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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Quando fala o coração (Spellbound) - Os sonhos na análise

Quando fala o coração (Spellbound, 1945, Dir. de A. Hitchcock) é uma adaptação de "The house of Dr. Edwards", de Francis Beending's, e se destaca numa época de pioneirismo no trato da psicanálise por Hollywood. 

O filme começa com uma frase de Shakespeare: "O erro não está nos astros, mas em nós mesmos", numa clara advertência de que nossos dramas não têm uma origem externa, e que somos responsáveis por eles. É um chamado a desviarmos o olhar "para dentro". 

Há ainda, uma introdução em legendas reforçando isto.
Este filme é sobre a psicanálise. O método usado pela ciência moderna para tratar problemas emocionais. O analista busca apenas induzir o paciente a falar de seus problemas mais escondidos para abrir as portas de sua mente. Quando os problemas que afligem os pacientes são descobertos e interpretados a doença e a confusão desaparecem e os demônios internos são exorcizados da alma.
O filme fala da Psicanálise em meio a um romance entre uma analista e seu colega de profissão, que acaba tornando-se paciente. Um homem que, aos poucos, vai expressando incômodos cada vez maiores com situações onde traços (rabiscos) se desenham sobre superfícies brancas. Um homem que, após uma série crise, se descobre com amnésia e passa a ser tomado por um "complexo de culpa" (Paranóia) onde atormenta-se pelo fato de acreditar ter matado uma pessoa e assumido sua identidade. 

É na tentativa de desenrolar esta trama que o filme se desenvolve, tendo como protagonistas a Dra. Peterson e o Dr. Edwards, mas não se trata de um bom suspense, daqueles que Hitchcock viria a se especializar. O filme se torna interessante mesmo pela tentativa que faz em introduzir temas da Psicanálise, até então muito pouco conhecidos pelo público em geral.

Mas, seguindo este seu "propósito" o filme se utiliza da interpretação dos "sonhos" como principal ferramenta para desvendar a trama psicológico-policial (existem, contra o Dr. Edwards acusações de assassinato). É nesse momento que se percebe que um dos grandes estereótipos da Psicanálise é utilizados pelo filme: o do papel do analista-detetive, como uma figura que faz da mente humana o seu campo de investigação policial em busca do mal. O sonho, no caso, será a ferramenta através da qual a investigação ocorrerá na tentativa de reconstruir o passado e entender os últimos passos do paciente.

O filme, na realidade, é uma sucessão de estereótipos da Psicanálise. A presença da típica histérica que destila seu "desprezo" pelos homens; o ódio que o paciente revela por seu analista; a analista que, de tão profissional nem parece "humana"; a presença de um personagem que, em muito, lembra Freud na sua velhice; a ideia do analista como alguém que "vive no mundo da lua"; o sonho como "quebra-cabeças"; a presença de um fato infantil marcante e recalcado como detonador de todo o sofrimento futuro etc. Mas, o fato é que alguns destes estereótipos acabam funcionando como recursos estéticos para evidenciar este algo novo que surgira, ou seja, a Psicanálise, com suas técnicas e procedimentos específicos. 

Como num enredo mocinho x vilão, ao final a Psicanálise vence. Consegue-se desvendar a trama e a paixão entre os protagonistas impera. Mas, precisava ser tudo tão carregado de tantos estereótipos? Acredito que sim. Trata-se de um filme introdutório da Psicanálise para o grande público; a linguagem do cinema é uma linguagem muito distante da Psicanálise e precisa, imensamente, de estereótipos para retratar algo que desconhece. Por fim, a própria Psicanálise da época vivia seu momento clássico. 

Era o tempo das "neuroses clássicas" onde predominava a tese de que o "neurótico" nada mais era que uma personalidade integrada que, de súbito, era transtornada por impulsos ou atos inadequados. Isso deixava flagrante a "irrupção" da neurose, com todos os seus sintomas, em uma pessoa "comum e normal". Ao contrário de hoje em dia, quando acredita-se muito mais numa quase inexistente fronteira entre a personalidade e o sintoma, uma situações onde a "irrupção" praticamente não tem como acontecer, de tão fortemente "misturada" que se encontra à "personalidade".

Não à toa o filme está repleto de situações onde um personagem neurótico de comportamento absolutamente normal, vez por outra, é tomado de assalto por impulsos incontroláveis que o levam, praticamente, tonturas, desmaios, crises, mudanças abruptas de comportamento, falas inadequadas. Era assim que o "neurótico" era visto e era assim que a Psicanálise era retratada.

Para finalizar, destaco a sequência de sonhos ser baseada no surrealismo de Salvador Dali, o que esteticamente fica bem interessante. Além disso, uma belíssima trilha sonora (vencedora do Oscar em 1946) e, lógico, as participações de Gregory Peck (cuja semelhança com Rodrigo Santoro é impressionante) e da linda Ingrid Bergman, uma das mulheres mais belas do cinema.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

"A Interpretação dos Sonhos" (Freud)

Algum tempo atrás o canal Discovery Civilization discorreu sobre o livro "A Interpretação dos Sonhos", de Freud, em sua série "Great Books". A intenção da série é levantar os principais aspectos de cada obra em questão. No caso deste livro de Freud os principais pontos comentados foram os seguintes.

De acordo com a série, haveria um lado obscuro onde se ocultam o medo, a luxúria, a raiva, desejos inconscientes que não repousam tranquilamente na psique humana e que, através do sonho poderiam ser acessados. O sonho seria aquele momento em que tais desejos inconscientes estariam em campo aberto e, com certa técnica psicanalítica poderiam ser desvendados em seus significados. 

O sonho é um terreno fantasioso onde as leis da lógica não se aplicam, mas o fato é que, depois de Freud, não foi mais tão fácil evitar nossa própria responsabilidade por nosso comportamento inconsciente. Não à toa a psicanálise se transformou em base de boa parte da cultura do século XX. Hitchcock, por exemplo, entre suas brilhantes obras, tentou mostrar um pouco disso em "Quando fala o coração" (Spellbound, 1945), com a lindíssima Ingrid Bergman. O trecho abaixo mostra um pouco dessa dinâmica da interpretação, em linhas muito gerais, evidentemente.


Dessa forma, os sonhos teriam forte papel na revelação de tramas ocultas no inconsciente e o procedimento técnico para essa revelação seria simples: lembrar do conteúdo manifesto do sonho e fazer associações de cada trecho com fatos conscientes, seguidas de interpretações - era a "livre associação" freudiana.

O "sonho de Irma" teria sido o sonho base de Freud que ilustrou este seu novo método, cuja formulação geral era a de que o sonho é a realização de um desejo. Foi isto que o teria inspirado a escrever "A Interpretação dos Sonhos", livro que, à época, vendeu muito pouco e deixou Freud acuado diante de boa parte dos médicos, que resistiam à nascente Psicanálise.

Sua interpretação dos sonhos, então, está totalmente baseada em sua concepção da natureza humana. Esta, para Freud, está sustentada em desejos reprimidos, procedimento necessário para a vida em sociedade, do contrário como sustentar o egoísmo total. É esta "repressão" que, incessantemente, alimenta nosso inconsciente.

Dessa forma, continua a série televisiva, Freud nos falaria, quando de sua análise do sonho, de uma parte da mente que chama de "censura". Parte essa, cuja função é a de impedir que sonhemos nossos desejos de forma literal, do contrário as angústias poderiam ser insuportáveis. Estamos no processo, então, de "elaboração" do sonho. Por isso os sonhos nos parecem tão "ilógicos" e "incompreensíveis".

Em seguida, com o recurso da "condensação", o sonho permitiria a combinação de múltiplos símbolos e imagens "aceitáveis" à censura. Ao final do processo, o ego trabalharia para dar um sentido aparente ao sonho. Desvendar esse sonho manifesto é que é fundamental para revelar o significado oculto latente. Como imaginar, a partir destas considerações que os sonhos ainda fossem mensagens divinas ou premonições? Não se trata, portanto, da mera interpretação de símbolos, mas da busca de seus significados.

Hoje, muitos já não consideram os sonhos tão importantes na psicanálise. pelo menos para aqueles que buscam respostas mais rápidas para acontecimentos mais correntes. Mas, os sonhos continuam a aparecer na clínica e, quando desvendados, auxiliam em muito os tratamentos.

O sonho, portanto, fala de nós mesmos, de nosso inconsciente. Nos fala daquilo que não tem data, mas que está presente e não nos deixa até que possamos lhe dar um significado. Conhecer a nós mesmos, portanto, passa, necessariamente, pela aventura que é buscar o seu próprio inconsciente. O sonho seria um dos caminhos mais interessantes para essa busca.

Como desconhecer o inconsciente? Só mesmo construindo uma versão de uma natureza humana completamente dominada pela razão. Muitos ainda tentam isto!