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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Onde se situa a diferença? (sexualidade e normalidade)

Lembro que tinha exatos 19 anos de idade quando estava, com uma namorada, almoçando na casa de uma pessoa muito querida dela. Era uma senhora de trinta e poucos anos (pois é, na época, pra mim, era uma senhora... mas hoje sei que mulheres nessa idade ainda são garotas!), psicóloga, muito religiosa e uma mãe de dois filhos bastante devota à regras de comportamento de todo tipo. Num determinado momento, durante o almoço, a questão da homossexualidade veio à tona. Salvo engano, foi algo que veio da televisão que estava ligada. E lembro que fiz um comentário bem desastroso, por sinal. Disse que, em minha opinião, as pessoas "tornavam-se" homens ou mulheres. Ora, o que eu entendia disso? Era apenas um comentário livre o suficiente de preconceitos, fruto da educação que eu recebera. Mas, o mal-estar se instalou rsrs. Saí dali com uma péssima reputação. Mas o almoço estava gostoso, e isso era o mais importante!

Muito tempo depois, já envolvido até a alma com a psicanálise, o tema da sexualidade passou a ser recorrente, afinal, são raríssimos os pacientes e analisandos que não trazem uma questão de fundo sexual. Mas, enfim, aproveitei essa lembrança só pra endossar aquela minha velha opinião de garoto (sim, embora eu me achasse um "homem" de 19 anos, era só um moleque ainda, rsrs). Ou seja, continuo acreditando que nós nos tornamos mesmo homens ou mulheres.

Vivemos, hoje, uma época de intensa "desorganização" no imaginário social a partir da fragilização das categorias "masculino" e "feminino", até então referências simbólicas sustentadas pelas diferenças anatômicas entre homens e mulheres (pênis e vagina, para sermos mais claros). Claro que toda esta "desorganização" se reflete diretamente no surgimento de novas configurações familiares.

Então, de onde vem a certeza de que estamos diante de um homem ou uma mulher? Ora, antes mesmo de nascermos, nossa sexualidade (menino ou menina) já é fruto de especulações a partir dos "desejos" de nossos pais. Depois, quando somos bebês, eles nos compram roupas azuis ou rosas. E tudo isso baseado em nossa anatomia (e no desejo deles).

Será, então, em meio aos desejos dos pais e em toda esta relação triangular entre a criança, o pai e a mãe, que a sexualidade se desenvolverá, algumas vezes, independentemente da anatomia, e seus referenciais biológicos. O que quero dizer é que a masculinidade e a feminilidade são "PONTOS DE CHEGADA" e não "pontos de partida". A anatomia não explica tudo em termos de sexualidade.

É evidente que a questão da sexualidade desperta todo tipo de moralismo. E desse debate eu estou fora! Mas, é de se perguntar, por exemplo, se apesar de toda esta "desorganização" não estamos vivendo uma nova ordem moralista repressiva através do "politicamente correto", carregado de uma pretensa "normalidade".

Ora, o fato é que é no interior desta ordem (e seja ela qual for) que o psicanalista se situa e atua, não dando conselhos, nem determinando o que é a moral, mas acompanhando as mudanças sociais e verificando como as pulsões libidinais do indivíduo acompanham as mudanças, e que tipo de sofrimento pode surgir de tudo isto. O dramático, entretanto, é que, quanto mais a sociedade é moralmente repressiva, mas a sexualidade vai sendo pervertida, afinal, é por onde ela tem que "sair".

Não foi em um contexto assim (o da moralidade repressiva da Era Vitoriana de fins do século XIX) que Freud deitou e rolou (metaforicamente é claro) com as suas mulheres histéricas? E mais, se antes a histeria surgia da repressão sexual, o que é que está surgindo (em termos de patologias) de uma pretensa liberdade sexual hoje em dia? Ufa! Tema complicado! Mas, não é pra discutir muito não, é só pra ajudar a pensar.