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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Great Expectations

Gostei muito da versão de Great Expectations (Charles Dickens, 1861) feita pela BBC em 2011. É bastante rica em detalhes, sem falar nos belos cenários que tentam reviver a Londres da primeira metade do século XIX. A "transformação" de Pip é o ponto central. Não podemos esquecer que, em plena Era Vitoriana, a ascensão social era, talvez, a "grande esperança" de qualquer família pobre. Este não é o problema para Dickens, pois vê tais desejos como legítimos, mas como se dará este processo? É disto que tratou nesta obra maravilhosa.
 
Pip é um órfão, que vive com um casal de ferreiros. O homem é bondoso e lhe quer como aprendiz e filho, a mulher o vê como um meio para melhorar sua vida financeiramente. É neste meio de virtudes e interesses que Pip desenvolve-se. A trama está marcada por uma boa ação de Pip, quando criança, ao ajudar o Sr. Abel Magwitch, então preso fugitivo. É esta boa ação de Pip que leva este homem, quando liberto, a, de forma anônima, "financiá-lo" em sua educação com o objetivo de tornar-se um cavalheiro na sociedade.
 
Apaixonado por Estela, desde criança, Pip vê em sua ascensão a oportunidade de realmente estar com ela. É esta paixão que o leva a aceitar o distanciamento de sua família e tudo o que representava o "antes" em sua vida. A ascensão é rápida e no mesmo ritmo surge o desejo de esquecer tudo o que viveu. Mas, os "fantasmas" lhe assombram. O pai, depois de meses sem resposta, vai procurá-lo em Londres e ele demonstra descaso. O antigo aprendiz de seu pai lhe aparece e ele parece assustar-se. Uma criança que conhecera na infância, símbolo da arrogância da alta hierarquia (Herbert), agora é seu ajudante e parece ter trocado todas as suas ambições por um legítimo amor e uma vida simples, ao contrário de Pip. Não há dúvidas que enquanto Pip cresce em suas ambições se defronta, permanentemente com seu passado.
 
"O que era a companhia adequada um dia não é certo agora". Esta frase da Sra. Havisham (tutora de Estela) parece resumir o ponto central desta obra. "Nenhum de nós é o que diz ser", resume, por sua vez, Estela, o que parece ser a essência de uma sociedade construída a partir de meras ambições materiais e que esquece a autenticidade das relações e faz esfriar o coração.
 
Quem já não esteve disposto a "esquecer" um passado em prol de uma "grande esperança"? Mas, valerá a pena? Não seremos todos, no final das contas, "garotos da forja"? Em qualquer época e em qualquer lugar esta pergunta sempre ecoará em nossos ouvidos. É disso que Dickens tratou e é disso que tratamos até hoje. Não à toa Dickens é daqueles autores que chamamos de Clássico.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Humihação e Medo!

O horário era o do almoço. Perto de umas 13:30. Numa mesa próxima, um pai e duas crianças. Em determinado momento uma delas, a menor (talvez uns 5 anos), abre uma mochila, tira um brinquedo e o coloca sobre a mesa. O "problema" é que o brinquedo ao ser colocado e arrastado sujou a toalha que cobria a mesa. A reação do pai foi absolutamente desproporcional. Numa rápida reação esticou o braço, arrancou o brinquedo das mãos da criança, com uma mão lhe segurou fortemente o braço, com a outra lhe colocou o dedo na cara e desfilou uma série de pequenas ofensas, com uma feição que beirava o ódio.
 
Ele parecia mesmo estar seguro de que realmente tinha feito a coisa certa, afinal estava dando uma demonstração pública de seu "cuidado" com a educação de seu filho. Ok, tudo bem! Parei de olhar e me voltei para meu próprio prato. Mas, logo em seguida, comecei a me chocar por outra coisa. A reação da criança. Ficou absolutamente calada, quase estática em seu lugar durante todo o restante do almoço. Parecia estar paralisada de medo. Sua obediência era exemplar. Nem um pio sequer, nem um esboço de movimento, difícil até perceber se ela levantava o rosto. E isso parece não ter causado nenhuma outra reação no pai, que parecia convencido de sua missão. Mas, e a criança, o que sentia? Vergonha, humilhação, impotência, insegurança, abandono?
 
Ver esta reação da criança que me fez pensar em algo que as vezes parece tão óbvio, mas tão difícil de ser colocado em prática: Uma educação sustentada no afeto, e não na agressividade. Nós precisamos de uma casa e de uma família sadia para nos constituirmos emocionalmente fortes. Aí está o óbvio da questão, pois se trata de um princípio inquestionável. Mas, nunca é tão simples. Se tudo fosse tão simples, talvez a psicanálise nem existisse! E precisaríamos deixar de ser humanos também.
 
Claro que, depois de adultos, podemos recuperar parte do "estrago" que experimentamos na infância, mas poderíamos evitar muito desse sofrimento se existisse mesmo a luta e a disposição para transformar a família em um local de harmonia, onde o respeito ao outro (criança) deve prevalecer acima de tudo, e onde sempre haja motivo para o cuidado e o amor... só isso! Isso não significa ser passivo diante de uma atitude equivocada da criança, significa apenas que algo diferente deve ser colocado no lugar da agressividade e da ofensa. Esse pai, portanto, é exatamente o outro polo daquele pai submisso que, incapaz de colocar  limites, ajuda na formação de "pequenas majestades".
 
Mas, é comum ouvir pessoas, principalmente de uma ou duas gerações passadas, dizerem que o "sofrimento nos fortalece". Isso já serviu como pano de fundo e justificativa para uma educação "tirânica" e carente de afeto. É lógico que a dureza da realidade está aí para nos ensinar algo. Mas, será que não podemos aprender de outra forma? Temos mesmo que agir de uma forma que beira a crueldade com os filhos? Quem disse que uma educação centrada no respeito e no carinho não torna uma criança muito mais forte e segura que uma educação centrada na simples severidade? Veja, não estou falando de limites. Isso é outra coisa! Estou falando de se negar afeto.
 
Ora, o sofrimento, se nos ensina algo, é sempre nos machucando, ferindo, causando dor. O máximo que ele consegue é nos "embrutecer" e isso não é ser "emocionalmente sadio". A realidade já será devidamente dura para todos nós e nossas crianças, mas pra que antecipar estes sofrimentos? Torná-la capaz de sobreviver à dureza da realidade não significa envolve-la em sofrimento desde cedo. Significa dotá-la de afeto, lhe dar a segurança de saber que é amada, pois é este afeto que a tornará forte para enfrentar a vida. Uma vida dura leva ao sacrifício de muitos afetos e, consequentemente, da felicidade. Então, acreditar que uma educação baseada no sofrimento ajuda a suportar melhor a vida é só reproduzir aquilo que se aprendeu e se recebeu: uma vida sem afeto! Nada mais que isso. Temos mesmo que reproduzir isso? E não adianta culpar quem nos causou algum sofrimento. A responsabilidade por mudar é nossa. Somente nossa!
 
Enfim, há poucas coisas tão terríveis na vida quanto ver uma criança que, na sua paralisia e medo, mostra todo o seu desamparo afetivo. Nessa hora, alguma lembrança pode vir à mente, você suspira fundo, se identifica com algo e logo percebe: não precisava ser assim! Podia ter sido de forma diferente! Mas, vamos em frente.