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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O Mito de Narciso

Um mito é sempre um relato polimorfo, ou seja, está sujeito a mudar de forma. Ele rompe com a linearidade tão típica do pensamento racional e lógico, pois sua estrutura, além de complexa, envolve o imaginário. Um mito também remete ao "excesso", à "desmedida", algo que, na psicanálise, está muito próximo da "loucura". Talvez, justamente por isso, a loucura só exija mesmo de nós uma "outra" leitura possível de um indivíduo que "extrapolou" a realidade. Nesse sentido, o mito te uma voz polifônica que rejeita qualquer possibilidade de uma única interpretação. Não à toa, cada época parece construir sua própria versão de um mito, sem preocupar-se tanto com sua coerência interna, supostamente fixa. É preciso lembrar que uma das funções do mito é a sustentação de uma estrutura social, e es nunca é rígida ou estática. A leitura variável do mito também corresponde às mudanças que essa estrutura social sofre ao longo dos tempos.
 
Em sua versão mais tradicional, Narciso nasce de Cefiso (Rio) e Liríope (Ninfa), e foi fruto de uma indesejada gravidez e de um parte apreensivo. E, no dia de seu nascimento, o adivinho Tirésias previu que ele teria vida longa desde que jamais contemplasse a si mesmo. Possuidor de uma beleza incomparável não cedia aos apelos e amores das mulheres. Eco, foi uma bela ninfa que não conformou-se com a rejeição, vagou e o desejou amargurada até a morte, deixando apenas um sussurro melancólico, um gemido. Nêmesis, para lhe impor um castigo o fez partir para a caça e, estando muito cansado deitou-se à margem do rio para beber água. Foi quando viu seu reflexo, e ali também definhou até sua morte, encantado por sua própria beleza. Não encontraram seu corpo, somente uma flor em seu lugar havia nascido. Entre Eco (que viveu em função de Narciso, sem ter um "si mesmo") e Narciso (fechado em "si mesmo") o encontro seria impossível.
 
Interessante lembrar que o termo "narcisismo", ou mesmo "Narciso", deriva da palavra grega narke ("entorpecido"), que simbolizava a vaidade e a insensibilidade, pois estamos falando de um "entorpecimento emocional", de uma não ligação com os outros. Há uma negatividade aí, um drama de nossa individualidade, no limite, um olhar em profundidade sobre si mesmo. Para algumas interpretações, ao voltar-se para si mesmo Narciso enxergou-se como mais que um simples mortal, e por isso apaixonou-se. O que parecia enxergar, então, era a "criação". De alguma forma, entretanto, as duas versões se aproximam em muito. Afinal, olhar para si e enxergar a "criação" é, de alguma forma, impossibilitar-se de relacionamento com os outros mortais.
 
Mas, o que é o narcisismo? Pode-se dizer que, segundo a psicanálise, é uma patologia auto-referencial. Está marcado pelo Solipsismo (do latim "solu, «só» + ipse, «mesmo» + ismo"), uma concepção filosófica segundo a qual, além de nós mesmos, só existem as nossas próprias experiências, de tal modo que tudo o que resta é o eu no seu estado presente. Fora do "eu" tudo o mais pode ser posto em dúvida. O "eu" é a única realidade. Ora, em si, o narcisismo não é um problema, mas se torna patológico quando impede o avanço em direção ao outro, ao objeto, e permanece em si mesmo. Nesse caso, a libido fico endo-psíquica. O narcisismo é o primeiro caminho em direção ao outro, à alteridade. Trata-se de um processo que, se interrompido, transformasse em patologia.