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terça-feira, 13 de maio de 2014

O escândalo político e o discurso cínico!

Foi no dia 14 de maio de 2005, há exatos 9 anos, que a edição 1905 da revista Veja chegou às bancas com uma discreta chamada no cabeçalho mas com uma longa matéria revelando o que viria a se transformar no maior escândalo político-midiático da República recente: O escândalo do mensalão. Talvez a maior herança deste escândalo tenha sido a legitimação, em sua completa magnitude, do chamado "DISCURSO DO CÍNICO". O que é isto?

É exatamente o "discurso do cínico" que faz com que um escândalo seja tão pouco escandaloso e faça prevalecer a crença de que, ao final, tudo acabe em "pizza" e que só reste a equação: "eu sei que ele sabe que eu sei". 

O grande trunfo de um escândalo é a "confissão", é isso que o transforma em algo verdadeiramente devastador. Quando a Revista Veja trouxe a denúncia de corrupção nos Correios só se inaugurou o que chamamos de "pré-escândalo". Só com a entrevista de Roberto Jefferson (06 de maio) e sua "confissão" surge  a fase do "escândalo propriamente dito". Mas sempre faltou algo: Lula nunca admitiu!

Ele sabe que é a da confissão que todos precisam. O reverendo Eymerich, no "Manual dos Inquisidores" (1376), já nos dizia da importância da "confissão". Enquanto o segredo não se tornar transparente o culpado ainda não se sente devassado pelo olhar do outro que o acusa. Neste aspecto Lula foi e é mestre! Jamais admitiu e, mesmo quando vacilou numa quase admissão de culpa, logo reagiu com um discurso contrário.

O "eu não sabia", portanto, virou o grande lema e a grande incógnita do escândalo do mensalão. É aquele "buraco" que ainda não foi devidamente tapado. Por isso Lula sempre aposta em que "a história mostrará a verdade". É daí que brota o "discurso do cínico", dessa incapacidade de admissão, desse esconder-se no segredo e na não revelação, no não reconhecimento da culpa. Ter algo a esconder é próprio do cinismo.

Mas, Lula talvez seja só a expressão maior de uma época em que a "ética da malandragem" instaura e legitima, como nunca, a ordem dos "espertos" e do "jeitinho". O seu "EU NÃO SABIA" marcou época, fez escola e nos colocou, definitivamente, no interior do "discurso do cínico".

Como nos diz, de forma incisiva, o psicanalista Ricardo Goldenberg ("No Círculo Cínico", ed. Relume Dumará, 2002), o homem moral de Kant está obsoleto, é um "otário" e quase ninguém mais quer habitar sua moradia. Rejeitamos a internalização da Lei e das Regras e a substituímos pela fé cega de que há sempre um "jeito" de sermos uma "exceção". O que vivemos é uma tremenda crise do superego e nenhum modelo vinculado às leis e regras parecem ser suficientes para determinar nossa subjetividade e domar nossos desejos.

Vivemos em uma época em que o cinismo se transformou na caricatura da moral Iluminista evidenciando sua possível falência, pois estamos sempre invocando normas universais e, ao mesmo tempo, promovendo sua transgressão. Como nos diz Goldenberg "o cinismo consiste no conjunto de operações que preservam oculto o hiato entre os princípios e a prática que os contradiz"

Os canalhas se deleitam em nossa época! Todos, imersos em culpa, não a reconhecem e levantam os punhos afrontando a justiça e a todos. Quanto a isso, temos muito o que agradecer ao ex-presidente Lula!

(José Henrique P. e Silva)