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terça-feira, 13 de maio de 2014

A contra-ofensiva do PT com a volta de "fantasmas do passado"

O interessante, e desafiador, de uma campanha eleitoral é que não há linha "reta", ou seja, está permeada por ofensivas e contra-ofensivas. Aécio apareceu na TV, contou com o crescimento do temor da volta da inflação e capitalizou boa parte dos insatisfeitos que deixaram o apoio à Dilma entre março e maio. Agora vem a contra-ofensiva. Peça de campanha do PT hoje, em rede nacional, dá sequência ao pacote de bondades lançado por Dilma em 1° de maio.

Nada de novo nesta peça de propaganda. A defesa da continuidade é clara. O PT que teria "resgatado" parte da população pobre para o consumo e integrado-a na sociedade mostra para todos o "risco" de um governo do PSDB acabar com tudo isso ("volta de fantasmas do passado"). 

Uma coisa é certa, o PT sabe que há um claro movimento de reação na sociedade por "mudanças" e certo "cansaço" com o governo Dilma. E está contra-atacando com o que tem de melhor até aqui (o alcance das políticas de emprego e incremento do consumo). O tom é melodramático e inspira o "medo"! 

O alcance, porém, me parece limitado ao "reduto" mais tradicional do PT nestes últimos anos e trata-se, salvo engano, de uma tentativa de "reagrupar" o "time principal" (setores pobres que emergiram para o consumo) para, a partir daí contra-atacar em direção a outros setores sociais.

O recado do PT é claro: "ei vocês aí que conseguem trabalhar e se alimentar por nossa causa, fiquem do nosso lado e não se deixem contaminar pela onda de mudanças!"

Daqui a uns dias começam a sair novas pesquisas e já começamos a ver o que aconteceu de fato e como a oposição vai agir novamente!

Tá ficando animado!!!

(José Henrique P. e Silva)

domingo, 13 de abril de 2014

A Felicidade, entre a descartabilidade e a persistência

Há pouco tempo, em uma dessas sessões nada monótonas na clínica, um adolescente me questiona: Como ser feliz? A pergunta veio direta e objetiva, como é a fala de um adolescente. O que exemplificava seu incômodo era o fato de gostar de música dos anos 70 e seus amigos desaprovarem a ideia. Sentia um mal-estar que o deixava, por vezes, retraído e solitário pois imaginava não ser aceito.


Depois, já em casa, a pergunta teimava em não me sair da cabeça. Ela falava de felicidade, música, moda, consumo, e me levou de imediato a lembrar de alguns trabalhos de G. Lipovetsky, filósofo francês da atualidade. Lembrei dele por sua ousadia em rediscutir alguns temas como o da felicidade e as "frivolidades" do consumo contemporâneo. E sua discussão é bastante contextualizada, ou seja, deixa a filosofia um pouco de lado e discute a felicidade no interior das relações que os indivíduos estabelecem, consigo mesmo e com os outros, e isso tudo no contexto maior do "consumismo". 

O que dizer sobre isso? Hoje, por exemplo, é muito comum que uma pessoa "pressione" outra a consumir algo específico em função da marca, do preço, da beleza ou do status que representará. E, portanto, é muito comum que também critique os que já possuem suas preferências razoavelmente consolidadas, e não tão sujeitas à moda. De outro lado, também é comum "sentir-se" pressionado, afinal, consumir o mesmo que o outro é uma possibilidade de aprovação, pertencimento, aceitação, reconhecimento.

Segundo Lipovetsky a "hipermodernidade" atual ("hiper" porque a ênfase está no "excessivo") está marcada pela tendência em se fazer da "mercadoria" e de seu "consumo" o próprio sinônimo de "felicidade". Nesse contexto, o que escapa de transformar-se em mercadoria? A felicidade também não escapa a isso, afinal não se costuma dizer que se o dinheiro não traz a felicidade ele, pelo menos, a compra? É nesse sentido que a felicidade passou a inserir-se, cada vez mais, em embalagens de produtos sempre novos e, portanto, sempre descartáveis.

O resultado disso já conhecemos bem: um consumo interminável, que não sacia nunca, que não preenche nunca, um excesso que transborda sem tapar nenhum buraco em nós mesmos. Não à toa os maiores rivais dos psicanalistas hoje em dia são as viagens, os salões de beleza, os carros novos, as cirurgias plásticas etc., soluções bem mais rápidas e, melhor, que evitam o penoso trabalho de lidar consigo mesmo.

Mas, o fato é que o aumento do consumo na atualidade não implica em aumento da felicidade, do contrário não viveríamos uma "era de ansiedades", uma época de profunda inquietude e insatisfação. Apenas estamos, freneticamente, comprando momentos de um prazer muito instantâneo, pouco resistente e duradouro. A "novidade" dos produtos e a aceleração da tecnologia respondem a este frenesi, pois o que consumimos agora já não nos serve amanhã. Precisamos de algo "novo" para manter nossa esperança de satisfação. É assim que funciona, em linhas gerais, o "consumismo", seja ele de que ordem for.

Ora, se depositarmos todas as nossas esperanças de felicidade no consumo de mercadorias da moda estamos fadados ao vazio do deserto, a uma inesgotável carência, a uma falta absoluta, de onde só pode resultar o sentimento de queda, de vazio, embora o tênis de primeira linha possa até trazer um alívio imediato para alguns que se esforçam em comprá-lo, ou até roubá-lo. Mas, é só um alívio imediato!

Ora, todos queremos bons produtos. Mas, resumimos nossa existência a isso? A comprar bons produtos e, ao abrir a embalagem, esperar que a felicidade seja desempacotada junto com a mercadoria? Onde está a "vontade de potência" nietzschiana? Onde está aquele desejo de potência que nos impele a ultrapassar, ir sempre mais distante em nossa existência mais ampla? E quando falo "mais ampla" é no sentido de "além do consumo". 

Ora, o consumo só ocupa este espaço absurdo que alcança na atualidade porque em outros campos (educação, profissão, arte, política, etc.) abdicamos de qualquer busca, abdicamos de buscar a felicidade por ali. O resultado é uma vida cada vez mais centrada e direcionada para a "mercadoria". Isso deve ser motivo de orgulho para alguém? Como preencher nossa vida com algo (mercadoria) que, cada vez mais, é descartável? Somente nos tornando, também, descartáveis. Esse será sempre o preço a pagar por uma vida de "excessos".

Como diz Lipovetsky, é preciso "relativizar o consumo", ou seja, fazê-lo perder a importância absoluta que adquiriu. Mas, como? Lutando para não preenchermos nosso vazio simplesmente com a mercadoria; olharmos para outras direções, outros prazeres, outras satisfações, principalmente as mais duradouras, aquelas que possuem uma "história" e que não sejam tão descartáveis.

Afinal, é em torno destes "objetos duradouros" que temos a chance de darmos o contorno para nós mesmos e reforçarmos nossa identidade. Mergulhar neste rio de consumo exacerbado é ficar à deriva. O consumo não pode ser nosso único ideal, onde fica nossa "riqueza" afetiva, intelectual, profissional?

O fato é que, para o adolescente de que falei no início, gostar de um ritmo musical de 40 anos atrás, certamente lhe traz problemas entre seus amigos, mas também lhe garante uma boa possibilidade de contorno psíquico e uma tremenda sensação de prazer e orgulho, sentindo-se, porque não, especial, diferente, marcado por sua individualidade... algo tão raro na atualidade descartável.

Pois é, essa descartabilidade não é fácil, nem para quem opta por ela, nem para quem resiste a ela, pois a pressão ocorre por todos os lados. Há alguém nos mostrando algo novo, alguém nos facilitando a compra, alguém nos dizendo que temos que ser felizes a todo custo. Cada vez mais sou levado a pensar, por tudo o que presencio, que a "felicidade que se compra" é a felicidade dos solitários e narcisistas. É preciso ir mais além, isto é muito pobre, psiquicamente falando.

(José Henrique P. e Silva)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Quero meu Rosebud! (texto 3 - Consumo e coisificação)

Talvez estejamos vivendo uma época em que o consumo atingiu um fim em si mesmo. Muda-se, troca-se, compra-se qualquer coisa sem nem mesmo saber ao certo sua verdadeira utilidade. Mas, alguém nos diz que este é o procedimento padrão e passamos a consumir de uma forma que beira a irresponsabilidade. O bom senso  foi embora há muito tempo.
 
Tudo bem, vivemos numa sociedade onde o consumo é mesmo seu ponto central. Mas chegamos a absurdos, e como pensar sobre isto? Quem somos, na verdade, quando consumimos desenfreadamente? Não quero falar de evolução tecnológica, muito menos da severa competitividade entre as empresas que leva a uma disputa acirrada por mercados e pelo desejo do próprio consumidor. Quero pensar um pouco sobre que tipo de homens e mulheres estamos falando e estamos nos tornando?
Qualquer coisa que seja duradoura está sofrendo um enfraquecimento hoje em dia. Alguns definem a época atual como “flexível”, outros como “líquida”. O fato é que a perenidade e a durabilidade das coisas sofre ataques diariamente, e nos impele a buscar o “novo”, a “novidade”, a qualquer custo. Permanecer com algo por um tempo a mais é incorrer em "erro", é ficar para "trás", é ser ultrapassado, é não ser “moderno”, é não estar “antenado”.
Bem, isso já dá muito pano para manga. O fato é que em uma sociedade marcada pelo individualismo egocêntrico, pelo narcisismo, difícil falar-se em comportamento solidário, em valorização do outro. Não à toa, boa parte das doenças psíquicas atuais enveredam pelo campo das psicoses, das psicopatias mais graves, das perversões, das fixações naquele estágio da vida onde o reconhecimento da lei se torna uma impossibilidade.
Estamos sendo chamados a ser fortes e insuperáveis. “Podemos tudo o que queremos”! O narcisismo está à solta, e com vigor. Não à toa, também, os comportamentos violentos e criminosos aumentam assustadoramente. E não só os crimes da rua, mas aqueles que violam regras básicas, valores básicos. Não queremos perder em nenhum momento. Não admitimos a derrota. Tiramos a bola de campo e a levamos para casa, mas não aceitamos outra regra que não seja a nossa.
Este parece ser um possível retrato desse sujeito contemporâneo, que não submete sua vontade à nada, que desvaloriza o outro, que quer ganhar a todo custo, e com o mínimo de esforço possível. Os “meios” perderam qualquer importância diante dos “fins”. Maquiavel venceu! Teria tido um bom campo de estudo se vivesse nos dias atuais.
Este é o ser humano “total”, completamente cheio. Parece não conhecer o vazio, nenhum buraco sequer. Nada por onde escapar suas fraquezas, suas dúvidas, seus instantes de dor e sofrimento. Ele parece vestir-se como um super-homem, adquire um ar de indestrutibilidade. Sente-se poderoso e só enxerga vilões à sua frente. Vilões a quem tem que enfrentar e destruir, tirando-os do seu caminho.
Mas, ele está “cheio” mesmo”? Está completo? Não precisa de mais nada? Inevitável aqui lembrar da interpretação de Orson Welles em Cidadão Kane (1941). Dizer que o filme é maravilhoso é chover no molhado, pois está sempre nas listas de "melhores filmes" já produzidos. Mas, porque eu o acho fantástico? Todos devem ter o seu motivo e eu também tenho o meu. Para me explicar melhor vou reproduzir um rápido diálogo de nosso personagem principal, Charles F. Kane e o seu "guardião" financeiro, o Sr. Bernstein.
 
… Sabe Sr. Bernstein, se eu não tivesse sido um homem tão rico eu poderia ter sido um grande homem…
O que teria gostado de ser?
Tudo o que você odeia!
Kane veio de uma infância pobre, com pais endividados, e construiu um império, acumulou riquezas e prazeres que nenhum mortal poderia sonhar. Mas, e aí? Ele passou a vida conquistando… e perdendo tudo, como em uma montanha russa. Sua insaciável busca, entretanto, não era pelo dinheiro. Não à toa, diz ao Sr. Bernstein: Não é difícil ganhar muito dinheiro… quando a única coisa que se quer é ganhar muito dinheiro.
Ao morrer, e pronunciar a palavra “Rosebud”, nosso personagem simplesmente mostrou que existem coisas de que precisamos e que não podemos simplesmente descartar nessa busca ensandecida por dinheiro e poder. Pior, essas coisas não podem ser "compradas", como querem acreditar aqueles que se entregam facilmente à crença de que "o dinheiro pode tudo". Foster Kane tentou comprar a tudo, mas o preço que pagava era sempre muito alto: sua infelicidade, sua ruína pessoal.
A incessante busca, mostrada pelo filme, para se desvendar o mistério do significado da palavra "Rosebud", dita por Kane quando de sua morte, revela a própria incapacidade da sociedade em perceber o beco sem saída em que cada vez mais estamos entrando: o da supervalorização da imagem e do sucesso, e o esquecimento de nós mesmos. Quanta infelicidade isso está gerando. A busca incessante pelo significado da palavra “Rosebud”, então, é a busca que fazemos todos os dias por reencontrar algo que "perdemos" ou "deixamos de lado" em troca de alguma coisa que consideramos ou que nos dizem ser importante.
Nesse sentido, a palavra “Rosebud” definia sim nosso personagem: Kane era um homem que tinha saudades de uma época em que fora feliz, quando criança, em sua família. Isso o atormentava, fazia de sua vida uma aparente felicidade, corroída por uma destrutividade interna silenciosa, mortífera. Mas, no momento de sua morte, ele foi sincero consigo mesmo e "agarrou-se" à sua melhor lembrança, o seu "Rosebud".

Todos temos o nosso pequeno trenó, ou nosso brinquedo, aquilo que nos lembra de uma felicidade absolutamente honesta… ou não? Só precisamos saber o que fazer com isso. Vamos descartá-lo? Ou vamos lutar para mantê-lo por perto, como uma lembrança e uma certeza de que a felicidade é possível, e está sempre nas coisas mais simples ao nosso redor?
(José Henrique P. e Silva - out / 2013)

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A "interação" (e a responsabilização) na base do conceito de Política

Conceituar "política", como nos diz Iain Mackenzie¹, já é assumir uma determinada posição política. Apesar das dificuldades, entretanto, ele nos oferece um bom caminho para se pensar um conceito de política, claro que sem qualquer pretensão de esgotar o assunto. 

A política seria uma "atividade", realizada em "conjunto", em "interação", visando a "solução" de "problemas" (divergências, conflitos, bem comum), através de "consensos" e maiorias (o que implica cooperação) que resultem em "normas" e padrões comuns a todos. Em síntese,
Política tem a ver não só com discordâncias sobre se a política trata da resolução de conflitos ou da cooperação em prol de valores comuns, mas tem a ver com o que somos: será que "nós" somos agentes individuais em controle dos próprios interesses, desejos, valores, costumes, e assim por diante, ou será que "nós" somos indivíduos profundamente moldados pela maneira como essas coisas são transmitidas em termos de prática e estrutura social (p. 16).²
Me parece que existe aí uma questão acerca de nossa "RESPONSABILIDADE" sobre a política e seus resultados. De qualquer forma, em uma definição deste tipo a "política" escapa ao campo meramente institucional e ganha uma dimensão de "interação" e "cooperação". Isso faz com que tenhamos a oportunidade de pensar a ação política como resultado não somente da ação de atores institucionais (parlamentos, políticos, partidos, lideranças etc.) mas, fundamentalmente, a partir das mais simples interações no cotidiano.
O que fica de lição? Que não se pode ficar esperando que a solução de problemas ou a adoção de medidas que favoreçam o bem comum venham somente das instituições e governos. Essas agem, em grande parte, sob a pressão, que nelas se reflete, oriunda de outros atores da opinião pública (imprensa, grupos organizados e a própria opinião pública). Abdicar a esta concepção de política significa ficar refém de concepções que negam ao indivíduo sua responsabilidade sobre seu destino. Exemplos? Populismos demagógicos e autoritarismos de toda espécie, seja de "esquerda" ou de "direita" (confesso que não coloco uma unha no fogo por estes conceitos).
A política, então, só se torna "perversa" quando é abandonada pelos cidadãos e deixada aos "especialistas" e "técnicos". Não à toa, hoje em dia, quando cidadania e emancipação são, em grande parte, entendidas como "bem-estar material" (consumismo) vivemos um momento de "refluxo" do interesse pela política e, em consequência, maior possibilidade de "aventuras populistas" dentro da "democracia". Se não nos mantivermos, portanto, em permanente contato, em interação sobre os rumos de nossa política, como poderemos nos queixar quando intervierem negativamente em nossos destinos?

Se na psicanálise clínica nos utilizamos do conceito de "responsabilização" para enfatizar que somos, nós mesmos, os principais responsáveis por nossas atitudes e por nossos dramas, porque não extrapolar esse conceito para o campo da política, através da "interação social". É nesse espaço de interação que se constrói e se mantém, portanto, uma mútua responsabilidade sobre nosso destino, tanto individual, quanto coletivo, se é que é possível pensar nesta divisão.

Assim, tanto no campo de nossas ações individuais, quanto no campo das interações para a ação política, não conquistamos nossa liberdade sem o preço da responsabilidade. Desfrutar de uma liberdade sem responsabilidade seria, simplesmente, ceder a um espaço inconsciente de gozo absoluto, destrutivo, absolutamente narcísico, e incapaz de gerar laço social.

Não precisamos negar a política, mas podemos negar as formas como ela vem sendo praticada e entregue nas mãos de supostos "especialistas" e "técnicos" que, encastelados em suas "instituições" se colocam como benfeitores e "protetores" do povo. É preciso ter cuidado com isso, pois cada vez que acreditamos em um "herói" abdicamos um pouco mais de nossa própria força.

___________
¹ MACKENZIE, Iain. Política: conceitos-chave em filosofia; tradução: Nestor Luiz João Beck. - Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 9-17.
² Neste ponto, o autor nos parece falar de uma dicotomia entre um sujeito "individual e racional" versus um sujeito que "resulta do social". É um momento muito interessante pois talvez aqui precisemos recorrer à Psicologia Social para nos apegarmos a uma concepção de sujeito que, ao mesmo tempo que possui sua singularidade individual, vai formando-se e ganhando especificidade justamente na interação social. A dicotomia, portanto, pode revelar-se falsa.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O gerenciamento do narcisismo tem altos custos

Se tem algo que está se tornando razoavelmente insuportável para os relacionamentos sociais é o crescimento exacerbado de pessoas que ostentam uma forte autopromoção. Não se trata de uma simples questão de mostrar ao mundo sua autoestima. Se fosse isso vá lá, tudo bem. Seria só motivo de parabenizar a pessoa e ficar feliz por ela. Mas, o problema é que essa ostentação quase sempre vem acompanhada de pouco ou nenhum reconhecimento do outro e, por vezes, de comportamentos violentos.
 
Estou falando, então, de indivíduos que se colocam em ambientes sociais e situações de alta competitividade, seja no trabalho, seja na família, seja com amigos, e cuja atenção está sempre voltada para esta anormal promoção de si mesmo, onde tudo deve girar em torno dele mesmo. Para isso, ele manipula e explora as pessoas, vistas quase sempre como "objetos". Para ele, a "imagem" é tudo, pouco existe para "sentir" e quase tudo é para se "ver".
 
Em sua manipulação, ele pode se utilizar de mecanismos como o charme, a beleza, a sedução, a benevolência, a filantropia, o dom da palavra, a crença em possuir uma família perfeita, o fato de possuir todos os "sonhos de consumo" que os demais mortais desejam para si etc. São todos artifícios para suas conquista da atenção e do olhar do outro.
 
É comum que queira cercar-se de "insígnias" que os diferencie de outras pessoas, dando a ele um caráter de "pessoa melhor". Assim, geralmente procura fazer coisas diferentes que acredita que fornecerão estas "insígnias". Então, de repente, ele pode se tornar o "melhor nisso" ou o "melhor naquilo", sempre enfatizando suas próprias qualidades, numa promoção de si mesmo sem controle. É um "vencedor", um "poderoso", nem parece "humano" de tão "perfeito" que se mostra.
 
Como disse, pode se "utilizar" da família como um elemento a mais para sua promoção de si mesmo, ou do seu trabalho, ou do que possui. Mas, sempre como uma espécie de "extensão", uma "prótese" de seu enorme ego narcisista. O que ele tem é, portanto, sempre "o melhor" e, perder isso seria colocar em risco o seu projeto de sempre vangloriar a si mesmo. O que possui, então, ajuda a sustentar seu delírio. É assim que todos e tudo existe e funciona, para sua própria promoção descontrolada.
 
Não é anormal, portanto, que, com esta ânsia de sucesso, crie várias identidades para si. Literalmente, para aqueles que partem para a vida criminosa e, metaforicamente, no seu dia a dia. São novos papéis que assume e troca constantemente como se nenhum lhe coubesse muito bem. Por isso a busca permanente por novas insígnias que lhe forneçam uma distinção em relação aos demais. Um dia ele pode mostrar que sabe "isso", outro dia pode mostrar que sabe "aquilo".
 
O problema é que "gerenciar" estas identidades e papéis, que assume e descarta constantemente, é um alto fator de stress, podendo levar a atitudes percebidas pelos demais como "estranhas", como que mudando muito rapidamente de humor, por exemplo. Quando se vê questionado em um de seus papéis, ou identidades, quando tem a sua certeza abalada, ou quando sua "farsa" ameaça ser revelada, ele parece "desabar", sua expressão muda muito rapidamente e pode se tornar agressivo sem maiores razões. A "farsa" funciona como algo que "tapa" boa parte do "buraco" que está presente em sua existência. Se ela, a farsa, deixa de funcionar, o buraco surge à sua frente, ameaçador, insuportável.
 
Nesses momentos, algo em que está se sustentando parece estar ruindo e ele se sente ameaçado em sua construção delirante de ser alguém "melhor que os demais". Esse é um momento muito perigoso, justamente quando ele começa a se ver diante do horror que pode ser a sua verdade. A metáfora que gosto de utilizar para entender bem este momento é a da "desfragmentação", ou "desintegração", ou seja, enquanto seu delírio estiver funcionando ele parece não ter limites, mais parece um muro bem sólido, mas quando há algum contato com a realidade que ameace a constituição desse delírio, esse muro começa a se desfragmentar, desfazendo-se, em pedaços. É neste momento que ele pode se tornar especialmente doente e, perigoso para quem está ao seu redor.
 
Então, sustentar tantas mentiras cansa, e muito. É um forte fator de stress emocional e pode liberar raiva e violência, pois se houver uma falha nesse "gerenciamento" é a própria estrutura do delírio que se vê ameaçada, podendo ruir. Ou seja, o indivíduo ludibria, mente, manipula, mas tudo isso exige a construção de uma trama muito complexa de farsas. Até quando se consegue sustentar isso? Infelizmente esta patologia está se multiplicando, estimulada por ambientes fortemente competitivos por aí afora. Basta olhar, com atenção, para alguns dos "casos de sucesso" que estão ao nosso redor, ou melhor, "acima" de nós.
 
Pelo seu profundo vazio existencial esse indivíduo se torna presa muito fácil de qualquer ideologia competitiva. Ele vai ser o primeiro a topar uma competição, pois o ambiente de disputa lhe permite sempre uma possibilidade de "vencer", sentir-se "maior" e, consequentemente, sair deste "vazio", ainda que seja através da "farsa". A questão é saber quantas mentiras ele vai construir e o quão forte será seu delírio para sustentar-se. No meio de tudo isto, a delicada questão de ter que gerenciar esta trama repleta de farsas.
 
Quando olho para o futuro fico imaginando que tipo de sociedade teremos com tantos pais, hoje em dia, estimulando, desenfreadamente, a competição em seus filhos, ensinando-os a vencer a qualquer custo e cobrando deles somente... o sucesso! O que significa mesmo o "sucesso"? Qual mesmo a sua relação com a felicidade? É bom estarmos sempre pensando nisso! A competição e o sucesso, em si, não são o maior problema, mas que uso queremos fazer deles? Melhor não busca-los para simplesmente tapar algo com o que imaginamos não poder lidar.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Winnicott - Formamos cidadãos ou consumidores?

Em um artigo de 1950 o psicanalista D. Winnicott se aventurou pelo campo da política*. Ele sabia que não era seu campo predileto, mas também sabia que sempre era valioso cruzar-se fronteiras. Seu objetivo foi discutir a "democracia". Inicialmente, nos disse que a palavra tem múltiplos sentidos, sendo tratada como um sistema social onde: quem manda é o povo; o povo escolhe o líder; o povo escolhe o governo; o governo dá liberdade ao povo; os indivíduos possuem liberdade de ação. Mas, como tratar tal conceito psicologicamente?
 
Para Winnicott, uma das tarefas da psicologia é, justamente, a de estudar, nos conceitos, suas ideias presentes (significados óbvios e conscientes) e latentes. Este seria um bom ponto de partida. No caso da palavra "democracia" ele nos sugere que um dos conteúdos latentes seria o de que se trata de uma sociedade "madura", algo que está muito ligado à ideia de um desenvolvimento saudável e bem ajustado, como dizia Money-Kyrle. Portanto,
 
é o modo como as pessoas usam o termo que tem importância para o psicólogo (p. 190).
 
Mas, o que é o normal e o saudável? Levando-se a expressão para o campo do indivíduo diz-se que existe um "grau apropriado de desenvolvimento emocional", uma espécie de "maturidade", diretamente associada à "saúde". São significados que não são tão fixos, mas que se relacionam plenamente. Assim, democracia = momento saudável e de maturidade.
 
Vamos avançar. Como sistema  social a democracia também nos apresenta uma máquina através da qual existem eleições e mudanças nos governos, e sua essência é o voto livre (secreto) através do qual se pode expressar sentimentos profundos, inconscientes. Mas, como funciona o ato de votar?
 
Ora, o voto expressa o desfecho de uma luta dele consigo mesmo, tendo sido a cena externa internalizada e portanto trazida em forma de associações ao interjogo de forças existente em seu próprio mundo pessoal, interno. Isto é, a decisão sobre a maneira de votar é a expressão da solução de uma luta dentro da pessoa... o indivíduo torna pessoal a cena externa, com seus muitos aspectos sociais e políticos, no sentido de que se identifica gradualmente com todas as partes em conflito. Isso significa que ele percebe a cena externa em termos de sua própria luta interna, e temporariamente permite que sua luta interna seja travada em termos da cena política externa (p. 191).
 
É como se o mundo interno do eleitor se transformasse numa arena de disputa política. Voltando à questão da "maturidade", é fácil perceber que a democracia não é um sistema que pode ser imposto. Ela é sempre uma aquisição, daí pertencer à uma fase "madura" da sociedade. Como isto se explicaria, segundo Winnicott?
 
Nesta sociedade, neste momento, há maturidade suficiente no desenvolvimento emocional de uma proporção suficiente de indivíduos que a compõem, a ponto de existir uma tendência inata em direção à criação, à recriação e à manutenção da máquina democrática (p. 192).
 
Existe uma proporção de indivíduos específica para que a democracia sobreviva? Ou, ao contrário, existe uma proporção de indivíduos anti-sociais, específica, para que a democracia submerja, questiona-se Winnicott. Ele avança nestas questões mais específicas e nos diz que, em dado momento, numa sociedade, se existirem x indivíduos anti-sociais, há sempre uma quantidade z de indivíduos que, como reação, identificam-se à autoridade. Que postura é essa?
 
É uma tendência pró-sociedade mas antiindivíduo. As pessoas que se desenvolvem dessa maneira podem ser chamadas de "anti-sociais ocultas" (p. 193).
 
Seria uma postura doentia e imatura para Winnicott. Mas, então o que sobrar de 100 - (x + z) é igual à indivíduos "sociais"? Não! Ainda há os que ocupam posição indeterminada (y %). Então, saudáveis e sociais são aqueles que resultam da equação 100 - (x + z + y).
 
É sobre este restante que cairá a responsabilidade democrática. Mas, como surge este fator democrático? É inato? Estimulado pelas lideranças? Se pensarmos  em um caráter inato temos que pensar na forma como os pais agiram com seus filhos. São os "bons lares comuns" os únicos que podem fornecer um fator democrático inato.
 
É no homem comum, então, que repousa a essência de uma democracia. Entretanto, muita coisa conspira para o bom funcionamento do lar e isso sem falar que muitos pais não são "bons", são anti-sociais, imaturos, doentes, etc.
 
Mas, como a sociedade age contra isso? Sejamos fancos, há alguma preocupação com uma formação familiar saudável? Será que não estamos sendo absolutamente displicentes com o surgimento de patologias as mais diversas no seio familiar?
 
Mas, não quero aqui, fazer "sociologismo barato" e dizer que tudo se resume à questão econômica. Isso é mentira! Há bem mais coisas envolvidas, principalmente as de ordem psíquica. O que oferecemos, então, para a saúde psíquica da sociedade?
 
Para piorar, me parece que vivemos em uma época em que não só as condições psíquicas para a formação de crianças está cada vez mais comprometida, como também não sabemos exatamente se esta criança está se integrando a uma "sociedade" ou a um "mercado", competitivo e individualista, anti-social, portanto.
 
Não podemos cair no erro de acreditar que a única coisa que realmente importa é o cuidado físico, como nos diz Winnicott. Isso é a melhor expressão de fantasias que orbitam em torno da relação mãe-bebê (momento crucial para o cuidado físico necessário). Não à toa proliferam lideranças "maternas" e que "cuidam" dos indivíduos na sociedade.
 
Por outro lado, se tudo isto realmente for sensato e verdadeiro, resgatamos a importância da educação para a sustentação dos procedimentos democráticos. Mas, mais uma vez, é isto que vemos no cotidiano dos governos e lideranças?
 
No texto, Winnicott ainda faz referências ao papel da mulher no poder, à existência da democracia em estados de guerra e à questão das fronteiras geográficas da democracia, mas fico com estas questões já levantadas.
 
Nada sustenta melhor uma democracia que a existência de um fator democrático em determinado percentual da sociedade, e isso resulta, por sua vez, em grande parte, de um desenvolvimento emocional saudável, sobre o qual o governo não deve interfirir, mas oferecer apoios, como através, principalmente, da educação e de suportes psicológicos, além, evidentemente, de buscar condições para atenuar as carências materiais.
 
O grande problema e que me parece algo que merece ser estudado com muita atenção, é o fato de vivermos uma conjuntura de forte investimento em distribuição de dinheiro, precário investimento na educação e forte dose de credulidade no mercado. Isso precisa ficar mais claro. Precisa ser estudado com mais atenção para chegarmos a conclusões mais efetivas.
 
Por enquanto, são especulações, pessimistas, mas são só especulações de que não estamos formando cidadãos, e sim tão somente consumidores com alto potencial anti-social. Pior para a democracia? Melhor para os populismos?
 
Realmente Winnicott se aveturou pelo campo da política, mas não acredito que nenhum sociólogo ou cientista político não o respeite por isto, principalmente por nos fornecer, há tanto tempo, ferramentas para a análise da sociedade atual.
 
______________
 
* “Algumas reflexões sobre o significado da palavra “democracia”. In: D. W. Winnicott. Tudo começa em casa. Tradução Paulo Sandler. – 2a ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1996. – (Psicologia e Pedagogia), p. 189-204. Título original: Home is where we start from. O texto foi escrito para o “Human Relations” em junho de 1950.

domingo, 16 de junho de 2013

O "sucesso" e o "fracasso" da ideologia consumista no "caos" das manifestações

Em tempos de manifestações de toda ordem, lembrei de um texto do Slavoj Zizek, publicado na Revista CULT*, n. 161, de setembro/2011, cujo título é: "Saqueadores, uni-vos!". Nele, Zizek discute rapidamente a natureza de algumas manifestações sociais como as de Paris em 2005, e as de Londres e Egito em 2011, e faz uma  associação entre os tumultos e a ideologia do consumo.

O texto é interessante porque traz à tona um assunto que geralmente escapa nas análises que se faz sobre os movimentos sociais recentes, como estes que tomam conta de São Paulo nos últimos dias. Acredito que todos concordam que não há uma análise que dê conta completamente do que está acontecendo. As redes sociais estão "perplexas" e proliferam as tentativas de se entender os acontecimentos recentes. 

Neste "caos" interpretativo proliferam explicações de toda ordem: "os manifestantes são apenas baderneiros"; "trata-se de um ataque a Alckmin visando 2014"; "a PM continua fascista"; "é o Brasil abrindo o olho contra a corrupção"; "são pequenos grupos tentando manipular as massas"... Enfim, talvez exista um pouco de verdade em tudo isso. Mas, o fato é que há um sentimento de "errância" nas análises e ninguém parece dar conta da explicação. Pior, com a dinâmica dos próprios movimentos, alterando suas "palavras de ordem", a tentativa de compreensão exige mais cuidados.

Assim, o texto de Zizek é só mais um no meio do turbilhão e traz algo novo para se pensar também. De cara, ele faz uma constatação: Segundo ele, os mais conservadores  enxergam nestes tumultos (incêndios, saques, destruições, etc.) somente caos e a falta de disciplina e responsabilidade, por outro lado, a esquerda enxerga somente o fracasso do bem-estar da população, mal tratada pelos que estão no poder, como no exemplo de Alckmin, aqui em São Paulo, atacado pela esquerda. Para Zizek, os diagnósticos conservadores e da esquerda são equivocados.

Por outro lado, segundo Zizek, não dá para se falar em "sujeitos revolucionários", pois estas manifestações (e aí incluo as de São Paulo e as demais que proliferam pelo Brasil afora) estariam muito mais para aquilo que Hegel chamou de "negatividade abstrata", ou seja, uma turba que se expressa de modo "violento" e "irracional", sem reivindicar nada de forma clara. Não dá pra esquecer que a luta pelos R$ 0,20 já se transformou em outra coisa que não sabemos bem o que é. 

Zizek nos lembra que, já a algum tempo vivemos sob o predomínio de teses como a do "fim da ideologia" e a ascensão da "sociedade pós-ideológica". Ora, o que é isso? Anunciou-se o predomínio do mercado, o império do consumismo. Chegou-se a imaginar o "fim da história". Besteira!

estágio atual do capitalismo se sustenta, portanto, sobre uma ideologia que convida todos a escolher e a consumir. Mais do que a classes ou grupos sociais , então, pertencemos ao mundo do consumo. E é neste mundo do consumo que vivemos a plenitude da "alienação". E a esquerda que hoje governa o Brasil, através do PT, não escapa à isso. É patrocinadora, por excelência da ideologia do consumo. Ou sobre o que está assentada toda a política econômica e o "sucesso" eleitoral de Lula e Dilma? Dessa forma, a ideologia consumista, através da esquerda, parece estar realizando de forma perfeita e acabada aquilo que Marx já denunciava como "alienação".

Este é o "sucesso" da ideologia consumista. Ela nos acomodou, nos tirou a vontade de sonhar, nos tirou a utopia pela mudança, o que faz é atiçar nossos desejos por aquilo que é novo, desde que oferecido pelo mercado.

Ora, enquanto dá para consumir, ótimo, vamos satisfazendo nossos desejos, por mais absurdos que sejam. Mas, e quanto àquelas pessoas tidas como "deficientes" e "desqualificadas" do ponto de vista do mercado? O que o mercado oferece para elas? Nada! O Estado, com seus populismos, ainda tenta ter uma postura paternalista, que sabemos insuficiente e distorcida. No caso brasileiro, a proliferação de "bolsas" visa simplesmente minimizar esse impacto que vem de baixo para cima. Não é emancipador!

O fato é que, no mercado e no paraíso do consumo, não há espaço para todos, pois a base do sistema é competitiva, e destrói sempre algo para que outra coisa sobreviva. E, para complicar ainda mais a situação, por cima desta ideologia do consumo existe outra, a "ideologia da liberdade", apoiada, evidentemente, na tese da oportunidade de consumo, ou seja, liberdade para escolher e consumir. Mas, não dá para todos. E aí? O que fazer? Ela, a "turba" parece estar fazendo algo.

Por vezes explodem em ondas de violência (como as manifestações) mas, no geral, essa "violência" vem como uma maré que, lentamente, parece ir engolindo a sociabilidade humana no nosso cotidiano (como no caso da criminalidade, que só cresce). Por isso, as manifestações causam raiva e indignação no início, mas, com o passar dos dias, vão causando perplexidade e exigindo maior atenção e explicação. E mais, vão gerando fortes sentimentos de "identificação", pois acabamos por nos enxergar "dentro" dela, por algum motivo, por alguma forte insatisfação. Por isso essas manifestações parecem difusas, mas não são vazias de conteúdo.

Os tumultos vêm daí, sem um sentido lógico, verdadeiro caos, sem uma direção certa, sem uma comunicação clara. Este é o "fracasso" da ideologia consumista. Ela obtém o sucesso quando nos aliena e domestica, mas fracassa quando não permite que todos possam consumir.

No fundo, o que precisa ser discutido, fortemente, é a democracia que, segundo Zizek, se assemelha àquela jangadinha que desliza em meio a um mar tumultuado repleto de ameaças e seduções paternalistas e autoritárias, e não cumpre seu papel de criar mais cidadãos que consumidores. É preciso transformá-la em uma embarcação maior, mais sólida, que resista a estas seduções populistas às quais parece que nenhum discurso escapa.

Para isso, é preciso "recuperar a política". Talvez estas manifestações não saibam exatamente contra o que estão lutando, mas o que importa? Elas sabem que a democracia está assentada sobre bases muito frágeis. De que adianta dizer que a democracia foi conquistada a "duras penas"? De que adianta pedir para que as manifestações sejam de "paz". Há uma "violência" implícita na ideologia do consumo e na forma como a democracia se dá no cotidiano que, para muitos, vai ficando cada vez mais clara. 

E aí? O que prometer e oferecer em troca para que essas manifestações saiam das ruas e voltem para casa? Talvez uma democracia mais clara, transparente, efetivamente inclusiva, com políticas públicas centradas no cidadão, respeito ao dinheiro público - não há garantias para que nada disso funcione e acalme a todos, mas pode ser um bom começo.

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