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segunda-feira, 17 de março de 2014

"Instinto": O papel da ilusão na ideia de "controle" e de "liberdade"

"Instinto" (1998) trata da história de um antropólogo (A. Hopkins) que, após ser dado como desaparecido, foi encontrado vivendo junto a gorilas e que, por matar e agredir guardas florestais, foi preso e colocado sob tratamento psiquiátrico. A avaliação inicial de sua agressividade é a de que sua convivência com animais o teria tornado um deles. O desafio, então, para levá-lo a julgamento, será obter uma avaliação mais completa de seu estado já que se recusa a falar com qualquer um.
 
Na instituição psiquiátrica (para pacientes psicóticos) em que se encontra preso é forte a sua identificação com os mais "fracos" e, apesar de estar fortemente medicado com Haldol (neuroléptico) seus médicos insistem que "ele não fala mesmo", reafirmando a visão dominante de que ele é um "selvagem" e seu silêncio é só uma demonstração dessa "violência contida". Mas, que silêncio é esse? Será que não quer dizer algo que acredita que não entenderão? O que gostaria de dizer? Mais tarde, uma das exigências para a continuidade de sua avaliação é a de que a medicação seja reduzida (decisão vital para o trabalho do terapeuta).
 
É somente ele (e não os médicos) que vai dizer que o momento de falar chegou, e para isso precisa sentir-se em algum "vínculo" (fundamental para o trabalho junto a psicóticos). As vezes um simples olhar já pode significar um forte "contato" e sua resposta, como o gesto de pegar algo ou dar atenção a algo que reconhece, já é uma demonstração de "contato". Assim, mostrar-lhe objetos, fotos etc, sempre com o intuito de estabelecer algum contato entre ele sua realidade passada, e entender que tipo de relação tinha com essa realidade, é sempre uma boa tática. Um dos fascínios que vai estar por trás dessa motivação do terapeuta é justamente a de poder estar muito próximo da condição mais "primitiva" (animalesca) de um homem e sua estratégia será a de "trazê-lo" de volta para o contato com a nossa "realidade". 
 
"...Descreva o que vê!" Pede o terapeuta diante de uma foto mostrada ao paciente. É uma boa forma de começar a entrar no delírio de um psicótico. O cuidado, entretanto, será sempre o de não permitir ser conduzido por ele nessa jornada. Nesse diálogo, então, deve-se ficar muito atento aos gestos do paciente pois é como se ele estivesse hipnotizado, vivendo outra situação que não expressará somente por palavras. Então, se ele para o olhar talvez seja porque esteja "vendo" algo de seu interesse ou realidade. Tudo bem que, apesar de ser tratado no filme como um psicótico, o que ocorre muito mais é um "mutismo voluntário" que surgiu em função de uma mudança de perspectiva vivida pelo sujeito que experimentou um afastamento muito intenso de nossa realidade. Mudança essa que significou uma recusa de determinados valores em troca de outros.
"fiquei feliz com minha lenta jornada ao encontro deles. Senti-me privilegiado. Senti-me como se estivesse voltando para algo que eu perdera há muito tempo e que só agora me lembrara. De repente aconteceu. Eu não estava mais fora do grupo. Pela primeira vez eu estava entre eles..." (A. Hopkins, descrevendo sua aproximação e aceitação na "família" dos macacos).
Com essa aceitação, ele passaria a experimentar uma afinidade, paz, segurança, que jamais conheceria em uma cidade, cercado por pessoas e violências. Trata-se da experimentação de uma verdadeira recusa do nosso "mal-estar", onde a loucura e a violência não encontram paralelo, e são assustadoras. Mas, o que estaria, de fato, por trás do "mutismo" do personagem?
"...Só temos que desistir de uma coisa. Nosso domínio. Não somos donos do mundo. Aqui não há reis nem deuses. Podemos desistir disso? Esse controle é tão precioso? Ser Deus é tanta tentação? ..." (A. Hopkins).
Então, segundo nosso personagem do que mais temos medo em perder? Nosso "controle"? Não! Nossa "liberdade"? Não! Nossas ILUSÕES! Afinal, o "controle" é somente uma ilusão, pois o que realmente controlamos? Da mesma forma, a "liberdade" é somente uma ilusão, pois somos mesmo livres? Nosso maior medo é mesmo o de perder nossas ilusões. Nesse sentido, a grande questão que intriga os avaliadores (é dos gorilas que vem a violência desse homem?) é uma falsa pergunta. Querem entender porque ele se tornou um assassino sem questionar as etapas desse processo de mudança e que o levou ao assassinato.
 
Um aspecto interessante no filme é que  descoberta de "verdades" dá ao nosso personagem certa arrogância para considerar qualquer um como um "idiota" da civilização. Onde estaria o problema? Na falta de confiança em relação a todos? Na sua ilusão de possuir a "verdade"? Ou na ilusão de acreditar em uma "verdade"? É assim que, nossa ilusão em sermos "superiores" nos impede de entender que fazemos parte, compartilhamos esse mundo. Essa "superioridade" (ilusão) nos impele ao "controle" (ilusão) e, para garantir a "liberdade" (ilusão), nos usamos da "violência" (real) como recurso necessário, justamente para manter as ilusões.
 
Onde entra, então, nosso tão forte desejo de "felicidade"? Para que ele surge? Porque dele temos necessidade? Ele vem para aplacar nossa angústia, sempre revelada quando diante da perda de nossas ilusões? Talvez só tenhamos que aprender a sentir e a viver, já que parece tão difícil escapar do jogo das ilusões. Talvez a felicidade seja vista como algo tão difícil porque sempre a colocamos do lado de fora das grades que nós mesmos construímos para uma suposta "proteção".