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sábado, 22 de junho de 2013

13 equívocos no discurso de Dilma, em 21/06/2013

O Brasil vive um momento muito especial em termo de politização e de discussão pública de temas tradicionalmente circunscritos a especialistas, mídia e atores políticos. O processo começou "não oficialmente" com a retomada da inflação desde o início deste ano e foi adensado por um ritmo de crescimento econômico tão baixo que, no máximo, só consegue manter os níveis de emprego do jeito que estão. 

Havia, portanto, um clima de insatisfação no ar. Lula antecipou o debate eleitoral, ainda em fevereiro, e a oposição mostrou que estava disposta a levar muito a sério a disputa de 2014. Eduardo Campos começou a ocupar espaço na mídia, Marina Silva iniciou a reorganização de seu partido e Aécio Neves conseguiu a união do PSDB em torno de seu nome.

De um lado, um quadro econômico pouco promissor e insatisfação ascendente. De outro, uma oposição animada e ansiosa por 2014. Não deu em outra. A aprovação do Governo Dilma caiu 8 pontos percentuais, com sérias desconfianças sobre sua capacidade de corrigir os problemas econômicos.

Lutando contra a aceleração da inflação, Dilma havia solicitado que as prefeituras e governos não elevassem as tarifas de transporte público no início do ano, e tudo ficou para junho. E assim foi. Subiram as tarifas em junho. Com um histórico de conflitos já acontecidos em algumas capitais brasileiras motivados pela alta das tarifas, surge em São Paulo um movimento de resistência. 

Vem às ruas a luta pela redução da tarifa. Começa a revolta dos R$ 0,20, liderada pelo Movimento Passe Livre, uma pequena organização de extrema-esquerda apoiada politicamente pelo PSOL e PSTU, mas que se define como apartidária. Até aí tudo bem, sua causa é horizontal, enquanto seu posicionamento ideológico é de extrema-esquerda.

De imediato a "causa" dos R$ 0,20 foi amplamente superada por uma lista de causas mais difusas que acabaram por se concentrar na questão do mau uso do dinheiro público e da corrupção. Mas, isso só se deu porque as manifestações deixaram de ser "puxadas" pelo Movimento Passe Livre e a sociedade como um todo ocupou as ruas.

Perdendo o controle de uma situação que visava, politicamente, sitiar o governador de São Paulo, e vendo que a causa das manifestações dirigiam-se, na totalidade, ao Palácio do Planalto e, além disso, saíram de São Paulo e explodiam pelo Brasil afora, o PT, motivado por Lula e seu presidente Rui Falcão, enviam às ruas os militantes do PT. O clima é de disputa de "espaço". Controlando as manifestações o PT diluiria as críticas ao governo federal. 

Não foi o que se deu. Foram mal aceitos nas manifestações e nasceu, daí, o discurso de que a "direita" estava controlando as manifestações, além de todo um "chororô" afirmando que os manifestantes estavam sendo "antidemocráticos" por não aceitar a presença de bandeiras partidárias. Ora, vamos falar sério, o PT tenta desqualificar as manifestações e depois vem querer ocupar um espaço para direcionar as manifestações. O povo não é tão ingênuo Deputado Rui Falcão.

Depois que a população deu seu recado principal e o próprio PT perceber que não tinha muito como "sair dessa", e tendo que enfrentar séria rejeição entre os manifestantes, e, ainda, apostando que as manifestações se desmoralizariam com a violência, a presidente vai às TVs para dar a sua opinião sobre tudo.

Sobre este discurso, aponto 13 grandes equívocos na fala da presidente Dilma, a partir de uma rápida análise de seus sentidos implícitos (1):

1) Discurso esteticamente feio e vazio - A presidente passa muito pouca segurança. Seu discurso não é contínuo, é sempre recortado, como na eterna busca eterna por um sorriso, por uma simpatia, uma expressão mais leve. Suas frases são mal "arrumadas", parecendo não trabalhar bem a pontuação e as necessárias ênfases e tons. Sua expressão está sempre carregada de um nervosismo, que tenta esconder sob uma fala mais "dura", do tipo "gerente". Não é um discurso atabalhoado, mas é um discurso fraco do ponto de vista da comunicação, soando quase sempre como "vazio" por não permitir que fiquem guardados seus pontos principais;

2) Desqualificação das manifestações, vistas como de "jovens" - A presidente fala que as manifestações mostram o desejo da juventude em avançar. Não! Não se trata de um movimento da juventude. Seria se tivesse ficado sob controle do Movimento Passe Livre e se sua pauta se restringisse aos R$ 0,20. Foram as famílias que foram às ruas, foram os adultos que somaram-se a todos os jovens, foram crianças que sentaram no asfalto para pintarem seus cartazes, num imenso aprendizado de cidadania. E mais, associar as manifestações aos "jovens" pé querer, de alguma forma, circunscrevê-la a uma suposta inclinação "natural" do jovem para a rebeldia, primeiro passo para sua desqualificação;

3) Não reconhecimento das manifestações, associadas à baderna - A presidente oscila, permanentemente, entre um reconhecimento das manifestações como legítimas e um "alerta" com relação à violência. A presidente não percebe que uma coisa é a "manifestação" e outra coisa é a ação isolada de "vândalos". Seu não entendimento causa uma confusão conceitual que muito facilmente leva a opinião pública a associar manifestação com violência (nisso, evidentemente, o discurso da presidente é reforçado pela cobertura jornalística). Não à toa, seu curto discurso está repleto de "ameaças": "correndo o risco de colocar muita coisa a perder"; "ouvir dentro dos primados da lei e da ordem"; "fazer isso de forma ordeira e pacífica"; "violência que envergonha o Brasil"; "vamos manter a ordem";

4) Desqualificação das lutas presentes, quando comparadas às lutas passadas - Ao afirmar que "o Brasil lutou muito para se tornar um país democrático" e que "não foi fácil chegar onde chegamos" há uma sobrevalorização das lutas contra a ditadura, sem perceber que a democracia não se conquista simplesmente com a luta contra uma ditadura, mas com sua construção no cotidiano da população. Nesse sentidos, manifestações cidadãs como as atuais são tão os mais importantes que as lutas contra um ditadura. Do contrário, o que terá sobrevivido será sempre uma democracia fisiologista e péssima em termos de representação política. Uma espécie de Democracia sem República. Alguém lembra quando um dos defensores de José Dirceu disse que ele deveria ser absolvido "por tudo que já fez pelo país". Ora, se isto for verdade, na melhor das hipóteses ele é um traidor de suas causas e do próprio país, pois teria lutado em causa própria;

5) Institucionaliza o debate público acerca da política - Todos sabemos que o PT construiu sua história em grande parte nas ruas, com fortes mobilizações, com recusas em assinar a Constituição de 1988, com recusa em aceitar o Plano Real, com fortes ataques aos governantes deste país etc. Ótimo, sem problemas, justamente porque isso mostra que política se faz nas ruas sim. Então, porque a presidente dar mais destaque aos minoritários atos de violência que ao pacifismo das manifestações? Ela simplesmente está adotando a ótica do "poder", ou seja, de quem está no comando e, para quem, a ordem é fundamental. Entretanto, é na desordem que se avança também, e de forma legítima. Como o próprio PT fez em toda a sua história e que, agora, parece perplexo diante de movimentos de massa contra si mesmo;

6) Forte contradição quanto ao uso da força militar - No início das manifestações em São Paulo o Ministro da Justiça veio a público, de forma quase irônica, oferecer ajuda ao governador para "conter" a violência de forma "adequada". Aquele foi o momento de auge do PT pois a questão parecia se canalizar para a "incompetência do governador de SP em lidar com a segurança pública", tema que o PT vai adotar de forma central nas eleições do próximo ano aqui em São Paulo. mas, quando a coisa saiu do controle ressurge o "discurso de ordem" e de intolerância". O que o Governo Dilma pensa, de fato, sobre a segurança pública? Isso é uma incógnita;

7) Pega carona nas manifestações, sem nenhuma auto-crítica - Ao querer aproveitar o "vigor" das manifestações diz que sua pauta ganhou prioridade nacional. Mas, como? Vai haver um combate à PEC 37? O que vai ser feito contra a corrupção? Nada disso foi dito. trata-se de uma "apropriação" meramente ideológica, vazia de conteúdo e sem qualquer possibilidade de resposta futura em termos de atendimento às causas levantadas. Pior, em nenhum momento a sua fala reconhece algum problema, algum erro. Diz que "não abre mão" do combate à corrupção e desvio de recursos públicos, mas o que faz, de fato, contra isso? Era esse o ponto central do seu discurso e só ocupou duas linhas ou poucos segundos;

8) De novo, a promessa de melhorias - O PT se elegeu à Presidência, em 2002, com um fortíssimo discurso de "esperança", assentado, fundamentalmente, nas questões da educação, segurança e da saúde. O que foi feito, de fato? O que mudou, qualitativamente falando? O que mudou em termos de gestão? Conversar com governadores e parlamentares em busca de um "pacto"? O que é isso, de fato? 11 anos de governo petista e nada significativo na área de saúde e educação? Inacreditável!

9) Transferência do problema para "terceiros" - Colocou a responsabilidade sobre a aprovação dos 100% de recursos do petróleo nas mãos do Congresso. É um ultimato, novamente? Disse que vai trazer "milhares de médicos do exterior". Que oportunismo! Por que não discutiu essa questão ao longo dos 11 anos em que o PT está no poder?

10) Demagogia - A presidente diz que vai receber os líderes das manifestações. Que líderes? estes, que diante da pressão petista, recuaram e disseram não mais convocar nenhuma manifestação? Vai transferir mais recursos públicos para eles? E a reforma política, vai ter mesmo prosseguimento? Ou trata-se de um discurso que, mais uma vez, só é muito bom para ser usado nos momentos em que os políticos estão sob fogo cerrado? O que a presidente vai, de fato, propor em termos de reforma política para garantir maior cidadania? Ela já sabe das dezenas de propostas que existem no Congresso Nacional? Já ouviu falar sobre o "Voto Distrital"?

11) Cinismo I ? - Dizer que a transparência é o melhor combate à corrupção e "fechar" o acesso aos gastos com viagens da comitiva presidencial não é bem o que se entende por uma fala coerente. Ou é má-fé ou uso indevido da paciência dos outros;

12) Cinismo II ? - Dizer que o dinheiro público (e não do "Governo Federal") gasto com os estádios é fruto de financiamento e que vai ser devolvido pelas empresas é brincar com a racionalidade dos que conhecem a história dos "perdões" de recursos públicos em nome do "interesse nacional". É preciso, sobre isso, um discurso mais claro, duro e transparente acerca dos reais benefícios que a Copa vai deixar para o país, de como esses recursos serão devolvidos e das razões para tanto atraso nas obras e liberação de recursos sem licitação;

13) O momento de "jogar com a platéia" - É próprio do discurso político apelar a "brincadeirinhas" para aliviar a pressão do momento. Lula foi o maior entre todos nesta "arte". Agora, apelar à nossa "alma" e nosso "jeito de ser" futebolístico ao dizer que participamos de todas as copas, ganhamos cinco delas e sempre fomos bem recebidos em todo lugar, é demais! Acho que 95% dos intelectuais petistas sempre foram radicalmente contrários ao uso ideológico do futebol na política. Por que isso agora? É a "Pátria de Chuteiras" de volta? O PT não consegue ser mais inteligente que isso? Para fechar, nada mais ideológico que dizer "... o Brasil fará uma grande copa...";

OK, presidente, podemos até tirar a camiseta branca das manifestações e vestir a amarela da seleção brasileira. Mas, coloque-se no lugar da população e veja se este seu pedido tem o mínimo de coerência, dada a urgência de resposta do Governo Federal às necessidades sociais e efetivo combate à corrupção. Ah, e por favor, peça a seus assessores e intelectuais para pararem de classificar de "udenismo moralista" a luta dos que são contra a corrupção, afinal, o dinheiro que lhe paga, e aos seus assessores, é nosso, do povo brasileiro.

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Todos nós, brasileiras e brasileiros, estamos acompanhando, com muita atenção, as manifestações que ocorrem no país. Elas mostram a força de nossa democracia e o desejo da juventude de fazer o Brasil avançar.

Se aproveitarmos bem o impulso desta nova energia política, poderemos fazer, melhor e mais rápido, muita coisa que o Brasil ainda não conseguiu realizar por causa de limitações políticas e econômicas. Mas, se deixarmos que a violência nos faça perder o rumo, estaremos não apenas desperdiçando uma grande oportunidade histórica, como também correndo o risco de colocar muita coisa a perder.

Como presidenta, eu tenho a obrigação tanto de ouvir a voz das ruas, como dialogar com todos os segmentos, mas tudo dentro dos primados da lei e da ordem, indispensáveis para a democracia.

O Brasil lutou muito para se tornar um país democrático. E também está lutando muito para se tornar um país mais justo. Não foi fácil chegar onde chegamos, como também não é fácil chegar onde desejam muitos dos que foram às ruas. Só tornaremos isso realidade se fortalecermos a democracia – o poder cidadão e os poderes da República.

Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo, de propor e exigir mudanças, de lutar por mais qualidade de vida, de defender com paixão suas ideias e propostas, mas precisam fazer isso de forma pacífica e ordeira.

O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violenta e autoritária destrua o patrimônio público e privado, ataque templos, incendeie carros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos principais centros urbanos. Essa violência, promovida por uma pequena minoria, não pode manchar um movimento pacífico e democrático. Não podemos conviver com essa violência que envergonha o Brasil. Todas as instituições e os órgãos da Segurança Pública têm o dever de coibir, dentro dos limites da lei, toda forma de violência e vandalismo.

Com equilíbrio e serenidade, porém, com firmeza, vamos continuar garantindo o direito e a liberdade de todos. Asseguro a vocês: vamos manter a ordem.

Brasileiras e brasileiros,

As manifestações dessa semana trouxeram importantes lições: as tarifas baixaram e as pautas dos manifestantes ganharam prioridade nacional. Temos que aproveitar o vigor destas manifestações para produzir mais mudanças, mudanças que beneficiem o conjunto da população brasileira.
A minha geração lutou muito para que a voz das ruas fosse ouvida. Muitos foram perseguidos, torturados e morreram por isso. A voz das ruas precisa ser ouvida e respeitada, e ela não pode ser confundida com o barulho e a truculência de alguns arruaceiros.

Sou a presidenta de todos os brasileiros, dos que se manifestam e dos que não se manifestam. A mensagem direta das ruas é pacífica e democrática.
Ela reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Todos me conhecem. Disso eu não abro mão.

Esta mensagem exige serviços públicos de mais qualidade. Ela quer escolas de qualidade; ela quer atendimento de saúde de qualidade; ela quer um transporte público melhor e a preço justo; ela quer mais segurança. Ela quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos devem mudar.
Irei conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros poderes para somarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das principais cidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos.

O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo. Segundo, a destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação. Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS.

Anuncio que vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros do passado e do presente.

Brasileiras e brasileiros,

Precisamos oxigenar o nosso sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar.

Quero contribuir para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos e, sobretudo, do voto popular, base de qualquer processo democrático. Temos de fazer um esforço para que o cidadão tenha mecanismos de controle mais abrangentes sobre os seus representantes.

Precisamos muito, mas muito mesmo, de formas mais eficazes de combate à corrupção. A Lei de Acesso à Informação, sancionada no meu governo, deve ser ampliada para todos os poderes da República e instâncias federativas. Ela é um poderoso instrumento do cidadão para fiscalizar o uso correto do dinheiro público. Aliás, a melhor forma de combater a corrupção é com transparência e rigor.

Em relação à Copa, quero esclarecer que o dinheiro do governo federal, gasto com as arenas é fruto de financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios. Jamais permitiria que esses recursos saíssem do orçamento público federal, prejudicando setores prioritários como a Saúde e a Educação.

Na realidade, nós ampliamos bastante os gastos com Saúde e Educação, e vamos ampliar cada vez mais. Confio que o Congresso Nacional aprovará o projeto que apresentei para que todos os royalties do petróleo sejam gastos exclusivamente com a Educação.

Não posso deixar de mencionar um tema muito importante, que tem a ver com a nossa alma e o nosso jeito de ser. O Brasil, único país que participou de todas as Copas, cinco vezes campeão mundial, sempre foi muito bem recebido em toda parte. Precisamos dar aos nossos povos irmãos a mesma acolhida generosa que recebemos deles. Respeito, carinho e alegria, é assim que devemos tratar os nossos hóspedes. O futebol e o esporte são símbolos de paz e convivência pacífica entre os povos. O Brasil merece e vai fazer uma grande Copa.

Minhas amigas e meus amigos,

Eu quero repetir que o meu governo está ouvindo as vozes democráticas que pedem mudança. Eu quero dizer a vocês que foram pacificamente às ruas: eu estou ouvindo vocês! E não vou transigir com a violência e a arruaça.

Será sempre em paz, com liberdade e democracia que vamos continuar construindo juntos este nosso grande país.

Boa noite!

domingo, 16 de junho de 2013

O "sucesso" e o "fracasso" da ideologia consumista no "caos" das manifestações

Em tempos de manifestações de toda ordem, lembrei de um texto do Slavoj Zizek, publicado na Revista CULT*, n. 161, de setembro/2011, cujo título é: "Saqueadores, uni-vos!". Nele, Zizek discute rapidamente a natureza de algumas manifestações sociais como as de Paris em 2005, e as de Londres e Egito em 2011, e faz uma  associação entre os tumultos e a ideologia do consumo.

O texto é interessante porque traz à tona um assunto que geralmente escapa nas análises que se faz sobre os movimentos sociais recentes, como estes que tomam conta de São Paulo nos últimos dias. Acredito que todos concordam que não há uma análise que dê conta completamente do que está acontecendo. As redes sociais estão "perplexas" e proliferam as tentativas de se entender os acontecimentos recentes. 

Neste "caos" interpretativo proliferam explicações de toda ordem: "os manifestantes são apenas baderneiros"; "trata-se de um ataque a Alckmin visando 2014"; "a PM continua fascista"; "é o Brasil abrindo o olho contra a corrupção"; "são pequenos grupos tentando manipular as massas"... Enfim, talvez exista um pouco de verdade em tudo isso. Mas, o fato é que há um sentimento de "errância" nas análises e ninguém parece dar conta da explicação. Pior, com a dinâmica dos próprios movimentos, alterando suas "palavras de ordem", a tentativa de compreensão exige mais cuidados.

Assim, o texto de Zizek é só mais um no meio do turbilhão e traz algo novo para se pensar também. De cara, ele faz uma constatação: Segundo ele, os mais conservadores  enxergam nestes tumultos (incêndios, saques, destruições, etc.) somente caos e a falta de disciplina e responsabilidade, por outro lado, a esquerda enxerga somente o fracasso do bem-estar da população, mal tratada pelos que estão no poder, como no exemplo de Alckmin, aqui em São Paulo, atacado pela esquerda. Para Zizek, os diagnósticos conservadores e da esquerda são equivocados.

Por outro lado, segundo Zizek, não dá para se falar em "sujeitos revolucionários", pois estas manifestações (e aí incluo as de São Paulo e as demais que proliferam pelo Brasil afora) estariam muito mais para aquilo que Hegel chamou de "negatividade abstrata", ou seja, uma turba que se expressa de modo "violento" e "irracional", sem reivindicar nada de forma clara. Não dá pra esquecer que a luta pelos R$ 0,20 já se transformou em outra coisa que não sabemos bem o que é. 

Zizek nos lembra que, já a algum tempo vivemos sob o predomínio de teses como a do "fim da ideologia" e a ascensão da "sociedade pós-ideológica". Ora, o que é isso? Anunciou-se o predomínio do mercado, o império do consumismo. Chegou-se a imaginar o "fim da história". Besteira!

estágio atual do capitalismo se sustenta, portanto, sobre uma ideologia que convida todos a escolher e a consumir. Mais do que a classes ou grupos sociais , então, pertencemos ao mundo do consumo. E é neste mundo do consumo que vivemos a plenitude da "alienação". E a esquerda que hoje governa o Brasil, através do PT, não escapa à isso. É patrocinadora, por excelência da ideologia do consumo. Ou sobre o que está assentada toda a política econômica e o "sucesso" eleitoral de Lula e Dilma? Dessa forma, a ideologia consumista, através da esquerda, parece estar realizando de forma perfeita e acabada aquilo que Marx já denunciava como "alienação".

Este é o "sucesso" da ideologia consumista. Ela nos acomodou, nos tirou a vontade de sonhar, nos tirou a utopia pela mudança, o que faz é atiçar nossos desejos por aquilo que é novo, desde que oferecido pelo mercado.

Ora, enquanto dá para consumir, ótimo, vamos satisfazendo nossos desejos, por mais absurdos que sejam. Mas, e quanto àquelas pessoas tidas como "deficientes" e "desqualificadas" do ponto de vista do mercado? O que o mercado oferece para elas? Nada! O Estado, com seus populismos, ainda tenta ter uma postura paternalista, que sabemos insuficiente e distorcida. No caso brasileiro, a proliferação de "bolsas" visa simplesmente minimizar esse impacto que vem de baixo para cima. Não é emancipador!

O fato é que, no mercado e no paraíso do consumo, não há espaço para todos, pois a base do sistema é competitiva, e destrói sempre algo para que outra coisa sobreviva. E, para complicar ainda mais a situação, por cima desta ideologia do consumo existe outra, a "ideologia da liberdade", apoiada, evidentemente, na tese da oportunidade de consumo, ou seja, liberdade para escolher e consumir. Mas, não dá para todos. E aí? O que fazer? Ela, a "turba" parece estar fazendo algo.

Por vezes explodem em ondas de violência (como as manifestações) mas, no geral, essa "violência" vem como uma maré que, lentamente, parece ir engolindo a sociabilidade humana no nosso cotidiano (como no caso da criminalidade, que só cresce). Por isso, as manifestações causam raiva e indignação no início, mas, com o passar dos dias, vão causando perplexidade e exigindo maior atenção e explicação. E mais, vão gerando fortes sentimentos de "identificação", pois acabamos por nos enxergar "dentro" dela, por algum motivo, por alguma forte insatisfação. Por isso essas manifestações parecem difusas, mas não são vazias de conteúdo.

Os tumultos vêm daí, sem um sentido lógico, verdadeiro caos, sem uma direção certa, sem uma comunicação clara. Este é o "fracasso" da ideologia consumista. Ela obtém o sucesso quando nos aliena e domestica, mas fracassa quando não permite que todos possam consumir.

No fundo, o que precisa ser discutido, fortemente, é a democracia que, segundo Zizek, se assemelha àquela jangadinha que desliza em meio a um mar tumultuado repleto de ameaças e seduções paternalistas e autoritárias, e não cumpre seu papel de criar mais cidadãos que consumidores. É preciso transformá-la em uma embarcação maior, mais sólida, que resista a estas seduções populistas às quais parece que nenhum discurso escapa.

Para isso, é preciso "recuperar a política". Talvez estas manifestações não saibam exatamente contra o que estão lutando, mas o que importa? Elas sabem que a democracia está assentada sobre bases muito frágeis. De que adianta dizer que a democracia foi conquistada a "duras penas"? De que adianta pedir para que as manifestações sejam de "paz". Há uma "violência" implícita na ideologia do consumo e na forma como a democracia se dá no cotidiano que, para muitos, vai ficando cada vez mais clara. 

E aí? O que prometer e oferecer em troca para que essas manifestações saiam das ruas e voltem para casa? Talvez uma democracia mais clara, transparente, efetivamente inclusiva, com políticas públicas centradas no cidadão, respeito ao dinheiro público - não há garantias para que nada disso funcione e acalme a todos, mas pode ser um bom começo.

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O Estadão e a cobertura da onda de protestos em São Paulo: do "vandalismo" à negociação

Ninguém ficou imune à onda de manifestações nestas últimas duas semanas. Mesmo quem somente observava, lançou um olhar mais atento tentando entender o que estava acontecendo. No meu caso, gostaria de contribuir com o que faço rotineiramente, ou seja, nesse caso específico, verificar as principais "reações" do Estadão às manifestações ocorridas, sem me preocupar, entretanto, com o debate interno entre colunistas e colaboradores. O que ganha importância, aqui, são seus títulos de capa, manchetes internas e editoriais. Como escrevi isto hoje, 16.06, pela manhã, véspera da 5a. manifestação, trata-se de algo escrito em meio a um rio caudaloso que não cessa. Portanto, é importante que, depois, venha a ser revisto, ou completado.

Tivemos até aqui quatro manifestações em São Paulo, nos dias 6, 7, 11 e 13 e o maior interesse é mostrar que, não somente as manifestações "evoluíram" na sua dinâmica interna, como a própria cobertura do Estadão foi assumindo outras conotações ao longo deste período. Claro que, em meio a tudo isto, é visível que a própria opinião pública, que não tem chances de ficar imune à discussão, tenha, também, a sua dinâmica na forma de entender e encarar as manifestações.

Estou falando, portanto, de um espaço público de discussão da política onde os principais atores (políticos, manifestantes, opinião pública e imprensa) mutuamente se influenciam ao longo de todo o processo. Querer, portanto, analisar a situação partindo de estereótipos traçados para cada um destes atores é, como sempre, incorrer em gravíssimo erro metodológico e de análise. Como, por exemplo, partir do suposto que um governo por ser do PSDB está mais propenso a "agredir" os manifestantes. O que aconteceu em Brasília, momentos antes do jogo da seleção brasileira, mostra que esta é uma questão complexa. Este é o "jogo de espelhos" do qual fala P. Charaudeau quando observa a relação entre a mídia e os demais atores da cena política: todos se influenciam mutuamente e criam dinâmicas específicas de discurso e ação.

Assim, todos influenciam-se mutuamente provocando alterações, por vezes substanciais, em sua atuação e seu discurso. O Movimento Passe Livre, por exemplo, passou de uma defesa da redução da passagem para algo mais genérico do tipo "lutamos pela melhoria do transporte", e se depara, também, com a questão da luta contra a corrupção no governo federal. Dado o caráter nacional, e internacional, das manifestações (solidariedades de brasileiros em vários países), o "tema unificador" caminha para ser o da "corrupção" e para ficar mais colado ao "Governo Dilma".

Da parte dos políticos, existe uma luta no sentido de evitar colocar-se como o alvo principal do movimento. E este acontecimento de ontem em Brasília, com ações duras da polícia contra manifestantes e as estonteantes vaias contra a presidente Dilma, só deixaram o quadro ainda mais confuso para todos. Contra quem, ou o que, estas manifestações lutam? Os movimentos do prefeito Haddad são um exemplo: no início mostrou disposição para o diálogo, depois seguiu a linha do governador Alckmin de mostrar-se resistente às manifestações, depois tentou descolar-se do problema e criticar severamente a ação policial. Pelo meio do caminho Haddad recebeu "apoio" do Ministro da Justiça Eduardo Cardozo em sua tentativa de culpabilizar a ação da PM e, por conseguinte, o governador Alckmin. São exemplos de como as posturas de todos os atores são dinâmicas e precisam ser captadas neste dinamismo, para que as análises não se tornem apenas caricaturas do real.

Mas, vou me concentrar na dinâmica específica do Estadão.

Numa tentativa de resumir esta dinâmica em uma frase, diria que a cobertura do Estadão acerca das manifestações passou, até o momento, por três fases distintas, mas relacionadas: a da indignação e raiva; a de maior percepção da realidade e do "outro"; e a da negociação e aceitação do fato como legítimo. Vejamos de forma mais didática.

A 1a. manifestação ocorreu no dia 6. Saindo das proximidades do Anhangabaú, chega a interditar avenidas como a 23 de Maio, 9 de Julho e Paulista, alcança o Shopping Paulista e estações do Metrô (Trianon, Brigadeiro e Vergueiro). A ênfase da cobertura do Estadão, no dia seguinte, dia 7, se dá sobre o "caos". O título de capa foi Protesto contra tarifa acaba em depredação e caos em SP e a principal manchete interna foi Protesto contra tarifa acaba em caos, fogo e depredação no centro, numa reafirmação do título de capa. As ilustrações, tanto de capa, quanto internas foram no sentido de evidenciar a "destruição" (jovens destruindo uma cabine da PM, estação do metrô depredada, barricadas com fogo no meio da rua). Apesar do impacto trazido pelas manchetes e pelas fotografias não houve manifestação do jornal através de editorial.

A 2a. manifestação ocorreu no dia seguinte, dia 7. Dessa vez, foi a Marginal do Pinheiros que foi afetada. Parte da estação Faria Lima do Metrô foi depredada e alguns alcançaram a av. Paulista, mas os confrontos foram mais reduzidos. No dia seguinte, dia 8, Estadão trouxe como título de capa: Protesto fecha a Marginal e lentidão chega a 226 km. Internamente, a principal manchete foi: No 2o. dia de confronto e destruição, protesto fecha Marginal do Pinheiros. A ênfase da cobertura continua sendo a "destruição", mas dessa vez, mais sob a ótica dos "engarrafamentos" causados e da perturbação da ordem dos habitantes da cidade. Uma "lógica" que sempre vem à tona quando o assunto é alguma das Marginais, que escoam grande parte do fluxo de carros na cidade. natural, portanto, que, dessa vez, as cenas de "destruição" dessem maior espaço às ilustrações da própria mobilização das pessoas. Recebe bom destaque, também, a iniciativa de se "cobrar" do Movimento Passe Livre, o prejuízo financeiro, principalmente da av. Paulista, e uma entrevista onde o prefeito Haddad diz que irá recorrer à Presidente Dilma para baixar a passagem. Pela primeira vez, o jornal se posiciona em termos editoriais: Puro vandalismo é o título do editorial. "Festival de vandalismo", "cidade refém", "bandos de irresponsáveis travestidos de manifestantes", "atrevimento dos manifestantes", "aterrorizar os passantes", "PM recebida a pedradas", "seus militantes são radicais". São estes os termos que definem o editorial que finaliza com uma forte crítica ao prefeito Haddad que "em vez de condenar o vandalismo se apressou a informar que está aberto ao diálogo". O apelo do jornal é para que as autoridades políticas tenham "firmeza" na manutenção da ordem.

A 3a. manifestação ocorreu no dia 11. Nos dias 09, 10 e 11 o jornal não trouxe em sua capa nenhum título com referências às manifestações. Apenas no dia 11, dia marcado para a terceira manifestação em SP, o jornal traz uma impactante foto do confronto ocorrido na véspera, no RJ, pelos mesmos motivos. Dessa vez, reunidos na av. Paulista, os manifestantes foram barrados e seguiram para o Parque D. Pedro II onde se deram choques e, ao final, retornaram para a av. Paulista onde os conflitos se intensificaram no final da noite. No dia seguinte, dia 12, o Estadão trouxe como título de capa: Maior protesto contra tarifas tem bombas e depredação. E, internamente, a principal manchete foi: Fogo, bombas e depredação no maior protesto contra as tarifas.

Entretanto, apesar de ainda trazer as ilustrações impactantes de policiais em choque direto com manifestantes, e estes pixando e colocando fogo em um ônibus, a cobertura do jornal começou a "notar" outras coisas além da "destruição" em si. Fala-se muito, por exemplo, do crescimento do movimento e da adesão de outras entidades e grupos sociais. O jornal dá destaque para a "irritação" do prefeito Haddad quando soube das depredações e sua disposição de crítica às manifestações.

Na quinta-feira, dia 13, ocorre a 4a. manifestação. Indiscutivelmente, os acontecimentos ganham ares de "espetacularização". As TVs praticamente transmitem "ao vivo" todo o desenrolar dos fatos. Claro que todo o "caos" e "imprevisibilidade" típicos de movimentos como este são passados para a TV que tenta, sem grande sucesso, acompanhar e dar um "sentido" a toda a cobertura. Vive-se, então, o momento em que o acontecimento se transforma em "espetáculo", o que foi reforçado pelo fato da manifestação em São Paulo ter sido simultânea com a ocorrida no Rio de Janeiro, e de haver uma maior preocupação dos  manifestantes em deixar evidente "situações de paz" retratadas pela mídia através de "gritos contra a violência", "flores dadas aos policiais" e pelas cenas dos próprios repórteres machucados.

O que se percebe, em meio a opinião pública, é que a manifestação vai ganhando ares de "humanidade", ou seja, deixa-se de se observar somente o "caos" e a "destruição" e passa-se a notar o elemento "humano", a pessoa, ou seja, os efeitos diretos sobre o policial, o manifestante, o passante, o repórter. Isto vai ser percebido no título de capa do Estadão no dia seguinte, dia 14: Confronto fere mais de 100; paulistano vive dia de caos. A mudança na cobertura também se nota com as principais manchetes internas: Paulistano fica "refém" de bombas, gás e tiros de borracha em novo confronto; Ação deixa 105 feridos, repórter é atingida no olho; 130 manifestantes são detidos e lotam DP; Haddad critica possível excesso da força policial.

Ou seja, o "caos" continua sendo retratado, mas sob um olhar distinto.  Ele traz prejuízos, mas não só à cidade e seus moradores. Os próprios protagonistas da batalha, policiais, manifestantes e jornalistas (que ficam entre eles) surgem agora como "vítimas" que não podem ser ignoradas. É nesse contexto que o jornal começa a dar mais atenção àquela violência, potencialmente maior, que vem da polícia, com suas bombas, gás e tiros de borracha). Entretanto, nenhum pronunciamento do jornal através de editorial.

No dia seguinte, dia 15, o jornal traz em seu título de capa: Alckmin vê "ação política" e Haddad marca reunião. As principais manchetes internas são: Alckmin diz que a ação foi política e Haddad marca reunião após protesto; Ministros criticam intervenção policial após protesto; Repressão da PM faz apoio crescer. Além disso, o jornal traz um editorial (Entender as Manifestações) que mostra claramente que a cobertura não é estática, prisioneira de uma opinião, e sim dinâmica, acompanhando, forçosamente ou não, a dinâmica dos acontecimentos e sua ressonância na opinião pública.

O editorial aponta para a necessidade de um "esforço de compreensão do que exatamente se passa". A "insistência" das manifestações parece ter causado certa perplexidade na cobertura do jornal e percebeu-se que a forma como a PM se dispôs a manter a ordem acabou por causar maior agitação. Para isso, o jornal usou o número de feridos e de detentos. Nesse sentido o jornal faz um apelo à PM para manter o "sangue frio" e finaliza mostrando o quanto as atitudes do prefeito Haddad não estão sendo "nem um pouco claras", mostrando uma ida e vinda em sua postura, ora contrária, ora aberta ao diálogo, como se não quisesse "pagar o preço de atitudes nítidas". 

Esses exemplos já mostram o dinamismo de uma cobertura jornalística.

Neste domingo, momento de interregno entre as manifestações, o destaque não poderia ser outro, e não somente no Estadão. As 3 ondas de vaias que a Presidente Dilma sofreu na abertura da Copa das Confederações em Brasília tomam conta dos noticiários e das redes sociais, mostrando que, muito além de "polícia fascista do Alckmin" ou "fim do aumento de R$ 0,20", existem outras fortes críticas ocorrendo neste momento. 

Talvez estejamos vivendo um momento especial. Daqueles em que os políticos e a mídia deixam o lugar de protagonistas do espaço público de discussão e abrem espaço para as manifestações e a opinião pública que, mesmo em seu caráter difuso, "faz algo acontecer" e faz com que os discursos de políticos e da mídia tenham que ser mais dinâmicos talvez do que gostariam, de fato.

Bem, mas pelo que parece, só estamos no meio do caminho. Para amanhã está marcada a 5a. manifestação.