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quarta-feira, 16 de abril de 2014

A saudade que nos reconcilia com o sofrimento!

Em sua coluna de hoje no Estadão, o antropólogo Roberto DaMatta (clique para ler a coluna) nos fala sobre o "sofrimento" e a "saudade". Sabemos que é impossível se pensar em uma sociedade, ou uma vida, sem sofrimento. É só uma utopia nossa, um desejo irrealizável, pois até mesmo nossas memórias estão repletas de momentos de dor e, quantas vezes, encaramos a felicidade como fruto do próprio sofrimento. Não é esse o problema, afinal o sofrimento nos coloca frente a frente com coisas valorosas (honestidade, coragem, aceitação) que nos levam a tentar "reagir". Não há outra saída então, pois sendo impossível evitar o sofrimento é preciso "aceitá-lo" e reagir em prol da busca da felicidade. 


É aí que DaMatta nos lembra de Joaquim Nabuco (1909) dizer que "saudade" é a mais bela palavra de nossa língua, sempre nos levando a pensar em lembrança, luto, desejo e amor - "moedas do sofrimento". É esta palavra que nos reconcilia com o sofrimento, transformando dor, mágoa e ressentimento em... Saudade! 

Adorei esta associação entre sofrimento e saudade feita por DaMatta pois, vocês devem concordar comigo, não é à toa que sentimos muitas saudades do que "não vivemos". Como isso ocorre? Ocorre porque TENTAMOS, HEROICAMENTE, SUBLIMAR NOSSAS DORES DO PASSADO EM PURA SAUDADE DE UM TEMPO E DE UMA VIDA NÃO VIVIDA MAS QUE... DEIXOU SAUDADES.

Esta uma capacidade que temos, um RECURSO PSÍQUICO que utilizamos para lidar e aceitar o sofrimento que a realidade, sem nos pedir licença, nos impõe. A saudade, então, nos faz encontrar um pouco de paz com o passado e com a dor.


(José Henrique P. e Silva)


P.S (1) - Oi Eliana, que bom que gostou. O tema é controverso sim e dói e faz sorrir sim, dependendo do que vamos fazer com ele. Aqui, queria comentar essa "estranheza" Cláudia....a saudade, lá nas suas origens (até terminológicas mesmo) fala de algo que "partiu", que nos deixou "sozinhos", em solidão, algo que nos escapou...enfim...então a saudade é de algo que foi "vivido". Estamos falando mesmo de "perda", ainda que seja a perda de algo bom que vivemos. E a lembrança desse algo pode doer ou nos fazer sorrir. Quando nos faz sorrir sempre digo que a saudade é uma excelente companheira. Quando nos dói, geralmente usamos dois recursos psíquicos: tentamos "esquecer", não lembrando, sepultando, etc., ou tentamos "sublimar" transformando aquilo que foi vivido como dor em saudade de algo que, muitas vezes, sequer vivemos...

P.S (2) - Quantas vezes estamos assistindo a um filme ou lendo a um livro e nos deparamos com uma situação com a qual nos identificamos. Ficamos presos à narrativa, nos transportamos para ela, ficamos sem piscar esperando o desenrolar da trama. Muitas vezes esse desenrolar foi "melhor" que o que aconteceu na nossa vida...aí temos uma boa chance de sublimar, tentando transportar nossa dor para aquele final de trama e dando a chance de nossa dor se transformar em algo mais ameno, suportável...respiramos fundo e passamos a ter saudades daquele desenrolar, que não vivemos, mas que um pouco dele agora vai fazer parte da narrativa do nosso passado. Este tema é legal porque chama a atenção para o fato de que nossas lembranças não são formadas apenas pelo que "vivemos", mas também por "fantasias" e "desejos".

sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Como era verde meu vale" e a função integradora das lembranças

Como era verde meu vale” (1941, EUA, dir. de John Ford, com Maurren O’ Hara) é daqueles filmes que ficam para sempre na sua vida. Lembro que era moleque e ouvi meu pai comentando umas duas ou três vezes sobre este filme. E notava que ele falava com certo prazer no rosto. Passados muitos anos lembrei deste filme e resolvi assisti-lo, não só por curiosidade, mas por saudades mesmo do meu pai. 
Apesar de sempre nos falarmos, moramos em cidades distintas, e ele sempre me deixa muitas saudades, pois sua presença física é muito marcante, além de ser uma das poucas pessoas que conheci nesta vida com tanto entusiasmo. Claro que, inevitavelmente, isto faz dele o meu melhor modelo de identificação. Então, o fato é que só assisti a este filme a uns cinco anos atrás, e depois o revi mais duas vezes, principalmente quando a saudade aperta.
Trata-se de um filme que já se tornou clássico. E, claro, é um filme em P&B e com forte trilha sonora e, além do mais, do mestre John Ford. Alguns críticos o situam como um filme com forte teor conservador e ideológico, mas o que importa é quando a arte nos toca, de uma forma específica, pois ela fala de nós mesmos. Talvez por isso eu nunca dê bola para "críticos de cinema", afinal, na imensa maioria das vezes, não conseguem mesmo “sentir” o filme, daí se apegam a questões técnicas que, para quem assiste, na maioria das vezes, são secundárias.
O filme nos fala da importância das lembranças, da memória. Ele é todo fruto da restauração da infância a partir dos olhos de quem já está mais velho. Talvez por isso seu encanto, pois estamos lidando com fantasias infantis, aquelas que não nos deixam nunca… ainda bem! É um filme, portanto, que nos inspira saudades, mesmo de algo que não se viveu. Que nos inspira fraternidade, mesmo pelos que não estão ao nosso lado, e que nos inspira gratidão, mesmo pelo que não recebemos.
Gostaria de compartilhar este momento inicial do filme, marcante. No início, nosso personagem principal, já adulto, nos diz:
estou embrulhando meus pertences no chale que minha mãe costumava usar quando ia ao mercado. Estou indo embora do meu vale. Dessa vez nunca mais voltarei. Deixo atrás de mim meus cinquenta anos de lembranças. É estranho que a memória esqueça tanto do que aconteceu apenas a poucos momentos e guarde claro e brilhante o que aconteceu a anos com homens e mulheres a muito tempo mortos. Contudo, quem vai dizer o que é real e o que não é. Posso crer que meus amigos estão mortos quando suas vozes ainda são uma glória em meus ouvidos? Não! Ergo-me para dizer não, e não de novo, pois eles permanecem uma verdade viva em minha mente. Não há cercas em torno do tempo que se passou. Pode-se voltar e escolher o trecho que quiser caso ainda se lembre. Por isso, fecho os olhos no meu vale como é hoje e ele some e o vejo como era na minha infância. Todo ele verde e impregnado da força da terra…tudo que aprendi como menino veio de meu pai, e jamais qualquer coisa que ele me disse acabou sendo errada ou inútil. As lições simples que ele me deu estão claras e vivas em minha mente como se as tivesse ouvido ontem...
O que estamos fazendo com nossa memória, nossas lembranças? Vamos permitir mesmo que a aceleração do tempo atual as destrua? Ora, que o tempo voe e destrua tudo o que tenho, mas eu continuarei a lembrar… e sentir saudades, não do que tive, mas do que vivi. A vida não é só este “presente” acelerado e esquizofrênico, é muito mais, um “passado” que nos tornou homens e mulheres. O que vamos fazer hoje e daqui para frente, depende muito de nossa capacidade de preservar nossas lembranças e sabermos quem fomos.
Nas lembranças podemos reconstruir o passado da forma que mais nos contenta e nos deixa feliz. Daí a saudade, a saudade de tempos que fomos felizes e que nos dão a certeza de que a vida valeu a pena. Saudade de um tempo que a vida era mais simples, mais fácil de dizer o que sentíamos. 
Nas lembranças esse tempo retorna, a todo instante, por vezes de maneira perfeita. Fechando os olhos agora, também vejo em minhas lembranças todos reunidos. Meu pai ao meu lado, segurando minha mão e guiando-me, os irmãos felizes e brincando. A mãe cuidando de todos. Enfim, que saudades! Que saudades de algo que nem sei ao certo se vivi. O que sei é que homens como meu pai jamais vão morrer. Ele estará sempre vivo em mim, no meu filho, e no filho de meu filho.
É essa permanência das lembranças que nos torna fortes, e que dá à vida um significado especial, muito além das banalidades que ela nos apresenta a todo dia, como novidades. Aquilo que passa pela minha vida… e fica… é aquilo que me constitui, que me integra, garantindo uma origem e uma história.
Bem, não preciso dizer que gostei do filme!