é o "sucesso" da ideologia consumista. Ela nos acomodou, nos tirou a vontade de sonhar, nos tirou a utopia pela mudança, o que faz é atiçar nossos desejos por aquilo que é novo, desde que oferecido pelo mercado.

Ora, enquanto dá para consumir, ótimo, vamos satisfazendo nossos desejos, por mais absurdos que sejam. Mas, e quanto àquelas pessoas tidas como "deficientes" e "desqualificadas" do ponto de vista do mercado? O que o mercado oferece para elas? Nada! O Estado, com seus populismos, ainda tenta ter uma postura paternalista, que sabemos insuficiente e distorcida. No caso brasileiro, a proliferação de "bolsas" visa simplesmente minimizar esse impacto que vem de baixo para cima. Não é emancipador!

O fato é que, no mercado e no paraíso do consumo, não há espaço para todos, pois a base do sistema é competitiva, e destrói sempre algo para que outra coisa sobreviva. E, para complicar ainda mais a situação, por cima desta ideologia do consumo existe outra, a "ideologia da liberdade", apoiada, evidentemente, na tese da oportunidade de consumo, ou seja, liberdade para escolher e consumir. Mas, não dá para todos. E aí? O que fazer? Ela, a "turba" parece estar fazendo algo.

Por vezes explodem em ondas de violência (como as manifestações) mas, no geral, essa "violência" vem como uma maré que, lentamente, parece ir engolindo a sociabilidade humana no nosso cotidiano (como no caso da criminalidade, que só cresce). Por isso, as manifestações causam raiva e indignação no início, mas, com o passar dos dias, vão causando perplexidade e exigindo maior atenção e explicação. E mais, vão gerando fortes sentimentos de "identificação", pois acabamos por nos enxergar "dentro" dela, por algum motivo, por alguma forte insatisfação. Por isso essas manifestações parecem difusas, mas não são vazias de conteúdo.

Os tumultos vêm daí, sem um sentido lógico, verdadeiro caos, sem uma direção certa, sem uma comunicação clara. Este é o "fracasso" da ideologia consumista. Ela obtém o sucesso quando nos aliena e domestica, mas fracassa quando não permite que todos possam consumir.

No fundo, o que precisa ser discutido, fortemente, é a democracia que, segundo Zizek, se assemelha àquela jangadinha que desliza em meio a um mar tumultuado repleto de ameaças e seduções paternalistas e autoritárias, e não cumpre seu papel de criar mais cidadãos que consumidores. É preciso transformá-la em uma embarcação maior, mais sólida, que resista a estas seduções populistas às quais parece que nenhum discurso escapa.

Para isso, é preciso "recuperar a política". Talvez estas manifestações não saibam exatamente contra o que estão lutando, mas o que importa? Elas sabem que a democracia está assentada sobre bases muito frágeis. De que adianta dizer que a democracia foi conquistada a "duras penas"? De que adianta pedir para que as manifestações sejam de "paz". Há uma "violência" implícita na ideologia do consumo e na forma como a democracia se dá no cotidiano que, para muitos, vai ficando cada vez mais clara. 

E aí? O que prometer e oferecer em troca para que essas manifestações saiam das ruas e voltem para casa? Talvez uma democracia mais clara, transparente, efetivamente inclusiva, com políticas públicas centradas no cidadão, respeito ao dinheiro público - não há garantias para que nada disso funcione e acalme a todos, mas pode ser um bom começo.

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