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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sobre o hedonismo e o pecado

Ainda numa daquelas tarefas insanas e improdutivas de tentar colocar ordem em papéis antigos, peguei umas anotações de uma coluna do C. Caligaris na Folha em que ele comentava a vinda do Papa Francisco ao Brasil. Segundo ele, não são poucas as religiões que combatem o hedonismo atual, ou a ideia do prazer como algo associado ao egoísmo e o consumismo. 

Difícil dizer algo contra esta associação. Mas ela não pode ser vista de forma maniqueísta. É claro que o consumismo tem no hedonismo um parceiro decisivo, mas o hedonismo se resume a isso, a tornar os homens egoístas? Por que a busca do "prazer" se torna um palavrão para muitos, assume uma conotação moral negativa? Será que é só renunciando ao prazer que adotaremos uma moral positiva? 

A questão se torna ainda mais complicada quando estamos sob o aparato cultural de uma religião fundada na ideia do necessário "sofrimento" para a salvação. Existe aí, então, um possível maniqueísmo que exige a suspensão do prazer para se conquistar uma moral elevada e evitar o pecado. Tal associação precisa ser melhor ponderada. Repito, não há dúvida que o hedonismo, hoje, alcança ares egoístas e doentios, mas eliminar a ideia do "prazer" não é a solução para a felicidade do homem.

(José Henrique P. e Silva)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Eleições e Religião: Um mal entendido?



É fato que vivemos uma crise da "representação política", e também é fato que esta crise cria problemas na "legitimidade de nossos representantes", e que, também, isto leva a democracia a ficar "contra a parede", mas, qual o papel da religião nisso?

Na Revista Cult de outubro/12 (n. 173), os cientistas políticos Leonardo Avritzer e Gláucio Soares comentaram acerca da relação entre política e religião tendo como pano de fundo as recentes eleições municipais. Não há dúvida que o tema é relevante pois nos últimos pleitos a religião vem ocupando determinado espaço no debate e suscitando polêmicas.

Avritzer, inicialmente, ao discutir o tema, nos lembra que os atuais elementos marcantes da nossa descrença no sistema partidário e nos políticos seriam o caso do "Mensalão" e a "crise da oposição". Ele nos diz, por exemplo, que Celso Russomano, nesse sentido, teria sido visto como uma opção.

Mas, para muitos intelectuais que acompanhavam a eleição em São Paulo, a vinculação de Russomano à religião foi vista como "perigosa". Avritzer tenta explicar a partir do confronto entre as formas católica e neopentecostal de atuar na política. Referindo-se aos neopentecostais, ele diz: 
Não tenho nenhuma dúvida de que o modelo atualmente sendo criticado pela intelectualidade paulista e por uma boa parte da mídia coloca maiores riscos para a tradição republicana brasileira, uma vez que ele tem a pretensão da inserção direta na política. 
Ora, confesso que, também como cientista político, não sei se este é o melhor caminho para se discutir a crise da representação política no Brasil. Em primeiro lugar, de que "tradição republicana brasileira" estamos falando? Que pilares republicanos são estes que nos permitem mesmo falar em "tradição"? 

Em segundo lugar, o que diferencia católicos de neopentecostais é mesmo o interesse destes últimos em uma atuação "direta"? O que é uma atuação "direta"? Há diferenças mesmo entre a pressão católica contra o aborto (eleição de Dilma em 2010), por exemplo, e o desejo de maior atuação dos neopentecostais? 

Em terceiro lugar, assim como a religião, a presença de movimentos organizados da sociedade civil (como sindicatos, por exemplo) também não seria um exemplo de busca por uma ação direta, quando busca eleger seus representantes (líderes sindicais)? Há diferenças, para a democracia, em termos de qualidade, entre representantes religiosos e sindicais? 

Ora, em meu ponto de vista, se temas da religião dominam determinados cenários do debate político, isso ocorre, justamente porque nossa "tradição republicana" garante largo espaço de liberdade à todo tipo de representação, e não porque é "incompleto" ou "limitado". 

Não sou um iluminista tão radical a ponto de ver Deus "morto" e isso, também do meu ponto de vista, não serve para criarmos uma espécie de "escala" tentando enxergar o que seria um melhor "republicanismo". Ou será que "quanto mais República, menos Religião"? Não creio que as coisas vão nesse sentido, a não ser, teoricamente. Mas, se com a teoria podemos fazer tudo, com a realidade não! 

Uma coisa, então, é concordarmos que a ascensão do discurso religioso no debate eleitoral é uma tentativa de se oferecer uma "alternativa" à crise dos partidos e das lideranças, outra coisa é associar a presença do discurso religioso como uma "ameaça" à democracia. No máximo, ele representa uma ameaça tal qual representa o discurso populista, que é clientelista e avesso à cidadania. 

A democracia já está ameaçada, e não por culpa da Religião, mas por incompetência própria, ou seja, de seus próprios instrumentos de mediação, como os partidos políticos, os sistemas eleitorais e os tipos de lideranças que atualmente dominam. Então, é para eles, e para as formas de representação, que os olhares mais críticos devem ser voltados, do contrário, corremos o risco de ficar culpando exclusivamente o "efeito" e não a sua "causa". 

Por outro lado, concordo quando Gláucio Soares diz que a presença neopentecostal é muito mais visível que a católica justamente porque: 
Parte considerável da influência de uma igreja se dá através do contato direto com os fiéis incluindo a intensidade e a frequência desses contatos. 
Isso, evidentemente, torna o debate neopentecostal mais eficiente que o católico, mas é muito cedo para "culpá-lo" e colocá-lo como "perigoso", afinal o caminho que parte da Igreja Católica está seguindo é o mesmo. Além disso, a "sociabilidade", entre os neopentecostais, ocorre, em grande parte, dentro do próprio grupo. Ou seja, o processo é idêntico ao que ocorre em um movimento sindical, por exemplo. Assim, as "redes espontâneas" são muito mais presentes entre os neopentecostais, o que dá, evidentemente, uma caráter mais visível à sua politização. 

Mas as coisas param por aí. Não vejo aí uma causa da crise da democracia, vejo um efeito. Um efeito da incapacidade dos partidos políticos, do atual sistema de representação proporcional, e desse famigerado Presidencialismo de Coalizão, em se constituírem, eficazmente, como mediadores da política brasileira. 

Existem problemas na expansão do discurso religioso? Podem existir! É um "perigo" à democracia? Não creio! Insisto que o olhar crítico deve se voltar para nossa forma de representação política, senão o debate como um todo vai se empobrecer por estar focado no alvo errado.

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Os comentários acima escrevi no contexto da disputa eleitoral de 2012.