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sábado, 24 de maio de 2014

A crítica de Adorno e o "medo" nos dias atuais

Em época de eleição, e tendo uma ferramenta como o facebook nas mãos é muito fácil o debate sobre a política perder a "razão". É aí que lembro de T. Adorno (teórico da Escola de Frankfurt) e sua forte crítica à "racionalidade", ou seja, àquela racionalidade que abdica da autonomia do pensamento e fica refém de chavões e clichês simplistas. Hoje, se precisamos de uma forte crítica à forma como as coisas estão organizadas não podemos, por outro lado, cair na tentação dos discursos de "ódio" e dos apelos "autoritários".

Vivemos uma época difícil em termos de racionalidade. Não debatemos mais, nem mesmo criticamos mais, simplesmente tentamos "destruir". Se estou fora do governo ou se estou no governo só me interessa a "destruição" do outro. E aí os discursos do "medo", do "preconceito" e do "autoritarismo" encontram chance de proliferar. No final das contas, usamos a "violência" para justificar tudo. Onde está nossa autonomia de pensamento? Que uso estamos fazendo da razão? Ou a democracia sai fortalecida ou não estaremos usando nossa razão para nada proveitoso. E o uso do "medo" não é próprio da esquerda ou da direita, é próprio dos anti-democratas, independente das cores que vestem.

Claro que, no calor dos debates é difícil perceber isto. Só depois é que sentimos os efeitos catastróficos do que fizemos. Não a toa, para cada vez mais pessoas, a política corre o risco de se tornar "obsoleta" e "banal", tornando-se terreno do ódio, da indiferença, do uso em proveito próprio, onde a força da democracia está somente na "retórica", pois sua "prática" está tomada pelo interesse. Pobre democracia, que "avança" na criação de instituições mas que não penetra na mente dos cidadãos.

(José Henrique P. e Silva)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A necessária "chispa" na relação entre Internet e Democracia

Pensando um pouco sobre a relação internet e política acabei relendo um artigo do ex-presidente Fernando Henrique no Estadão de, quase exato, um ano atrás. No artigo, ele fala de suas leituras de M. Castells (Redes de Indignación y Esperanza) e Moisés Naim (The End of Power), ambos tratando da relação da tecnologia e a política, discussão que se aprofunda na esteira da perda de força da democracia representativa e na expansão da política tradicional (principalmente nas disputas eleitorais) sobre estas novas tecnologias.

O assunto não é novo e recebeu grande impulso a partir da "Primavera Árabe", e talvez por isso se enxergue nesse uso da tecnologia on-line uma maior presença de homens comuns, que não seguem lideranças tradicionais e deixam claro seus desejos de forte "autonomia", pois quase sempre formam uma "massa invisível" para as instituições representativas. 

E, com base nisso, muitos se apressam em dizer que há na internet um potencial "explosivo" para a política. Mas, a relação entre a internet e a mobilização política não é automática pois, da mesma forma que na vida "real", na vida "on-line" são necessários "fatores desencadeadores" que nos tirem do isolamento. E estes, só surgem quando de um clima psicossocial propício para a "chispa de indignação".  Nesse ponto, Fernando Henrique nos diz que:
A chispa, entretanto, só ateia fogo e produz reações quando se junta profunda desconfiança das instituições políticas com deterioração das condições materiais de vida. A isso se soma frequentemente o sentimento de injustiça (com a desigualdade social, por exemplo, ou com a corrupção diante do descaso dos que mandam), que provoca um sentimento de ira, de indignação, geralmente proveniente de uma situação de medo que dá lugar a seu oposto, a ousadia. Passa-se, assim, do medo à esperança. 
É a partir deste quadro que a conjuntura atual oferece uma boa oportunidade para se testar um pouco mais dessa relação entre internet e política.

Há condições propícias para isso hoje em dia? Não há nenhuma dúvida que se vive um período de erosão de alguns ganhos obtidos em épocas anteriores, trazendo riscos para um possível descontrole da inflação, aumento do desemprego, perda de capacidade de consumo etc., além de um forte descontentamento com a vida política em geral. Em função disto, já é visível a movimentação no eleitorado no sentido de reforçar a oposição e, com a chegada da Copa do Mundo, e a muito provável intensificação de movimentos de rua, a "chispa de indignação" pode surgir ainda mais forte.

Quem vai ganhar com isso? Acho que na altura do campeonato, o "poder de fogo" do governo é pequeno. Teria que surgir algo muito "novo" e "interessante" para frear esta queda de popularidade. E, além disso, Aécio Neves e Eduardo Campos teriam que se tornar muito "antipáticos" à população. Sinceramente? Acho que esta combinação não vai ocorrer, e mesmo que o governo tenha "balas na agulha" vai encontrar, além de uma conjuntura desfavorável, uma oposição muito mais agradável e disposta a chegar ao poder.

Então, é fato que a simples potencialização e abrangência da tecnologia de contato on-line não necessariamente se transforma em algo "real". É preciso que haja um clima psicossocial propício ao surgimento de "chispas de indignação".

(José Henrique P. e Silva)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Winnicott - Formamos cidadãos ou consumidores?

Em um artigo de 1950 o psicanalista D. Winnicott se aventurou pelo campo da política*. Ele sabia que não era seu campo predileto, mas também sabia que sempre era valioso cruzar-se fronteiras. Seu objetivo foi discutir a "democracia". Inicialmente, nos disse que a palavra tem múltiplos sentidos, sendo tratada como um sistema social onde: quem manda é o povo; o povo escolhe o líder; o povo escolhe o governo; o governo dá liberdade ao povo; os indivíduos possuem liberdade de ação. Mas, como tratar tal conceito psicologicamente?
 
Para Winnicott, uma das tarefas da psicologia é, justamente, a de estudar, nos conceitos, suas ideias presentes (significados óbvios e conscientes) e latentes. Este seria um bom ponto de partida. No caso da palavra "democracia" ele nos sugere que um dos conteúdos latentes seria o de que se trata de uma sociedade "madura", algo que está muito ligado à ideia de um desenvolvimento saudável e bem ajustado, como dizia Money-Kyrle. Portanto,
 
é o modo como as pessoas usam o termo que tem importância para o psicólogo (p. 190).
 
Mas, o que é o normal e o saudável? Levando-se a expressão para o campo do indivíduo diz-se que existe um "grau apropriado de desenvolvimento emocional", uma espécie de "maturidade", diretamente associada à "saúde". São significados que não são tão fixos, mas que se relacionam plenamente. Assim, democracia = momento saudável e de maturidade.
 
Vamos avançar. Como sistema  social a democracia também nos apresenta uma máquina através da qual existem eleições e mudanças nos governos, e sua essência é o voto livre (secreto) através do qual se pode expressar sentimentos profundos, inconscientes. Mas, como funciona o ato de votar?
 
Ora, o voto expressa o desfecho de uma luta dele consigo mesmo, tendo sido a cena externa internalizada e portanto trazida em forma de associações ao interjogo de forças existente em seu próprio mundo pessoal, interno. Isto é, a decisão sobre a maneira de votar é a expressão da solução de uma luta dentro da pessoa... o indivíduo torna pessoal a cena externa, com seus muitos aspectos sociais e políticos, no sentido de que se identifica gradualmente com todas as partes em conflito. Isso significa que ele percebe a cena externa em termos de sua própria luta interna, e temporariamente permite que sua luta interna seja travada em termos da cena política externa (p. 191).
 
É como se o mundo interno do eleitor se transformasse numa arena de disputa política. Voltando à questão da "maturidade", é fácil perceber que a democracia não é um sistema que pode ser imposto. Ela é sempre uma aquisição, daí pertencer à uma fase "madura" da sociedade. Como isto se explicaria, segundo Winnicott?
 
Nesta sociedade, neste momento, há maturidade suficiente no desenvolvimento emocional de uma proporção suficiente de indivíduos que a compõem, a ponto de existir uma tendência inata em direção à criação, à recriação e à manutenção da máquina democrática (p. 192).
 
Existe uma proporção de indivíduos específica para que a democracia sobreviva? Ou, ao contrário, existe uma proporção de indivíduos anti-sociais, específica, para que a democracia submerja, questiona-se Winnicott. Ele avança nestas questões mais específicas e nos diz que, em dado momento, numa sociedade, se existirem x indivíduos anti-sociais, há sempre uma quantidade z de indivíduos que, como reação, identificam-se à autoridade. Que postura é essa?
 
É uma tendência pró-sociedade mas antiindivíduo. As pessoas que se desenvolvem dessa maneira podem ser chamadas de "anti-sociais ocultas" (p. 193).
 
Seria uma postura doentia e imatura para Winnicott. Mas, então o que sobrar de 100 - (x + z) é igual à indivíduos "sociais"? Não! Ainda há os que ocupam posição indeterminada (y %). Então, saudáveis e sociais são aqueles que resultam da equação 100 - (x + z + y).
 
É sobre este restante que cairá a responsabilidade democrática. Mas, como surge este fator democrático? É inato? Estimulado pelas lideranças? Se pensarmos  em um caráter inato temos que pensar na forma como os pais agiram com seus filhos. São os "bons lares comuns" os únicos que podem fornecer um fator democrático inato.
 
É no homem comum, então, que repousa a essência de uma democracia. Entretanto, muita coisa conspira para o bom funcionamento do lar e isso sem falar que muitos pais não são "bons", são anti-sociais, imaturos, doentes, etc.
 
Mas, como a sociedade age contra isso? Sejamos fancos, há alguma preocupação com uma formação familiar saudável? Será que não estamos sendo absolutamente displicentes com o surgimento de patologias as mais diversas no seio familiar?
 
Mas, não quero aqui, fazer "sociologismo barato" e dizer que tudo se resume à questão econômica. Isso é mentira! Há bem mais coisas envolvidas, principalmente as de ordem psíquica. O que oferecemos, então, para a saúde psíquica da sociedade?
 
Para piorar, me parece que vivemos em uma época em que não só as condições psíquicas para a formação de crianças está cada vez mais comprometida, como também não sabemos exatamente se esta criança está se integrando a uma "sociedade" ou a um "mercado", competitivo e individualista, anti-social, portanto.
 
Não podemos cair no erro de acreditar que a única coisa que realmente importa é o cuidado físico, como nos diz Winnicott. Isso é a melhor expressão de fantasias que orbitam em torno da relação mãe-bebê (momento crucial para o cuidado físico necessário). Não à toa proliferam lideranças "maternas" e que "cuidam" dos indivíduos na sociedade.
 
Por outro lado, se tudo isto realmente for sensato e verdadeiro, resgatamos a importância da educação para a sustentação dos procedimentos democráticos. Mas, mais uma vez, é isto que vemos no cotidiano dos governos e lideranças?
 
No texto, Winnicott ainda faz referências ao papel da mulher no poder, à existência da democracia em estados de guerra e à questão das fronteiras geográficas da democracia, mas fico com estas questões já levantadas.
 
Nada sustenta melhor uma democracia que a existência de um fator democrático em determinado percentual da sociedade, e isso resulta, por sua vez, em grande parte, de um desenvolvimento emocional saudável, sobre o qual o governo não deve interfirir, mas oferecer apoios, como através, principalmente, da educação e de suportes psicológicos, além, evidentemente, de buscar condições para atenuar as carências materiais.
 
O grande problema e que me parece algo que merece ser estudado com muita atenção, é o fato de vivermos uma conjuntura de forte investimento em distribuição de dinheiro, precário investimento na educação e forte dose de credulidade no mercado. Isso precisa ficar mais claro. Precisa ser estudado com mais atenção para chegarmos a conclusões mais efetivas.
 
Por enquanto, são especulações, pessimistas, mas são só especulações de que não estamos formando cidadãos, e sim tão somente consumidores com alto potencial anti-social. Pior para a democracia? Melhor para os populismos?
 
Realmente Winnicott se aveturou pelo campo da política, mas não acredito que nenhum sociólogo ou cientista político não o respeite por isto, principalmente por nos fornecer, há tanto tempo, ferramentas para a análise da sociedade atual.
 
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* “Algumas reflexões sobre o significado da palavra “democracia”. In: D. W. Winnicott. Tudo começa em casa. Tradução Paulo Sandler. – 2a ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996. – (Psicologia e Pedagogia), p. 189-204. Título original: Home is where we start from. O texto foi escrito para o “Human Relations” em junho de 1950.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Mídia e Poder (Dossiê - Revista Cult)

A edição n. 154, fevereiro 2011, da Revista Cult trouxe um dossiê sobre a relação entre Mídia e Poder e algumas colocações me chamaram bastante a atenção e sobre elas gostaria de fazer alguns comentários.

Olgária Matos (prof. de filosofia da Unifesp), em seu texto “A democracia moderna e a estética da moeda“, destacou o fato da sociedade atual se ver atravessada, numa visibilidade sem paralelos, de figuras da corrupção.

Para exemplificar, a autora nos diz que com a institucionalização da sociedade de consumo aquela busca por símbolos culturais que antes a burguesia fazia para “aristocratizar-se” foi sendo abandonada, fazendo com que, hoje, a ideologia do “novo rico” prescinda de qualquer verniz cultural.

Esta é a ideologia dominante, onde se conhece o preço de tudo mas não o seu “valor”. É uma cultura que atrofia a sensibilidade e o pensamento, o conhecimento e a ética. Estaríamos vivendo em uma sociedade panóptica em que tudo se pauta pela exibição midiática, onde desaparece qualquer pudor e de moral social levando, por conseguinte, a uma flexibilização do sentimento de culpa na consciência moral. Segundo Olgária,
O fim da autoridade paterna e o “pai humilhado” coincidem com a sociedade infantilizada em que não se reconhece mais a diferença entre gerações, entre pais e filhos, masculino e feminino, bom gosto e mau gosto. Em tempos comandados pela ideologia “novo rico”, tudo pode ser dito e mostrado; cada um de nós é chamado a apresentar em público atos e sentimentos como se fossem ideias (p. 57).
É este contexto de ampla visibilização que, segundo Olgária, favorece a desconfiança de todos contra todos, como forma de sociabilidade, e a delação, por exemplo. E isto está se tornando cada vez mais reconhecido como uma espécie de “compensação” pelas impunidade. Num ambiente assim, proliferam a demagogia e a difamação no espaço público. O delator, hoje, surge como uma espécie de “delator público” com a missão de “proteger” o espaço comum (uma figura criada na Grécia antiga).
Resta saber se o recurso à delação voluntária mediante recompensa em dinheiro não induz à corrupção – dadas as oportunidades que se oferecem para quem procura desembaraçar-se de um adversário indesejado ou então para aquele que se deixa comprar por ele – e, ainda mais, quando vai se tornando um meio para o funcionamento da justiça (p. 57).
Assim, a estética da moeda, dando um preço a tudo (e retirando seu valor) vai transformando a esfera pública num ambiente onde a culpa não tem espaço.

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Em ”Mídia e Poder na Sociedade do Espetáculo“, Cláudio Novaes Pinto Coelho, prof. da Faculdade Cásper Líbero, nos diz que um dos equívocos sobre a sociedade contemporânea é o de que os meios de comunicação são uma instituição poderosa. Para ele, Guy Debord definiu o termo “sociedade do espetáculo” como o conjunto de relações sociais mediadas pelas imagens, e ela corresponderia a uma fase específica do capitalismo marcada pela interdependência entre o acúmulo de capital e o acúmulo de imagens, daí a onipresença do marketing.

Todas as relações sociais, nessa fase, estariam mercantilizadas e envolvidas por imagens. Ou seja, predomina o caráter cotidiano da produção de espetáculos e seu vínculo com a produção e consumo de mercadorias em larga escala, fazendo com que as imagens sejam cada vez mais fundamentais para legitimar as mercadorias e seu consumo.

É nesse sentido que a sociedade do espetáculo é um entrave para a emancipação humana (onde o indivíduo perde o controle sobre sua vida) e não simplesmente um conceito acadêmico. Cláudio Novaes nos lembra que, mais tarde, em 1988, Debord diria que a Sociedade do Espétaculo só se intensificou e espalhou por toda a sociedade, tomando conta de toda a vida social, fazendo surgir algo como um “poder espetacular” cada vez mais integrado.

Debord faz ainda uma ligação entre a expansão desse poder e o triunfo do neoliberalismo em escala mundial. É um momento em que se fortalecem os conglomerados comunicacionais e a indústria cultural transforma-se no porta-voz ideológico do capitalismo desqualificando as outras visões como “ultrapassadas” e promovendo o “pensamento único”.

Mas e o contexto brasileiro? Ele nos diz que, em que pese a diminuição das desigualdades sociais o marketing continua em franco crescimento. Mas, tanto a vitória de Lula em 2006, como a de Dilma, em 2010, mostram um eventual declínio da influência dos grandes conglomerados comunicacionais na formação na opinião pública, como foi no caso do alcance limitado das denúncias de corrupção.

O quadro ainda pode se acirrar, segundo o autor, pois pelo passado de Dilma é de se esperar uma postura ainda mais conservadora da mídia, caso ela realmente venha a romper com o neoliberalismo e diminuir o uso do marketing político.

Nesse ponto gostaria de fazer um comentário. É certo que nas duas eleições setores da mídia deram muito espaço a denúncias de corrupção e facilitaram um eventual segundo turno. Mas, o resultado final não seguiu esta linha. Isto, para o autor, mostra a relativização do poder da mídia, o que está correto.

Mas, o que foi que deu a vitória, nos dois casos, ao governo? A simples atitude ativa da opinião pública? Não necessariamente. Aí também entra o uso intenso do marketing político em uma guerra simbólica onde o governo foi muito mais competente que a oposição. Só acredito em um poder de influência forte do meio de comunicação se for sobre um consumidor passivo e em condições de ausência de disputa simbólica. Fora disso, sobra complexidade na formação da opinião pública.

Outro aspecto que gostaria de comentar é que nem Lula e nem, muito menos, Dilma fizeram qualquer sinal no sentido de rompimento com o neoliberalismo. Pelo contrário, o governo Lula marcou-se pela consolidação de políticas econômicas neoliberais e o de Dilma já está sendo marcado pelo melhor “gerenciamento” destas questões.

Por outro lado, que governo foi mais “espetacular” que o de Lula? Ele foi o “espetáculo” em si. E, quais as chances para Dilma assumir a “ideologia” e abandonar o “marketing político”? Nenhuma. É a ideologia perdendo força, a cada dia, diante do espetáculo. Mas quem disse que o espetáculo também não é ideológico? O que não dá pra fazer é criar um confronto entre “ideologia de esquerda” X “espetáculo”, isso seria simplismo e ingenuidade.

Será preciso, cada vez, um esforço gigantesco para escapar a essa ideologização total da sociedade através do espetáculo, e isso não é um privilégio da esquerda e sim daqueles que possuem forte senso crítico, e auto-crítico.

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Bem, em ”Indústria Cultural e Manutenção do Poder“, Rafael Cordeiro Silva, prof. na UFU, relembra que Tocqueville viu na busca pela igualdade uma perigosa tendência para a uniformização das pessoas, uma ameaça à liberdade individual. Liberdade e igualdade não eram vistas como valores complementares por Tocqueville.

Adorno e Horkheimer vão retomar esta questão e falam de uma dominação pela igualação e homogeneização que atua no inconsciente (aquilo que para Tocqueville era a “alma”). Domesticar desejos revelou-se mais eficaz que a sujeição física, e se realiza sob a aparência de total liberdade.

Esta é a indústria cultural. Para eles, isto não é arte. A indústria cultural é mais afeita ao gosto mediano das massas e está fortemente vinculada aos meios técnicos de produção e difusão da cultura padronizada, como o cinema, o rádio e a TV. Ela sacrifica a autonomia, a singularidade, a diferença, a autenticidade, a crítica. Por outro lado, é um fator de coesão social. Ela reforça as relações de poder estabelecidas e a passividade diante da realidade.
Depois de uma jornada dedicada à reprodução do capital nas fábricas e nos escritórios, nada mais salutar do que a necessidade de descanso e relaxamento que a diversão proporciona. O ciclo está completo! (p. 65).
No meio disto tudo, a publicidade tentando estabelecer uma identificação entre produto e consumidor, tentando realizar o indivíduo como tal quando, na realidade, o que ela faz é castrar a individualidade.
Não se define o indivíduo pelo incremento de sua capacidade de consumo; indivíduo e consumidor não são termos sinônimos. Na verdade, a publicidade sacrifica o indivíduo, porque reitera sua dependência em relação ao mundo das mercadorias. Em vez de fomentar as autênticas capacidades e qualidades humanas, a publicidade representa a conquista da alma (p. 65).
Aqui, também, gostaria de fazer um comentário, só para relembrar que é nesse sentido que levando a discussão para o terreno da política enxergo a mesma oposição só que entre “cidadão” e “consumidor” e aí uma boa pergunta seria: O que significa essa apologia do consumo entre as classes populares? Algo que Lula repetiu algumas vezes, e com muito orgulho. Que cidadão está nascendo? um cidadão emancipado? Mas, em que bases? Exclusivamente materiais? É um belo tema para se discutir.

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Em “Da Aldeia Global à Teia Global“, Vinícius Andrade Pereira, prof. de comunicação da UERJ, nos relembra que uma das mais comentadas “previsões” de McLuhan era a de que o mundo se transformaria em uma em uma “aldeia global”. Ele teria dito isso pensando na TV e seus satélites que fortaleceriam a cultura de massa e seus produtos.

É inegável que ele estava preocupado com a identidade canadense, espremida entre o gelo e a força descomunal da cultura norte-americana. Para ele, as novas tecnologias provocariam uma “crise de identidade” nas diversas culturas. Mas, isso se justifica hoje em dia? Para isso, Vinícius sugere explorar melhor sua ideia de “aldeia global”.

À esse termo sugere outro: “teia global”. Assim, em que aspectos a aldeia global ajuda a entender a teia global da atualidade? O termo aldeia global traz um paradoxo, pois ao mesmo tempo que evoca a ideia de uma cidadezinha do interior propõe um sentido global. A ideia expressa o fato de uma notícia de uma pequena cidade alcançar, de imediato, todo o mundo.

É um conceito que fala de um único emissor, de uma comunicação de tipo massiva, de uma pequena quantidade de notícias que ganham o mundo, e de um imenso público consumindo a mesma notícia. McLuhan, portanto, ao falar de aldeia global trabalhava com as categorias da comunicação de massa. Essa é a mesma dinâmica da teia global?

A teia trabalha, entretanto, com o modelo “todos para todos”, no qual a comunicação se dá de forma multidirecional, acentrada e conversacional, já que todos podem estar conectados à rede. O público, então, também é produtor de mensagens e as mensagens, portanto, são as mais variadas.
Isso significa ainda que, quanto mais houver gente se conectando à teia global, mais vozes e mensagens entrarão em cena, tornando progressiva e paulatinamente mais variada e complexa a rede de mensagens circulantes (p. 73).
Isso se manifesta claramente na pulverização das audiências. Mas, isso não significa desqualificar as ideias de McLuhan, pelo contrário, o importante é sair da figura e ir para o fundo da reflexão, ou seja, a velha questão da crise de identidade cultural que se experimenta diante do impacto de novas tecnologias. Nesse sentido, é extremamente atual e pertinente a preocupação de McLuhan,
pois, sua obra nos convida a estarmos atentos para os possíveis efeitos que as tecnologias digitais (meios) podem estimular nos aparatos perceptivos e cognitivos com os quais percebemos o mundo (a mensagem) (p. 73).
Esta, portanto, é a principal mensagem da reflexão de McLuhan, ou seja, não podemos esquecer que os meios, ainda que de forma sutis, continuam sendo as mensagens, seja na aldeia, seja na teia global.

Como se vê, as relações entre mídia e poder são um terreno escorregadio, mas fecundo em possibilidades de análise.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Eleições e Religião: Um mal entendido?



É fato que vivemos uma crise da "representação política", e também é fato que esta crise cria problemas na "legitimidade de nossos representantes", e que, também, isto leva a democracia a ficar "contra a parede", mas, qual o papel da religião nisso?

Na Revista Cult de outubro/12 (n. 173), os cientistas políticos Leonardo Avritzer e Gláucio Soares comentaram acerca da relação entre política e religião tendo como pano de fundo as recentes eleições municipais. Não há dúvida que o tema é relevante pois nos últimos pleitos a religião vem ocupando determinado espaço no debate e suscitando polêmicas.

Avritzer, inicialmente, ao discutir o tema, nos lembra que os atuais elementos marcantes da nossa descrença no sistema partidário e nos políticos seriam o caso do "Mensalão" e a "crise da oposição". Ele nos diz, por exemplo, que Celso Russomano, nesse sentido, teria sido visto como uma opção.

Mas, para muitos intelectuais que acompanhavam a eleição em São Paulo, a vinculação de Russomano à religião foi vista como "perigosa". Avritzer tenta explicar a partir do confronto entre as formas católica e neopentecostal de atuar na política. Referindo-se aos neopentecostais, ele diz: 
Não tenho nenhuma dúvida de que o modelo atualmente sendo criticado pela intelectualidade paulista e por uma boa parte da mídia coloca maiores riscos para a tradição republicana brasileira, uma vez que ele tem a pretensão da inserção direta na política. 
Ora, confesso que, também como cientista político, não sei se este é o melhor caminho para se discutir a crise da representação política no Brasil. Em primeiro lugar, de que "tradição republicana brasileira" estamos falando? Que pilares republicanos são estes que nos permitem mesmo falar em "tradição"? 

Em segundo lugar, o que diferencia católicos de neopentecostais é mesmo o interesse destes últimos em uma atuação "direta"? O que é uma atuação "direta"? Há diferenças mesmo entre a pressão católica contra o aborto (eleição de Dilma em 2010), por exemplo, e o desejo de maior atuação dos neopentecostais? 

Em terceiro lugar, assim como a religião, a presença de movimentos organizados da sociedade civil (como sindicatos, por exemplo) também não seria um exemplo de busca por uma ação direta, quando busca eleger seus representantes (líderes sindicais)? Há diferenças, para a democracia, em termos de qualidade, entre representantes religiosos e sindicais? 

Ora, em meu ponto de vista, se temas da religião dominam determinados cenários do debate político, isso ocorre, justamente porque nossa "tradição republicana" garante largo espaço de liberdade à todo tipo de representação, e não porque é "incompleto" ou "limitado". 

Não sou um iluminista tão radical a ponto de ver Deus "morto" e isso, também do meu ponto de vista, não serve para criarmos uma espécie de "escala" tentando enxergar o que seria um melhor "republicanismo". Ou será que "quanto mais República, menos Religião"? Não creio que as coisas vão nesse sentido, a não ser, teoricamente. Mas, se com a teoria podemos fazer tudo, com a realidade não! 

Uma coisa, então, é concordarmos que a ascensão do discurso religioso no debate eleitoral é uma tentativa de se oferecer uma "alternativa" à crise dos partidos e das lideranças, outra coisa é associar a presença do discurso religioso como uma "ameaça" à democracia. No máximo, ele representa uma ameaça tal qual representa o discurso populista, que é clientelista e avesso à cidadania. 

A democracia já está ameaçada, e não por culpa da Religião, mas por incompetência própria, ou seja, de seus próprios instrumentos de mediação, como os partidos políticos, os sistemas eleitorais e os tipos de lideranças que atualmente dominam. Então, é para eles, e para as formas de representação, que os olhares mais críticos devem ser voltados, do contrário, corremos o risco de ficar culpando exclusivamente o "efeito" e não a sua "causa". 

Por outro lado, concordo quando Gláucio Soares diz que a presença neopentecostal é muito mais visível que a católica justamente porque: 
Parte considerável da influência de uma igreja se dá através do contato direto com os fiéis incluindo a intensidade e a frequência desses contatos. 
Isso, evidentemente, torna o debate neopentecostal mais eficiente que o católico, mas é muito cedo para "culpá-lo" e colocá-lo como "perigoso", afinal o caminho que parte da Igreja Católica está seguindo é o mesmo. Além disso, a "sociabilidade", entre os neopentecostais, ocorre, em grande parte, dentro do próprio grupo. Ou seja, o processo é idêntico ao que ocorre em um movimento sindical, por exemplo. Assim, as "redes espontâneas" são muito mais presentes entre os neopentecostais, o que dá, evidentemente, uma caráter mais visível à sua politização. 

Mas as coisas param por aí. Não vejo aí uma causa da crise da democracia, vejo um efeito. Um efeito da incapacidade dos partidos políticos, do atual sistema de representação proporcional, e desse famigerado Presidencialismo de Coalizão, em se constituírem, eficazmente, como mediadores da política brasileira. 

Existem problemas na expansão do discurso religioso? Podem existir! É um "perigo" à democracia? Não creio! Insisto que o olhar crítico deve se voltar para nossa forma de representação política, senão o debate como um todo vai se empobrecer por estar focado no alvo errado.

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Os comentários acima escrevi no contexto da disputa eleitoral de 2012.