Mostrando postagens com marcador J.-D. Nasio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador J.-D. Nasio. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Observações Psicanalíticas sobre as Psicoses

O objetivo deste rápido texto de Liliane Zolty é oferecer um esboço do que chama de "teoria psicanalítica do processo psicótico". O termo parece levar à crença de que a psicose é uma patologia homogênea, um processo único, mas não é. Todos sabemos que os estados psicóticos se contrastam aos neuróticos e perversos, mas um olhar mais cuidadoso para o seu interior nos vai revelar as diversas formas clínicas que a psicose assume (paranóia, loucura homicida, autismo, psicose maníaco-depressiva, esquizofrenia etc.). É justamente por isso que se prefere dizer que não existe "a" psicose, mas "as" psicoses, unidas, evidentemente, por traços comuns.
 
As principais manifestações psicóticas são as alucinações e os delírios, sempre derivados de uma luta travada pelo EU, que isola-se da realidade, para se livrar de uma dor insuportável que ameaça sua integridade. Freud já a considerava uma "doença de defesa", defesa do EU, para se preservar diante desta dor insuportável (uma "representação" que não consegue assimilar)¹. Mas, como funciona esta "defesa"? Há três momentos muito importantes:
 
1) O superinvestimento de uma ideia ou representação psíquica pelo Eu - Esse superinvestimento, cuja significação se torna transbordante, intolerável, inassimilável pelo Eu, é o que deixa a representação incompatível com as demais representações presentes no Eu;
 
2) Uma violenta rejeição da representação inassimilável pelo Eu - Nesse segundo momento, o Eu expulsa a ideia (acerca da realidade externa) ou representação intolerável. O Eu consegue se desprender da ideia, mas ela continua ligada a um fragmento da realidade, e é justamente por isso que o Eu acaba, ao expulsar a ideia, desligando-se, também, da realidade. Com isto, o Eu faz com que a ideia ou representação fique sem significado, mas o custo é amputar uma parte de si. A expulsão, portanto, é uma metáfora para a brutal retirada de significação da ideia inassimilável. É o que Lacan chama de "Nome do Pai" e Nasio, de "Foraclusão Localizada".
O eu é vazado em sua substância, e a esse furo no eu corresponde um furo na realidade (p. 36).
3) A percepção, pelo Eu, desse pedaço rejeitado - Aqui, a percepção se dá sob a forma de alucinação ou de delírio que, por sua vez, substituem a realidade perdida;
 
A autora descreve sinteticamente o processo dessa forma:
Superinvestimento excessivo de uma representação, retirada violenta de todo o investimento feito nela, constituição de um ponto cego no eu, renegação completa da realidade correspondente e, por último, substituição da realidade perdida por outra realidade, ao mesmo tempo interna e externa, chamada delírio ou alucinação (p. 37). 
O eu fica, assim, dividido: uma parte rejeitada e expulsa, e outra parte alucinada, como nova realidade. Assim, a "voz" escutada é sempre um pedaço errante do eu, que, para o psicótico, ela vem de "fora" (afinal, ela foi expulsa). Na realidade, é um pedaço seu, portanto, é a "voz do inconsciente". Lacan situava o psicótico como uma "testemunha" do inconsciente e de sua força devastadora. O neurótico também ouve esta voz do inconsciente, mas a vivencia de forma distinta.
Enquanto o neurótico, surpreso, admite que seu inconsciente fala através dele e que ele é seu agente involuntário, o psicótico, por sua vez, repleto de certeza, tem a convicção dolorosa e inabalável de ser vítima de uma voz tirânica que o aliena (p. 39). 
________

ZOLTY, Liliane. Observações Psicanalíticas sobre as Psicoses. In: Nasio, J.-D. Nasio (dir.). Os Grandes Casos de Psicose. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, (c) 2000, p. 33-39.
¹ Foi com o estudo do Narcisismo que Freud mais se aproximou da compreensão da psicose, em suas formas esquizofrênica e paranóica. No narcisismo ocorreria uma concentração da libido no Eu, o que vai levar ao isolamento do psicótico em relação ao mundo. É essa energia que superinveste o Eu que deixa de produzir uma fantasia (como no neurótico) e passa a desencadear um delírio, por exemplo, no psicótico.