sábado, 18 de maio de 2013

"Um Encontro" (James Joyce, Dublinenses)


Neste conto, de "Dublinenses", Joyce nos fala de um grupo de amigos que se reunia para contínuas brincadeiras de batalhas de índios, no bom estilo oeste selvagem. Entre eles, Joe Dillon era o que incorporava as brincadeiras com muita seriedade. Aliás,
Um clima de rebeldia difundiu-se entre nós e, sob sua influência, desapareciam diferenças de cultura e temperamento. Associávamo-nos alguns por arrojo, outros por divertimento e outros quase por medo. Entre estes últimos, índios relutantes que temiam parecer estudiosos ou fracotes, encontrava-me eu. As aventuras narradas na literatura sobre o oeste selvagem não tocavam de perto minha índole, mas, de qualquer forma, abriam portas para a fuga.
Neste curto trecho Joyce literalmente nos remete à infância. Ora, quem que (e aqui me incluo), tendo uma infância repleta de amigos, com largos espaços para correr e brincar nas ruas, não experimentou sensações como estas descritas acima, de fantasia, medo e fuga? Só hoje, olhando para trás com atenção, percebo que realmente haviam profundas diferenças culturais e de índole entre todos os colegas com os quais convivia, e que, de fato, se estávamos todos juntos era por motivos os mais diversos.

Não posso negar que, no meu caso, como sempre era o "mais novo" da turma, pairava sempre o "medo", essa sensação de não ter uma boa garantia de pertencimento ao grupo. Por isso, as vezes, me ocupava com papéis secundários, embora, vez por outra, buscasse uma posição de maior protagonismo, como que numa luta por sobrevivência, onde temos que mostrar toda a força, exibi-la e, se for o caso, demonstrá-la, como nas brigas com os amigos, por motivos os mais banais. De fato, estávamos em permanente batalha, onde as figuras de fortes e fracos, mocinhos e bandidos, faziam parte de nosso imaginário.

Voltando ao conto, Joyce nos mostra os conflitos proporcionados por uma atmosfera predominantemente religiosa, evidenciando o quanto os padres desautorizavam as brincadeiras e este "tipo" de literatura (quadrinhos, gibis).

Ora, conheço isso muito bem. Quase todos os meus anos de infância foram em um colégio salesiano e aprendi a conviver bem com as dissimulações dos padres em seu rigor quase mal humorado, convivendo com momentos, raros, de leveza.

Porém, assim que me distanciei da influência inibitória da escola, comecei novamente a ansiar por emoções violentas, pela fuga que somente aqueles tumultuosos relatos propiciavam. As guerras imaginárias, ao entardecer, tornaram-se por fim tão enfadonhas quanto a rotina da pela manhã, porque eu desejava participar de aventuras reais. Mas aventuras reais, pensei, não acontecem para os que ficam em casa; devem ser procuradas.

Ora, quem não ansiou por tais "aventuras reais". Talvez, hoje em dia, nestes ambientes higienizados por tanta tecnologia, virtualidade, cuidados excessivos e o politicamente correto, a "aventura real" tenha perdido muito de seu atrativo. Mas, acredito que o desejo pela aventura real ainda sobrevive em quem tem a condição e a possibilidade de fantasiar, de colocar seu  pensamento a favor da imaginação, da construção de cenários misteriosos, perigosos, desconhecidos.

Foi em busca dessa aventura que os garotos, voltando ao conto, marcam um encontro (matando a aula, evidentemente) na ponte do canal para, cruzando de ferryboat, irem até o columbário. Prepararam todos os detalhes, juntaram algum dinheiro, encheram-se de expectativa e emoção e seguiram no horário certo.   Gastaram boa parte do tempo vagueando pelas vielas observando o movimento de guindastes e locomotivas. Observaram minuciosamente o comércio de Dublin e o movimento de barcaças.

Lar e escola pareciam afastar-se de nós e sua influência apagava-se.

Compraram chocolates e biscoitos e os comiam enquanto caminhavam de forma errante pelas ruas estreitas. De repente, observam um velho aproximar-se. Ele começa a falar da saudade que sentia dos tempos de escola e dos livros. Claro que isso entendiava os garotos. Falou de namoradas e do necessário açoite a garotos desobedientes. Seu ar era intrigante e os garotos já torciam para o fim do monólogo. Encontrando uma desculpa banal e mostrando certo nervosismo o garoto se afasta, indo embora, mas carregando consigo certo medo de estar sendo seguido.

Subi a encosta devagar, mas meu coração disparava de medo que ele me agarrasse os tornozelos.

Estava aí sua aventura real, e principalmente o "medo". Um dia muito diferente onde a rotina e a monotonia do lar e da escola foram deixados para trás, e a fantasia, enfim, encontrou sua realização. Mas, como fazer isto hoje em dia, quando a tecnologia e a virtualidade te transportam instantaneamente para a aventura, sem a intermediação da fantasia? Não quero dizer que minha infância, ou a de gerações passadas foi melhor, mas que foi diferente, pois fazíamos, muito, uso da imaginação. talvez eu esteja enganado e, de alguma forma, a fantasia ainda sobreviva em meio a tudo isto que as novas tecnologias trazem. Torço para que isso seja verdade.

O mundo retratado por Joyce, neste conto publicado em "Dublinenses", é um mundo que ainda consigo, portanto, perfeitamente, imaginar, pois inúmeros traços dele ainda estão em minhas memórias: O grande grupo de amigos na infância, as ruas que explorávamos e que pareciam não ter fim, os locais abandonados que serviam para "experiências" as mais diversas, as disputas, as brigas, os romances...enfim, as "aventuras reais".