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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Como lidar com a ausência do "poder"?


"Alguém que deixa o poder defronta-se antes de tudo com o fantasma daquilo que perde: os rituais, a vida distinta, os mimos e mesuras dos subordinados, o conforto do palácio. Precisa se acostumar com os ruídos alheios e esquecer o som da própria voz. Há quem diga que sente certo alívio ao voltar ao anonimato e se libertar da agenda carregada, das liturgias cansativas, do excesso de exposição. Mas a ausência disso pode se assemelhar a uma crise de abstinência, que termina por levar o ex-poderoso à busca inglória de um lugar ao sol semelhante ao que desfrutava nos dias de fausto" (Marco Aurélio Nogueira, prof. de Teoria Política da Unesp - O Estado de S. Paulo, 27/03/11, Aliás, J3).
Acredito nos que dizem ser um alívio, pois para este o poder pode ter machucado e ferido sua estrutura de personalidade, seu caráter, mas também acredito nos que dele sentem falta, como numa abstinência, pois para estes o poder servia como um sentido para sua vida, o eixo estruturante de sua personalidade e, sem o poder, como podem sobreviver sendo "mais um", como deixar de sentirem-se "nada" sem o poder? estão prontos para a separação? É claro que isto serve para nosso cotidiano, onde sempre imaginamos que a "posse" de algo é que nos alivia de nossas ansiedades ou angústias mais profundas. Precisamos aprender a "perder", a nos "separarmos", a nos depararmos com nós mesmos.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Mídia e Poder (Dossiê - Revista Cult)

A edição n. 154, fevereiro 2011, da Revista Cult trouxe um dossiê sobre a relação entre Mídia e Poder e algumas colocações me chamaram bastante a atenção e sobre elas gostaria de fazer alguns comentários.

Olgária Matos (prof. de filosofia da Unifesp), em seu texto “A democracia moderna e a estética da moeda“, destacou o fato da sociedade atual se ver atravessada, numa visibilidade sem paralelos, de figuras da corrupção.

Para exemplificar, a autora nos diz que com a institucionalização da sociedade de consumo aquela busca por símbolos culturais que antes a burguesia fazia para “aristocratizar-se” foi sendo abandonada, fazendo com que, hoje, a ideologia do “novo rico” prescinda de qualquer verniz cultural.

Esta é a ideologia dominante, onde se conhece o preço de tudo mas não o seu “valor”. É uma cultura que atrofia a sensibilidade e o pensamento, o conhecimento e a ética. Estaríamos vivendo em uma sociedade panóptica em que tudo se pauta pela exibição midiática, onde desaparece qualquer pudor e de moral social levando, por conseguinte, a uma flexibilização do sentimento de culpa na consciência moral. Segundo Olgária,
O fim da autoridade paterna e o “pai humilhado” coincidem com a sociedade infantilizada em que não se reconhece mais a diferença entre gerações, entre pais e filhos, masculino e feminino, bom gosto e mau gosto. Em tempos comandados pela ideologia “novo rico”, tudo pode ser dito e mostrado; cada um de nós é chamado a apresentar em público atos e sentimentos como se fossem ideias (p. 57).
É este contexto de ampla visibilização que, segundo Olgária, favorece a desconfiança de todos contra todos, como forma de sociabilidade, e a delação, por exemplo. E isto está se tornando cada vez mais reconhecido como uma espécie de “compensação” pelas impunidade. Num ambiente assim, proliferam a demagogia e a difamação no espaço público. O delator, hoje, surge como uma espécie de “delator público” com a missão de “proteger” o espaço comum (uma figura criada na Grécia antiga).
Resta saber se o recurso à delação voluntária mediante recompensa em dinheiro não induz à corrupção – dadas as oportunidades que se oferecem para quem procura desembaraçar-se de um adversário indesejado ou então para aquele que se deixa comprar por ele – e, ainda mais, quando vai se tornando um meio para o funcionamento da justiça (p. 57).
Assim, a estética da moeda, dando um preço a tudo (e retirando seu valor) vai transformando a esfera pública num ambiente onde a culpa não tem espaço.

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Em ”Mídia e Poder na Sociedade do Espetáculo“, Cláudio Novaes Pinto Coelho, prof. da Faculdade Cásper Líbero, nos diz que um dos equívocos sobre a sociedade contemporânea é o de que os meios de comunicação são uma instituição poderosa. Para ele, Guy Debord definiu o termo “sociedade do espetáculo” como o conjunto de relações sociais mediadas pelas imagens, e ela corresponderia a uma fase específica do capitalismo marcada pela interdependência entre o acúmulo de capital e o acúmulo de imagens, daí a onipresença do marketing.

Todas as relações sociais, nessa fase, estariam mercantilizadas e envolvidas por imagens. Ou seja, predomina o caráter cotidiano da produção de espetáculos e seu vínculo com a produção e consumo de mercadorias em larga escala, fazendo com que as imagens sejam cada vez mais fundamentais para legitimar as mercadorias e seu consumo.

É nesse sentido que a sociedade do espetáculo é um entrave para a emancipação humana (onde o indivíduo perde o controle sobre sua vida) e não simplesmente um conceito acadêmico. Cláudio Novaes nos lembra que, mais tarde, em 1988, Debord diria que a Sociedade do Espétaculo só se intensificou e espalhou por toda a sociedade, tomando conta de toda a vida social, fazendo surgir algo como um “poder espetacular” cada vez mais integrado.

Debord faz ainda uma ligação entre a expansão desse poder e o triunfo do neoliberalismo em escala mundial. É um momento em que se fortalecem os conglomerados comunicacionais e a indústria cultural transforma-se no porta-voz ideológico do capitalismo desqualificando as outras visões como “ultrapassadas” e promovendo o “pensamento único”.

Mas e o contexto brasileiro? Ele nos diz que, em que pese a diminuição das desigualdades sociais o marketing continua em franco crescimento. Mas, tanto a vitória de Lula em 2006, como a de Dilma, em 2010, mostram um eventual declínio da influência dos grandes conglomerados comunicacionais na formação na opinião pública, como foi no caso do alcance limitado das denúncias de corrupção.

O quadro ainda pode se acirrar, segundo o autor, pois pelo passado de Dilma é de se esperar uma postura ainda mais conservadora da mídia, caso ela realmente venha a romper com o neoliberalismo e diminuir o uso do marketing político.

Nesse ponto gostaria de fazer um comentário. É certo que nas duas eleições setores da mídia deram muito espaço a denúncias de corrupção e facilitaram um eventual segundo turno. Mas, o resultado final não seguiu esta linha. Isto, para o autor, mostra a relativização do poder da mídia, o que está correto.

Mas, o que foi que deu a vitória, nos dois casos, ao governo? A simples atitude ativa da opinião pública? Não necessariamente. Aí também entra o uso intenso do marketing político em uma guerra simbólica onde o governo foi muito mais competente que a oposição. Só acredito em um poder de influência forte do meio de comunicação se for sobre um consumidor passivo e em condições de ausência de disputa simbólica. Fora disso, sobra complexidade na formação da opinião pública.

Outro aspecto que gostaria de comentar é que nem Lula e nem, muito menos, Dilma fizeram qualquer sinal no sentido de rompimento com o neoliberalismo. Pelo contrário, o governo Lula marcou-se pela consolidação de políticas econômicas neoliberais e o de Dilma já está sendo marcado pelo melhor “gerenciamento” destas questões.

Por outro lado, que governo foi mais “espetacular” que o de Lula? Ele foi o “espetáculo” em si. E, quais as chances para Dilma assumir a “ideologia” e abandonar o “marketing político”? Nenhuma. É a ideologia perdendo força, a cada dia, diante do espetáculo. Mas quem disse que o espetáculo também não é ideológico? O que não dá pra fazer é criar um confronto entre “ideologia de esquerda” X “espetáculo”, isso seria simplismo e ingenuidade.

Será preciso, cada vez, um esforço gigantesco para escapar a essa ideologização total da sociedade através do espetáculo, e isso não é um privilégio da esquerda e sim daqueles que possuem forte senso crítico, e auto-crítico.

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Bem, em ”Indústria Cultural e Manutenção do Poder“, Rafael Cordeiro Silva, prof. na UFU, relembra que Tocqueville viu na busca pela igualdade uma perigosa tendência para a uniformização das pessoas, uma ameaça à liberdade individual. Liberdade e igualdade não eram vistas como valores complementares por Tocqueville.

Adorno e Horkheimer vão retomar esta questão e falam de uma dominação pela igualação e homogeneização que atua no inconsciente (aquilo que para Tocqueville era a “alma”). Domesticar desejos revelou-se mais eficaz que a sujeição física, e se realiza sob a aparência de total liberdade.

Esta é a indústria cultural. Para eles, isto não é arte. A indústria cultural é mais afeita ao gosto mediano das massas e está fortemente vinculada aos meios técnicos de produção e difusão da cultura padronizada, como o cinema, o rádio e a TV. Ela sacrifica a autonomia, a singularidade, a diferença, a autenticidade, a crítica. Por outro lado, é um fator de coesão social. Ela reforça as relações de poder estabelecidas e a passividade diante da realidade.
Depois de uma jornada dedicada à reprodução do capital nas fábricas e nos escritórios, nada mais salutar do que a necessidade de descanso e relaxamento que a diversão proporciona. O ciclo está completo! (p. 65).
No meio disto tudo, a publicidade tentando estabelecer uma identificação entre produto e consumidor, tentando realizar o indivíduo como tal quando, na realidade, o que ela faz é castrar a individualidade.
Não se define o indivíduo pelo incremento de sua capacidade de consumo; indivíduo e consumidor não são termos sinônimos. Na verdade, a publicidade sacrifica o indivíduo, porque reitera sua dependência em relação ao mundo das mercadorias. Em vez de fomentar as autênticas capacidades e qualidades humanas, a publicidade representa a conquista da alma (p. 65).
Aqui, também, gostaria de fazer um comentário, só para relembrar que é nesse sentido que levando a discussão para o terreno da política enxergo a mesma oposição só que entre “cidadão” e “consumidor” e aí uma boa pergunta seria: O que significa essa apologia do consumo entre as classes populares? Algo que Lula repetiu algumas vezes, e com muito orgulho. Que cidadão está nascendo? um cidadão emancipado? Mas, em que bases? Exclusivamente materiais? É um belo tema para se discutir.

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Em “Da Aldeia Global à Teia Global“, Vinícius Andrade Pereira, prof. de comunicação da UERJ, nos relembra que uma das mais comentadas “previsões” de McLuhan era a de que o mundo se transformaria em uma em uma “aldeia global”. Ele teria dito isso pensando na TV e seus satélites que fortaleceriam a cultura de massa e seus produtos.

É inegável que ele estava preocupado com a identidade canadense, espremida entre o gelo e a força descomunal da cultura norte-americana. Para ele, as novas tecnologias provocariam uma “crise de identidade” nas diversas culturas. Mas, isso se justifica hoje em dia? Para isso, Vinícius sugere explorar melhor sua ideia de “aldeia global”.

À esse termo sugere outro: “teia global”. Assim, em que aspectos a aldeia global ajuda a entender a teia global da atualidade? O termo aldeia global traz um paradoxo, pois ao mesmo tempo que evoca a ideia de uma cidadezinha do interior propõe um sentido global. A ideia expressa o fato de uma notícia de uma pequena cidade alcançar, de imediato, todo o mundo.

É um conceito que fala de um único emissor, de uma comunicação de tipo massiva, de uma pequena quantidade de notícias que ganham o mundo, e de um imenso público consumindo a mesma notícia. McLuhan, portanto, ao falar de aldeia global trabalhava com as categorias da comunicação de massa. Essa é a mesma dinâmica da teia global?

A teia trabalha, entretanto, com o modelo “todos para todos”, no qual a comunicação se dá de forma multidirecional, acentrada e conversacional, já que todos podem estar conectados à rede. O público, então, também é produtor de mensagens e as mensagens, portanto, são as mais variadas.
Isso significa ainda que, quanto mais houver gente se conectando à teia global, mais vozes e mensagens entrarão em cena, tornando progressiva e paulatinamente mais variada e complexa a rede de mensagens circulantes (p. 73).
Isso se manifesta claramente na pulverização das audiências. Mas, isso não significa desqualificar as ideias de McLuhan, pelo contrário, o importante é sair da figura e ir para o fundo da reflexão, ou seja, a velha questão da crise de identidade cultural que se experimenta diante do impacto de novas tecnologias. Nesse sentido, é extremamente atual e pertinente a preocupação de McLuhan,
pois, sua obra nos convida a estarmos atentos para os possíveis efeitos que as tecnologias digitais (meios) podem estimular nos aparatos perceptivos e cognitivos com os quais percebemos o mundo (a mensagem) (p. 73).
Esta, portanto, é a principal mensagem da reflexão de McLuhan, ou seja, não podemos esquecer que os meios, ainda que de forma sutis, continuam sendo as mensagens, seja na aldeia, seja na teia global.

Como se vê, as relações entre mídia e poder são um terreno escorregadio, mas fecundo em possibilidades de análise.