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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

"O Sétimo Selo" e o medo do vazio (morte)

São tempos difíceis. Guerras devastam as terras. As pessoas estão frágeis e doentes. É quando nosso cavaleiro recebe a visita da "morte". Ela veio buscá-lo, mas ele diz que se seu corpo está pronto, sua alma ainda não está. Ele quer ficar um pouco mais e propõe um jogo de xadrez para ter uma pouco mais de vida. 

Trata-se de “O Sétimo Selo” (I. Bergman, 1956, com Max Von Sidow). Uma partida de xadrez, desde o início fadada ao fracasso, afinal, como se pode vencer a morte? De qualquer forma, ele a enfrentará pois quer continuar vivendo. Mas, a questão é: continuar a viver para que? Em meio à disputa essa questão vai aflorar em um momento de confissão de nosso cavaleiro.
“O vazio é um espelho que reflete meu rosto. Minha própria imagem me causa repulsa e medo. A indiferença que eu sinto pelo próximo me levou ao isolamento. Agora eu vivo em um mundo de assombrações, prisioneiro das minhas próprias fantasias... O conhecimento... é tão inconcebível tentar compreender Deus? Por que ele precisa se esconder por trás de promessas vagas e milagres invisíveis? Como podemos ter fé, se não temos fé em nós mesmos? O que será de nós, que queremos acreditar, mas não conseguimos? E daqueles que não querem ou não podem acreditar? Por que não consigo arrancá-lo de dentro de mim? Por que persiste em viver em mim dessa forma tão dolorosa e humilhante, apesar de eu amaldiçoá-lo e tentar arrancá-lo de meu coração? Por que, apesar de ele ser uma falsa realidade, eu não consigo me livrar dele?... Eu quero conhecimento! Eu não quero fé ou suposição, eu quero conhecimento! Eu quero que deus estenda a mão para mim, mostre seu rosto e fale comigo... Eu clamo por ele na escuridão, mas parece que não há ninguém lá... Então a vida é um terror sem sentido. Ninguém consegue tolerar a morte sabendo que não há mais nada... temos que idolatrar nosso medo e chamá-lo de Deus... Minha vida se resumiu em buscas sem sentido, a ações e conversas tolas e vazias. Uma vida inteira sem sentido. Não digo isso com amargura ou discriminação, como tantas outras pessoas que também vivem assim. Mas eu quero usar esta trégua [conseguida pelo jogo de xadrez] para fazer algo que tenha significado. (Antonius Block, o cavaleiro)
Um trecho magnífico este. Como uma vida sem sentido, vazia, pode intensificar o medo da morte. Não é a morte, portanto, e em última instância, o "nada" que vem após ela, que causa medo e repulsa. É o olhar-se no espelho e ver que a vida seguiu sem um significado. É este medo que nos espanta, que nos assusta. 

É na ânsia de escapar a este medo que projetamos nossas esperanças. Esperanças de felicidade, de uma vida eterna, de um paraíso que venha a nos compensar por tantos erros. Mas, ainda assim o medo persiste. O espelho de hoje me impede de aceitar a morte.

Outro aspecto interessante deste trecho é a tentativa de se usar da racionalização (e do conhecimento) para se tentar entender um sentimento que Freud, apesar de ter dúvidas sobre ele, o situava num nível muito primário de nossa vida, o "sentimento oceânico" que nos move em direção à esperança da existência de um Deus que nos proteja, finalmente, e que não conseguimos, jamais, "explicar".

Vai ficando claro para nosso cavaleiro que não se pode vencer a morte, mas pode-se deixar de temê-la, dando-lhe também um significado. É esse significado que muitos dizem ser impossível dado o seu papel avassalador e destruidor. Mas, é preciso pensar melhor sobre isso, pois podemos muito bem lidar com nossa finitude. Temos um fim, isso é fato, mas não é isto que nos define, e sim o que fazemos e sentimos. Mas, é difícil esse lidar com a morte. Daí nossas infinitas indagações, como as do nosso cavaleiro.

- (morte) Você nunca vai parar de fazer perguntas?
- (cavaleiro) Não! Em tempo algum.
- (morte) Mas não terá respostas.

Não cansamos em querer entendê-la... e temê-la. Diante de uma cena dramática, a da morte de uma camponesa na fogueira, as interrogações continuam:

- (escudeiro, referindo-se à moça queimada viva) O que ela vê? Pode me dizer?
- (cavaleiro) Ela já não sente dor.
- (escudeiro) Quem vai olhar por ela? Os anjos? Deus? O Diabo? Ou apenas o vazio?
- (cavaleiro) Não pode ser
- (escudeiro) veja os olhos dela. Ela parece estar descobrindo algo.  O vazio!
- (cavaleiro) Não!
- (escudeiro) Estamos indefesos. Pois vemos o que ela vê e tememos também.

A presença da morte é tão intensa no filme como, por vezes, em nossa vida. Mas, o filme nos deixa algo a pensar: Por que temer tanto a morte se podemos levar a vida com mais pureza e leveza, fazendo da "arte" aquilo que, também, nos dá sentido? Sim, a arte tem um papel importante no filme. 

A resposta talvez seja não tentar vencer a morte, mas viver com maior felicidade, quase que num estado de "ingenuidade". A racionalidade não nos fornecerá armas adequadas para vencer a morte, mas a leveza nos manterá tranqüilos e confiantes de ter encontrado um "sentido" para a vida. Só isto esvazia o sentido do “vazio” e do medo que ele nos impõe.

Nos dias atuais, quando a meta é ser "imortal", quando o maior objetivo é parecer sempre "jovem", estamos cada vez mais distantes da leveza e da tranqüilidade, e isso é devastador. Não só estamos perdendo a batalha do xadrez para a morte, como estamos deixando de viver. O filme é clássico, afinal, a questão da morte não se desatualiza. 

Não é o suposto "vazio" trazido pela morte que mais nos assusta, mas o vazio que permitimos em nossa vida.