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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Agorafobia e Pânico: O medo de ter medo (estar sujeito à angústia)

Em 1872, o alemão Carl Westphal descreve um quadro clínico em que os pacientes não suportavam ficar sozinhos em grandes espaços abertos sob o risco de viverem uma incontrolável crise de angústia, e o denomina de agorafobia ("medo de lugar público").

Mas, é na França, com Legrand Du Saulle (1878), que surge uma melhor descrição do que vai chamar de "medo dos espaços". A questão central, aqui, é que já não se tratava de um "lugar público", mas de qualquer lugar onde o "vazio" fosse experimentado como "medo" de sentir-se "sozinho"Mas, diante de tantas possíveis situações assim (locais abertos, fechados, etc.) existiria um elemento psicopatológico comum?
Este elemento essencial comum se situa, segundo nossa hipótese, no confronto que impõem estas duas condições com o fundamento de desamparo e de falta de garantias sobre a qual se desenrola o funcionamento psíquico, enquanto ancorado na linguagem. Para estes sujeitos, tanto a dissolução em uma multidão quanto a restrição a um lugar fechado, evocam a emergência do possível sob a forma de um fato aterrorizante: o sujeito descobre, para seu pavor, que não poderá encontrar aí nenhum tipo de ajuda se for necessária. Face a esta constatação, entra em pânico (p. 161).¹
Trata-se de um "medo de ter medo", "medo de estar sujeito à angústia", um medo mais frequente que todos os demais. É o medo de ter medo que unifica toda essa constelação heterogênea de situações fóbicas (medo de cair, de tontura, de ser zombado, de ter vontade de ir ao banheiro etc.).

E quanto á Freud? O que nos diz sobre isto? Em "Inibição, Sintoma e Angústia" (1926) nos diz que a fobia instaura-se após a experimentação de um primeiro acesso de angústia. Há uma lembrança desse ataque e o que o paciente vai temer é a sua recorrência em determinada situação da qual, portanto, imagina não poder escapar. Em "Novas Conferências" (1932), Freud confirma a fobia como fenômeno secundário, um estratégia defensiva contra o acesso de angústia. Seu principal sintoma, então, é uma inibição, uma limitação da função do "eu", justamente para tantar se poupar da angústia.

Mas, que explicação Freud nos dá para a origem desses acessos de angústia? Sobre isso, desenvolveu duas teorias sobre a angústia. Na primeira ("As Psiconeuroses de Defesa", 1894), o afeto (angústia) é o resultado da acumulação excessiva de libido insatisfeita, ou seja, surgia de uma "crise inexplicável" ancorada na acumulação da libido física. O afeto, dessa forma, é visto como um elemento estranho ao psíquico, já que deriva de outro domínio, o corpo. 

Com o tempo, Freud muda essa posição. Em "Inibição, Sintoma e Angústia" (1926) diz que a angústia experimentada em situações fóbicas não é independente da estrutura edipiana, ou seja, não depende somente de acúmulo de libido. Ela seria um "acréscimo" ao sistema defensivo para afastar um desejo proibido.

Mas, que "acréscimo" é este? Para Freud, uma "regressão" a tempos primitivos da infância (e mesmo ao útero) onde existia forte proteção contra perigos. Assim, se agorafóbico consegue sair acompanhado é porque está se comportando como aquela criança que não tem medo de sair com quem confia. Mas, se estiver sozinho, terá que conhecer bem o local e as pessoas. Trata-se de uma neurose onde há o reconhecimento da lei, mas busca-se desfazer esta proibição para se fazer valer o desejo - o que é a estrutura de toda neurose.

E quem é este acompanhante? É alguém que se legitima por sua posição tácita de indivíduo "adulto". Ele é o "representante da lei" junto ao superego, é o "fiador" da possível reconstituição desse indivíduo angustiado, por isso aparece como "desesperadamente indispensável", trazendo certo alívio.
O acompanhante fóbico constitui o substituto patético de um deus particular, a quem o paciente dirige seu pedido de ajuda de forma dramática por meio de seus ataques de pânico (p. 170).
Nesse sentido, por trás do abandono há uma relação entre desamparo, sexualidade e castração. Nesta neurose, há uma aparência total de abandono, mas permanece a problemática conflitual com a lei simbólica, diferente da psicose, onde esse possível reconhecimento na lei está praticamente aniquilado. Isso não quer dizer que nas neuroses não ocorram condições de despersonalização e desrealização, embora sejam sempre defensivas, justamente para barrar as experiências dolorosas. Assim, ocorre uma "dissimulação" da consciência e do eu para evitar o caráter insuportável da lembrança.

Aqui é interessante ver, também, a diferença que Freud estabelece entre "terror" e "horror". No terror, a experiência de aniquilamento é mais radical, sendo quase impossível até referir-se à uma lei. Já no "horror" surge uma confrontação petrificante com a realidade da castração.

Assim, para Freud, o desamparo não é um "acidente" da vida psíquica, que se manifesta em "situações específicas". O desamparo chega a ser intrínseco à vida psíquica. O que se precisa perguntar é sobre as condições que conduzem ao pânico, sem poder contorná-lo, sem possuir garantias! É disso que o pânico nos fala:
O desencadeamento de crises em situações cuja significação subjetiva é a falta essencial de garantias para a existência (p. 173).
Escrevi este post para apresentar uma síntese de um capítulo acerca da agorafobia e do pânico, de um livro de Mario Eduardo da Costa Pereira. De acordo com o autor, existe um intenso debate entre a agorafobia e o pânico. Debate esse, geralmente centrado na maior ou menor vinculação entre o pânico e a fobia. Para alguns, o ataque de pânico seria a causa primeira da fobia. Para outros, até pode existir uma vinculação, mas sem causalidade. Outros, ainda, negam inclusive a vinculação e dão à agorafobia autonomia enquanto entidade clínicaDe qualquer forma, parecem haver há dois tipos de pacientes que apresentam pânico: aqueles onde a crise se dá quando da exposição a uma situação fóbica, e aqueles cujos ataques não são situacionais, com fatores desencadeadores ocultos. 

Em 1980, com o DSM-III tínhamos 4 categorias de diagnóstico:

- Agorafobia com ataques de pânico (transtorno fóbico)
- Agorafobia sem ataques de pânico (transtorno fóbico)
- Transtorno de pânico
- Transtorno de angústia generalizado (estado de ansiedade)

Gradativamente, o "estado de ansiedade" é incluído nos transtornos fóbicos e, os três tipos passam a ficar sob a denominação de "transtornos de ansiedade" e o "transtorno de pânico" mantém-se, com o termo "agorafobia" perdendo valor descritivo para a própria situação de pânico.

Mas, a questão continuou polêmica, até que, no DSM-IV a agorafobia passou a ser considerada uma entidade independente do transtorno de pânico, mesmo se a síndrome agorafóbica estiver associada ao pânico. Não é bem o que Freud pensava, pois seu ponto de vista estava mais próximo dos que situam o pânico num lugar de primazia em relação à agorafobia

__________

¹ PEREIRA, Mário Eduardo da Costa. Os ataques de pânico e a Agorafobia: O problema da Agorafobia. In: Psicopatologia dos Ataques de Pânico. - São Paulo: Escuta, 2003, capítulo 8, p. 149-173.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Temos medo de que? (Angústia - Alain Vanier)

O ponto central desta conferência de Alain Vanier (1) é a tentativa de melhor entender o "medo" na contemporaneidade, e sua relação com o enfraquecimento das "figuras tutelares". De imediato, destaca o quanto é rico o campo semântico que constitui o vocabulário do "medo", mas quase nunca especifica bem. Que singularidades este, tão universal, "medo" tem assumido na história? Trata-se de uma questão muito interessante, mas o que o autor faz é partir do entendimento da psicanálise, e a partir daí chegar a uma compreensão atual. 

Freud associou o medo à angústia (angst) e esta entrou para o vocabulário da psicopatologia, dando à ela um estatuto mais importante, com a "neurose de angústia" (em 1895, ao distinguí-la das neurastenias). Para a psicanálise, a angústia seria vista como o "afeto principal", "fundamental", tendo uma estreita vinculação com nosso corpo. Mas, não significa um "ressurgimento de nossa animalidade", uma espécie de "reação". De fato, então, a palavra "angústia" é a que melhor fala do "medo", no sentido psicanalítico.
 
Vanier nos lembra que, para Freud, a angústia corresponde a uma tensão física que não pode ser elaborada psiquicamente, e essa tensão é sexual, sendo, em seguida, articulada à teoria do recalcamento. Ou seja, tendo a "representação" recalcada no inconsciente, o "afeto" é deslocado, não mais se reconhece, e se transforma em uma angústia que parece não ter objeto.
 
Estimulado pelos efeitos clínicos da I Guerra, Freud propõe uma divisão de medos e angústias em três categorias, em função de sua "relação com o perigo": 
  • a angústia — Angst — que se refere a um estado e "abstrai do objeto". O perigo pode ser desconhecido e provoca um estado de espera e de preparação;
  • o medo (Furcht), que exige um objeto determinado e dirige sua atenção para este;
  • o pavor, (Schreck) que é efeito de um perigo que não é preparado por alguma forma de alerta, não é preparado pela angústia, é marcado pela surpresa;
É isso que leva Freud a dizer que nos protegemos daquilo que nos apavora por meio da angústia. Inúmeras neuroses seriam o modo explícito de uma manifestação de pavor. Essa articulação entre medo e angústia seria mais nítida na fobia.
 
Ao longo dos anos 1920, porém, Freud vai propor uma segunda teoria da angústia ("Inibição, Sintoma e Angústia") onde não é mais o recalcamento que cria a angústia, mas sim "a angústia é que faz o recalcamento". Nesse caso, a angústia sobrevém de um perigo extremo, real. É aquela angústia, por exemplo, da criança diante da possível perda do amor da mãe. É vista como uma "angústia originária". Dessa forma, como nos diz Vanier,
A angústia é um sinal no eu, ela adverte o sujeito de um perigo que é o de um desejo enigmático que envolve seu ser como perdido e passível de anulação, seu ser como objeto que pode ser, sem saber qual, para o desejo do Outro. Só então o recalcamento intervém.
Um exemplo, estudado por Freud, está no artigo sobre o "pequeno Hans" (1909), com 4 anos e acometido por uma fobia. É um momento em que a descoberta do órgão sexual está se dando e as ereções já não acontecem simplesmente vinculadas à micção, e geram sensações desconhecidas e incontroláveis. É dessa forma que a "descoberta" da sexualidade aparece como o lugar por excelência do fracasso do domínio de si mesmo
 
No caso de Hans, o nascimento de uma irmãzinha só alimenta seus questionamentos, e logo sua fobia vai se desenvolver, principalmente quando sonha com sua mãe abandonando-o. Mais tarde, a fobia a cavalos seria o lugar da transposição da angústia, ou seja, o medo de ser devorado (abandonado) pela mãe gera o sintoma (medo do cavalo devorá-lo). Ele não sabe mais acerca do amor de sua mãe.
 
Imaginando-se não desejado pela mãe, ele sai do campo do imaginário desta e cai no campo da "angústia", substituindo o medo pela fobia
Esse medo, diferentemente da angústia, tem a vantagem de estar focalizado num objeto; de algum modo é um posto avançado da angústia. Paradoxalmente, esse medo tem uma função estruturante. Introduz uma ordem — exorbitante, é bem verdade — no mundo dessa criança: há, assim, lugares onde pode ir, onde ela não tem medo, e outros onde ela não pode ir. 
É assim que a fobia acaba por ajudar a criar um "exterior" e um "interior", pois, até então, a criança estava no "interior" da mãe. Por isso é estruturante para a criança. Quando ela se confronta com o medo do abandono ela se depara com seu próprio "desejo" pela mãe. É a falta do outro que gera o desejo. E, quando não sabe que objeto ele é para esse outro, e seu desejo não é atendido, surge a angústia, por vezes substituída pelo medo do "objeto fóbico", que é, em última instância, uma proteção contra seu próprio desejo. Surge aí, portanto, toda a problemática do relacionamento com o outro. Assim, 
O objeto fóbico é um significante, um significante que serve para tudo, trata-se igualmente do pai que pune e da mãe que devora. 
É claro que estes significantes têm um valor para além de toda realidade presente, mas está, porém, depositado na cultura, nos nossos mitos. Não à toa, perguntas como "O que ele quer? O que ele quer de mim?" "O que é que eu sou para o Outro?" "O que ele ama em mim?" "Ele me ama?" não param de surgir ao longo da vida inteira. 
 
As fobias, que manifestam isso, aparecem por volta de 3 a 5 anos (separação) e depois, por volta de 8-9 anos, quando a criança apreende que pode perder ou ser perdida por seus pais, que são mortais. É, portanto, a incompletude e a não compreensão que nos levam a temer e procurar a psicanálise. Sofremos por não compreender.
 
Desse modo, como Freud dizia, toda angústia é, fundamentalmente, angústia de separação. E daí a importância que Winnicott atribuía aos "objetos transicionais" (seja um bichinho de pelúcia, um paninho macio) que mostram que há um "resto" da separação e que ela não foi totalmente simbolizável.
 
O objeto da angústia, então, é um "objeto perdido", que "falta", que se "perdeu" na separação. Justamente por isso os pacientes fóbicos apresentam novos surtos de angústia quando a fobia desaparece, assim como reaparece na neurose obsessiva quando o sujeito é impedido de entregar-se aos seus rituais. A solução só se dá mesmo na resolução do complexo de Édipo, isto é, no lugar que o pai pode tomar como sendo aquele que se ocupa do desejo da mãe.
 
Isso nos chama a atenção para o lugar do "pai" e seu declínio, enfraquecimento de sua função, de forma estruturante, na atualidade, como se nenhum pai estivesse à altura de substituir por completo a dimensão simbólica de sua função. 
Essa dimensão ideal de uma figura paterna é particularmente evidente na constituição dos grupos. Quem tenha assistido a um dia de aula numa seção de crianças pequenas de um maternal — crianças de mais ou menos 3 anos — terá guardado na lembrança a dificuldade que a professora pode ter para simplesmente arrumá-las em grupo. Alguns anos mais tarde, as crianças formam uma fila sem maiores dificuldades, elas se organizam sob a tutela da professora, ou do líder que tenha surgido de dentro de suas próprias fileiras. O reagrupamento sob uma figura tutelar sempre constituiu uma das maneiras mais comuns de tratar o medo. O pai, ou sua figura, protege do medo
E esse reagrupamento se faz à custa de uma regressão que mantém o sujeito em uma posição infantil, mas que o protege contra a neurose. É o que a religião realizava com o "não tenhais medo!". Mas, com o relativo declínio do discurso religioso, a psicanálise emerge como sintoma revelador do mal-estar em nossa civilização.

Então, temos medo de que? Para Lacan, de nosso "corpo", esse haver, essa posse que nos possui e de que gozamos. Um corpo sempre mediado simbolicamente pelo Outro, que é constituidor; um corpo que a linguagem atravessa-o recortando e produzindo perdas. Um corpo "furado" pelas nossas faltas.

E sentimos o medo, a angústia de não mais gozar com este corpo. Não à toa estamos tentando preenchê-lo, sempre, com novos objetos que, por sua vez, logo nos deixam insatisfeitos novamente. 
Cada uma dessas felizes redescobertas é marcada de uma impossibilidade — "não é isso!" — e o sujeito é lançado novamente nessa busca sem fim (...) A ciência nos dá numerosas bugigangas próprias como engodo para o nosso desejo. Elas vêm no lugar daquilo que nos falta (...) Esse gozo, outrora remetido ao além como recompensa de uma vida de merecimentos, hoje em dia nos é prometido, mostrado como possível (...) Se essa organização é a mola propulsora do consumo moderno, é também provedora de angústia ante esse real que a ciência produz.
A ciência cresceu ante a religião e, como Benjamin dizia, o capitalismo é uma religião não expiatória mas "culpabilizante" nos oferecendo o que está "vivo" e, permanentemente, nos deixando na angústia, na falta de um sentido que sustente sua vida, em busca permanente de um balizamento que regule o nosso gozo. 
 
Dessa forma, vivemos o desmoronamento das figuras tutelares que tem como correlato o aumento do medo. Vivíamos num mundo em que nosso gozo se situava, se regulava a partir do Outro. Hoje em dia, somente nos situamos a partir do objeto.

E a psicanálise? Ela, como a ciência, é filha da modernidade. mas não é uma ciência, mesmo que tenha sido influenciada pelo discurso da ciência, pois ela a rejeita. Há, aqui, uma "jogada ética": 
O tratamento analítico permite que o sujeito saiba alguma coisa de seu gozo, permite apreender esse Real — e se contrapor a ele e suportar essa parte que incessantemente escapa ao sujeito, parte que, no entanto, é estrutural, embora retorne ao sujeito como aquilo que lhe é o mais estrangeiro. 

Sabemos que a psicanálise não promete o fim da angústia, apenas o "um por um", mas, como Kierkegaard dizia: "a todo instante o indivíduo é ele próprio e o gênero humano". A psicanálise nos permite viver com a angústia, que é a marca da nossa condição, da nossa finitude e da nossa paradoxal liberdade.
 
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(1) VANIER, Alain. Temos medo de quê? Ágora (Rio J.) [online]. 2006, vol.9, n.2 [cited  2013-07-12], pp. 285-298 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982006000200009&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-1498.  http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982006000200009.