sexta-feira, 24 de maio de 2013

O Escândalo do Mensalão II - A fase de Pré-Escândalo: em meio à criação de uma CPI o presidente Lula diz tratar-se de um "caso isolado" e acusa a oposição de "golpista" (dias 16.05 a 05.06.2005)


No post anterior mostrei a repercussão inicial das notícias acerca de corrupção nos Correios envolvendo o deputado Roberto Jefferson (PTB) e as primeiras reações do PT através de José Genoíno, buscando defender-se de qualquer possibilidade de corrupção. Enquanto isso, a Folha de S. Paulo, objeto de minha investigação, juntamente com os discursos do ex-presidente Lula, apontava para um caminho fortemente investigativo. Como havia dito, ainda no dia 16/05, dois dias depois da revelação feita pela Revista Veja, o jornal tráz em seu título de capa a seguinte afirmação: "No poder, arrecadação do PT cresce".

De alguma forma, a acusação de arrecadação de recursos para o PTB, via corrupção, é potencializada com a reportagem que chama a atenção para o processo de arrecadação de recursos no PT: doações ocultas que somam mais que o dobro das contribuições que são declaradas. Segundo a reportagem, um tipo de doação que "explodiu" no primeiro ano de eleições durante o governo Lula, alcançando cerca de 13 milhões de reais. A reportagem ainda tenta mostrar que esses valores são ainda maiores se contrastados com documentos da tesouraria do partido, principalmente os que transferem os valores para as contas de diretórios e membros.

No mesmo dia o jornal revela que o presidente Lula teria solicitado um inventário de ocupantes de cargos federais com o intuito de melhor organizar essa distribuição para, justamente, poder cobrar lealdade ou punir atos de infidelidade. O intuito, também, é mostrar que Aldo Rebelo está equivocado quando diz que o PT controla a grande maioria das vagas e que a oposição estaria, também, errada quando fala em "aparelhamento" ou "politização" da máquina pública. Estaria em andamento, portanto, uma espécie de tentativa de reorganização do centro político do poder.

Como se já não bastasse essa preocupação com a base parlamentar que se arrasta continuamente desde o início do ano (2005) o governo agora terá que abrir outra frente de preocupação: impedir repercussões negativas pela denúncia do caso envolvendo o PTB, já que o presidente Lula e o Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos haviam decidido-se pela abertura de inquérito pela Polícia Federal afastando de imediato os envolvidos, nos Correios. Enquanto isso, no Parlamento, os rumores são no sentido de se ampliar a investigação.

No dia seguinte, 17/05, o título de capa afirma: "Oposição tenta criar CPI sobre os Correios". É uma constatação de como setores do Parlamento mostravam-se indignados com a eclosão da denúncia. Enquanto isso, o PTB pede que o governo Lula se solidarize com Roberto Jefferson, da mesma forma que fez com José Dirceu, anteriormente, quando do caso Waldomiro. O então Ministro da Casa Civil, José Dirceu, por seu lado, em entrevista ao programa Roda Viva, diz não concordar com nenhuma CPI já que as providências foram tomadas com a instauração de inquérito pela PF e com o afastamento dos funcionários envolvidos. Na ocasião, Dirceu afirmou categoricamente não haver fisiologismo no governo, e que este seria um "caso isolado".

Quanto a esse aspecto, é interessante lembrar que o PTB, em 2002, elegeu 26 deputados federais mas, já na posse, em 1º de fevereiro de 2003, contava com 41 deputados e, em junho, estava com 48, numa manobra estimulada pelo governo para diminuir a oposição e reforçar sua base, sem desfigurar o PT. Em outubro de 2004 o PTB já estava com 51 deputados federais. Mas, foi com as "revoltas" da base por maior liberação de recursos que o Executivo passou a considerar seriamente a necessidade de trazer o PMDB para mais perto, principalmente porque as eleições de 2006 estavam se aproximando. 

Dessa forma, o Executivo tinha como estratégia para consolidar sua base parlamentar, manter a integridade de seu partido e estimular as migrações partidárias que tinham como destino partidos menores. Só em casos mais extremos se aproximaria de partidos "nacionais", como no caso do PMDB.

Dessa forma, movimentando-se, fortemente, junto à base aliada, abrindo investigaçãoes nos órgãos federais e defendendo a tese de tratar-se de um "caso isolado", restrito ao Parlamento, o governo Lula e o PT vão construindo um cenário em que não estão envolvidos em abslutamente nada.

A oposição, por seu turno, se movimenta e começa a articular a criação de uma CPI mista, chamada de "CPI da Mesada" (termo originado da arrecadação necessária ao PTB, revelada por Marinho). A tese central da oposição é a de que o episódio não se restringe ao PTB, mas se trata de um escândalo do governo Lula. Temos, então, que, diante do necessário aprofundamento das investigações, uma CPI se torna necessária.

Para os governistas, entretanto, como foi dito, trata-se de um caso isolado. Esta é a contra-alegação principal. E, mais, a Polícia Federal já estaria dando seguimento às investigações necessárias. Roberto Jefferson, inclusive, chega a apresentar uma carta de Maurício Marinho, declarando-se o único culpado por esta "armadilha". Com isso, os principais envolvidos esperavam "acabar com a discussão".

Enquanto isso, na base aliada, a insatisfação continua com a forma com a qual o governo vem tratando Aldo Rebelo (Coordenação Política). É nesse ambiente que o governo tem muito pouca gente falando a seu favor no Congresso. O episódio da revelação de corrupção só parece ter colocado combustível na insatisfação da base aliada, no sentido de obter maior poder de barganha junto ao governo.

No dia seguinte, 18, o jornal anuncia: "Oposição diz já ter nomes para abrir a CPI dos Correios", mas o então Presidente, seguindo na estratégia de desqualificar a criação da CPI, manda um recado de solidariedade a Roberto Jeferson durante o almoço que teve com representantes da base parlamentar: "Zé Múcio, diga ao Roberto Jefferson que sou solidário a ele. Parceria é parceria. Tem de ter solidariedade. O Roberto Jefferson é inocente até prova em contrário. Quem tiver culpa no cartório, que pague" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1805200502.htm). O presidente Lula esforçava-se para atender publicamente a Roberto Jefferson, assim como fizera com José Dirceu, anteriormente, como Jefferson solicitara.

Mas, a oposição já anunciava ter o número de assinaturas suficiente para abrir a CPI. Nesse momento, se observa que os 13 deputados da ala esquerda do PT, "liderados" por Chico Alencar (PT-RJ), desobedecem a orientação do partido e manifestam a intenção de assinar a lista. Os debates entre oposição e governistas seguem intensos e acalorados. Severino Cavalcanti, que vinha mantendo-se num vai-e-vem com relação a esta questão, após a reunião da base com o governo fixa posição e diz que nenhuma das denúncias tem fundamento. O interessante, no meio disto tudo, é que Jefferson diz assinar a CPI. Está claro que ele quer que o governo se envolva mais no episódio para barrar sua criação, só assim não será visto como culpado, ou estará sozinho.

Ainda no mesmo dia, 18, o jornal trás o primeiro indício de uma ligação do caso com o presidente Lula. Na gravação, Marinho afirmara que a Novadata, empresa de informática, pertencente a Mauro Dutra, amigo de Lula, teria feito acertos com servidores dos Correios para reajustar o contrato em mais R$ 5,5 milhões e ganhar outra licitação. O jornal trás informações de como a empresa teria crescido enormemente durante o governo Lula.

As reações do governo e do PT são destacadas no título de capa do jornal no dia 19: "Planalto e PT ainda tentam evitar CPI". Neste momento, a oposição já dispõe do número necessário de assinaturas e vai dar entrada no requerimento. Entretanto, ainda podem ser retiradas assinaturas até o momento em que ela seja efetivamente instalada quando da leitura do requerimento em sessão conjunta (Câmara e Senado). O jornal define o governo como que "sob pressão" e que estaria em andamento uma "operação abafa CPI". 

Neste momento, porém, além do PDT e do PPS, o PV também anuncia sua saída da base de sustentação política do governo. PC do B e PSB se mantém. Com isso, o governo só consegue a retirada de 5 nomes. Mas, resiste, embora o presidente Lula, questionado pela Folha sobre a criação da CPI, quando da solenidade de comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, em 20 de maio, tenha dito: "Olha para a minha cara pra voce ver se eu estou preocupado com isso"[6]. 

O governo tem poucos dias para tentar a retirada de assinaturas. No próprio PT, por exemplo, já são 19 os que assinaram o documento e, como estratégia, o PT aprova uma resolução no Diretório Nacional contra a CPI e o próprio governo, em viagem marcada para a Coréia do Sul e Japão, leva o mínimo de ministros justamente para compor a tropa para abafar a CPI.

Enquanto isso, atento, às "preocupações" do governo, o PMDB, após uma reunião entre Renan Calheiros, presidente do Senado, e Antonio Palocci, ministro da Fazenda, mostrou-se interessado em ajudar o governo em troca de uma reforma ministerial mais ampla, que incluísse cargos nos Estados. 

A oposição, por seu lado, e já prevendo a ação do governo, vai tentando preparar uma lista extra de assinaturas, ao mesmo tempo em que PSDB e PFL já discutem o controle da relatoria da CPI, mostrando confiança.

No dia seguinte, 23, o título de capa do jornal é: "Contra CPI, Lula amplia investigação". Trata-se da ordem de Lula à que a Polícia Federal abra inquérito para investigar denúncias de corrupção no IRB (Instituto de Resseguros do Brasil). Estaria havendo pressão por parte de petebistas, sobre o presidente Lídio Duarte, no sentido de se obter uma mesada de R$ 400 mil. O jornal é claro em enfatizar que se trata de uma estratégia do governo para esvaziar a criação da CPI dos Correios com o evidente empenho na investigação pela Polícia Federal. Para o governo, uma investigação pelo Legislativo só teria sentido no caso de uma falta de empenho investigativo pelo próprio governo. O que antes era visto como um problema do Parlamento, agora é visto como algo que exige investigação, mas uma investigação totalmente controlada pelo Governo Federal. Nada de CPI!

O que temos, portanto, neste primeiro momento, da fase pré-escândalo, é que, de um lado, da oposição, se alega que a denúncia de corrupção é abrangente e exige uma investigação pelo Poder Legislativo e, de outro lado, do Governo, se contra-alega que a denúncia é um fato isolado, aproveitado de forma oportunista pela oposição e que só cabe uma investigação por parte do próprio Poder Executivo, através da Polícia Federal e da figura de seu então diretor-geral, Paulo Lacerda.

Este é o conflito discursivo dominante neste momento, e que se traduz, no cotidiano, numa acirrada disputa, no Congresso Nacional, em torno das assinaturas para a instalação da CPI. Uma tarefa difícil principalmente para o governo pois supostamente haveriam assinaturas mais do que suficientes, inclusive de membros de partidos da base aliada. 

O trabalho e convencimento junto às bases parlamentares se utiliza exatamente daquela estratégia discursiva citada acima, como fica claro nas palavras do líder do governo na Câmara, Dep. Arlindo Chinaglia (PT-SP). Segundo ele, "o governo está investigando, orientando e estimulando a investigação pela Polícia Federal, Controladoria Geral da União etc. Evidentemente que uma CPI, nestas circunstâncias, é desnecessária" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2305200504.htm). 

A tarefa, entretanto, é árdua para o governo. O PT, por exemplo, depois da "orientação" aprovada pelo Diretório, passou ao "convencimento" de um a um dos deputados e senadores que estão na lista de assinaturas. Enquanto isso, o presidente Lula viaja à Coréia do Sul levando uma pequena comitiva, justamente para não causar danos à estratégia de convencimento de seus parlamentares.

É nesse contexto que José Genoíno, presidente nacional do PT, fala em "requalificar" a base aliada. Seria uma resposta às sucessivas derrotas do governo no Congresso e uma alternativa para um mínimo de governabilidade. O pano de fundo desta questão, e que ficou evidente nas discussões do Diretório Nacional do partido, é justamente a política de alianças, considerada equivocada, pois atrairia setores tradicionalmente ligados à corrupção, principalmente nos pequenos partidos, tidos de "aluguel".

No dia seguinte, 24, a batalha campal se intensifica. O governo eleva o tom contra a abertura da CPI e, após as fases de "orientação" e de "convencimento" vem a da "retaliação", dirigida a cerca de 100 deputados de partidos governistas que assinaram o requerimento da CPI. Mas, a retaliação trás um elemento discursivo novo: a ameaça de "desestabilização do país", causada por parte de certos aliados. 

Chinaglia denomina de "Cavalo de Tróia" uma base cujos aliados acabam fazendo oposição ao próprio governo. Mas, se a retaliação tem um significado discursivo que é o da desestabilização do país, ela vem também  acompanhada de uma medida concreta: o risco de demissões, perda de cargos e não liberação de verbas orçamentárias.

Para reforçar esta tese do risco de "desestabilização" do país, o ministro da Articulação Política Aldo Rebelo acusaria a oposição de promover um clima semelhante ao de 1954, numa alusão a uma possível tentativa golpista da direita, segundo ele mesmo[7]. No mesmo dia, no Senado, Aloizio Mercadante, em discussão com o senador Antonio Carlos Magalhães, que havia solicitado "autoridade moral" ao governo, o chama de "golpista", reforçando a tese da "desestabilização do país", agora como se fosse um "golpe".

A capa do jornal, no dia 25, dia da possível abertura da CPI, tenta refletir o que seria o "desespero" por parte do governo e tem como título: "Governo tenta última operação anti-CPI". A novidade é que o deputado Roberto Jefferson que vinha solicitando a CPI agora mudara de opinião e retirara seu apoio à investigação, juntamente com toda a bancada do PTB, mas isso parecia surtir pouco efeito no volume de assinaturas. O PTB lança nota e endossa a tese do oportunismo da oposição e da ameaça à desestabilização do país. Sem desistir, o governo ainda aposta na aceleração dos trabalhos de investigação pela Polícia Federal, mas também tenta um adiamento da leitura do requerimento de criação da CPI por pelo menos uma semana, tempo necessário para a retirada de mais assinaturas.

Paralelamente, o governo anuncia a primeira liberação de recursos orçamentários desde o anúncio de cortes em fevereiro deste ano. São cerca de R$ 773 mi, sendo R$ 200 mi voltados para o atendimento a interesses de deputados federais e senadores. E, enquanto isso, Maurício Marinho, em depoimento à Polícia Federal, diz ter sido vítima de uma armadilha e que não há ligação do acontecido com Roberto Jefferson.

Mas, apesar dos esforços governistas o requerimento foi lido e o governo passava a colocar em cena seu plano B, ou seja, a busca do maior controle possível da comissão. A "operação abafa" como denomina o jornal, fracassara. No dia seguinte à votação, no dia 27, o jornal diz em seu título de capa que o "governo culpa PT por criação de CPI". Ainda em viagem, agora no Japão, o presidente Lula teria responsabilizado os parlamentares do PT e do PC do B por manterem suas assinaturas. Nesse momento, as rusgas internas são muito fortes e algumas lideranças prometem não deixar a situação tão simples para os "traidores". Não há mais o que fazer quanto à impedir a instalação da CPI.

No dia seguinte, 28, o jornal anuncia em sua capa que "Para Lula, CPI reflete clima eleitoral". Segundo o jornal, a avaliação teria sido produzida no encontro com Jorge Sampaio, presidente de Portugal, também em Tóquio. Uma vez perdida a oportunidade de barrar regimentalmente a CPI a explicação imediata para o acontecido, passada a "raiva" com os dissidentes, é dar à ele um significado "menor", ou seja, "eleitoreiro". Mais uma vez o presidente Lula muda seu discurso sobre o que estaria acontecendo. Agora, tudo não passa de "interesse eleitoral".

Mas, por enquanto, isto é uma fala quase exclusiva o presidente. O noticiário do dia foi muito mais marcado pelas trocas de acusação entre as lideranças petistas e os "rebeldes". Lula vai chocando-se cada vez mais, e mais forte, não só com os rebeldes, mas com a cúpula do partido, a quem também culpa pela crise política. O passo a seguir, de qualquer forma, tanto para o governo quanto para a oposição, é tratar de assegurar posições decisivas na Comissão. O conflito está aberto.

A questão da CPI, entretanto, ainda não está dada por encerrada para o governo. Ainda há interesse, não mais agora em barrar a CPI, mas em "matá-la", no interior da própria comissão. Neste momento seria oportuno recuperar aquele que talvez tenha sido o primeiro pronunciamento oficial do presidente sobre os rumos da questão, no dia 30/05, no programa quinzenal de rádio "Café com o Presidente", e confrontá-lo com o editorial da Folha de S. Paulo do dia 31/05. No editorial, o jornal enfatiza que o quadro do IRB é sombrio, mas não é novidade nenhuma. Justamente por isso há duas constatações:
A primeira delas, é que o IRB já deveria, há muito tempo, ter sido objeto de reformulações profundas para submetê-lo a um regime de mais transparência. O instituto esteve por ser privatizado, mas, ao final, nada aconteceu. A segunda, diz respeito ao caráter "suprapartidário" do processo de apropriação da estrutura pública por interesses privados e corruptos. [assim] Se hoje é obrigação do governo petista prestar esclarecimentos e tomar as medidas necessárias para enfrentar o problema, não é possível ignorar que há décadas desvios têm sido cometidos sistematicamente, em diversas instituições públicas, em todos os níveis de governo (...). O mais inquietante é que a tendência em curso não desperta otimismo. Ao contrário, pois mesmo um partido, como o PT, que construiu em sua história a imagem de intransigência com a corrupção, parece ir se adaptando rapidamente às regras do jogo[8].
O jornal, ao mesmo tem em que reconhece um caráter histórico da corrupção nas instituições públicas, mostra pessimismo por qualquer esperança de solução já que o próprio PT, que teria construído sua história sobre a bandeira da ética, estaria se adaptando muito rápido às "regras do jogo". Por seu lado, o presidente Lula havia tecido os seguintes comentários no dia anterior:
Voltei [da viagem ao oriente] com mais gás, voltei muito mais otimista, voltei achando que quem estiver torcendo para o fracasso do Brasil vai quebrar a cara. Pode ficar certo que vai quebrar a cara. Não existe espaço para política menor neste país. O Brasil está tendo uma oportunidade histórica e eu quero dar a minha contribuição para que o Brasil se transforme definitivamente numa economia altamente desenvolvida[9].
Duas frases são sintomáticas, nesta fala, do que viria a ser a nova forma de conduta do presidente: "voltei com mais gás, voltei muito mais otimista" e "quem estiver torcendo para o fracasso do Brasil vai quebrar a cara. Pode ficar certo que vai quebrar a cara". O presidente ainda diz que "não existe espaço para política menor neste país". O recado é muito claro: Lula voltou disposto a assumir grande parte deste embate e, é neste sentido que a política deixaria de ser "menor", pois ele traria para si boa parte das causas a serem defendidas. Seria, ao mesmo tempo o escudo do governo e o principal alvo da oposição. O presidente Lula está "entrando em cena".

Mas, como "matar" a CPI? Foi inevitável sua instalação, então, agora, a questão decisiva para o governo passa a ser o confronto aberto com a oposição na tentativa de enfraquecer o objetivo à que a CPI se propõe. Nesse momento, então, o recurso discursivo mais utilizado vai ser o de qualificar os interesses da Comissão como "eleitoreiros", ou seja, de alguma forma, estaria havendo uma "antecipação" da disputa eleitoral de 2006. 

Paralelo a essa "desqualificação" surge a estratégia de mostrar a "inconstitucionalidade" do requerimento que lhe deu a criação. Também vai crescendo, entre os governistas a tese de que o presidente Lula deve "entrar" de forma mais decidida nos debates. Muitos apontam que teria sido assim que Fernando Henrique teria conseguido evitar diversas investigações quando de seu governo.

Nesse momento entra em cena, também, o presidente do Senado, e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL). Segundo ele, bastaria que o parecer anti-CPI fosse aprovado na Câmara (onde a base do governo é mais forte) para derrubar a comissão. O Senado (onde a base do governo é mais frágil) ficaria fora de cena. De qualquer forma, a votação do recurso se dará na CCJ da Câmara em poucos dias.

O presidente Lula vai, gradativamente, entrando mais forte nos debates. Seu descontentamento com a cúpula do partido já foi apontada. Começa a surgir aquilo que podemos chamar de um "deslocamento" do presidente em relação não só à crise, mas à comissão e ao próprio partido. Trata-se de um momento decisivo em que Lula busca isolar-se dos efeitos negativos que estão sendo produzidos diariamente. 

Interessante notar que na edição do dia 02/06 o jornal trás uma pequena nota onde se teria apurado que José Dirceu teria feito uma forte crítica à condução dos programas sociais do governo. Esse tema viria a se tornar, no futuro, tão decisivo quanto o equilíbrio da economia, para o destino do presidente Lula. Mas, até lá, muita coisa ainda iria acontecer.

É neste contexto, entretanto, de "deslocamento" do presidente Lula, que a oposição aprova no Senado, requerimentos para que o governo seja obrigado a detalhar as despesas feitas com cartões de crédito corporativos. Os requerimentos são de autoria do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e trazem o governo, e o presidente Lula, para a linha de frente da discussão. O confronto vai se tornando inevitável, seja para o sucesso da oposição em trazer Lula para o campo de batalha das acusações, seja para os governistas que ganham um aliado de peso na defesa contra as acusações. Lula vai se tornando, gradativamente, peça-chave no futuro de toda esta discussão.

O título de capa de 03/06 vai nessa direção: "Operação abafa da CPI custa R$ 400 mi". De acordo com o jornal, o governo estaria preparando listas de deputados para liberação de emendas orçamentárias utilizando-se de R$ 200 mi já liberados a alguns dias e outros R$ 200 mi de emendas do Ministério da Saúde. Seria uma estratégia que se somaria à da aposta na inconstitucionalidade e que tem como pano de fundo sua desqualificação como eleitoreira. 

A data fatal para a CPI seria o dia 15 de junho, quando se votará o parecer anti-CPI, de Inaldo Leitão (PL-PB), ainda a ser aprovado na CCJ. O deputado Leitão, escolhido para relatar o recurso contra a CPI na CCJ está bem afinado com a tese discursiva dominante. Segundo ele há um "exagero" na criação da CPI e que esta não pode ser um "palanque". Mantém-se, portanto, a tese da contra-alegação por ora dominante: a CPI é desnecessária pelo fato do governo já estar investigando e, mais que isso, é oportunista pois a oposição a está utilizando como palanque, antecipando as eleições de 2006. 

Para reforçar ainda mais esta tese da contra-alegação houve o anúncio da "Operação Curupira" pelos ministros da Justiça (Márcio T. Bastos) e do Meio Ambiente (Marina Silva) com o objetivo de prender uma quadrilha de exploração ilegal de madeira. No discurso de Bastos o reforço da tese: "Estamos trabalhando fortemente, como nunca se trabalhou no Brasil, no combate à corrupção. Nestes dois anos e meio de trabalho no nosso governo já mostramos satisfatoriamente que a bandeira do combate à corrupção está em nossas mãos. O governo do presidente Lula não tolera a corrupção" (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0306200510.htm).

Essa é a espinha dorsal de uma tese discursiva que perduraria por muito tempo. Enquanto isso, no embate direto com o governo e já a algum tempo deixando pra trás a ideia de que se tratou de um caso isolado de corrupção, a Folha de S. Paulo, vai trazendo em suas páginas declarações de representantes da sociedade e de instituições, como um reforço à tese da necessidade da CPI, como é o caso do presidente do STJ, Edson Vidigal, e do presidente da CNBB, D. Geraldo Magela, que afirmou que o governo não deve ter medo da verdade.

O embate discursivo é duro e o governo parece confiante. Mas, as denúncias de corrupção no IRB continuam (a Revista Veja trouxe ainda mais novidades). As denúncias do IRB davam mais munição à oposição. Os líderes do PT reagem com a distribuição de cartilhas no Congresso onde o ex-presidente Fernando Henrique é acusado de ter sido conivente com a corrupção e de estar adotando uma postura "golpista". Definitivamente o embate trouxe o PT e o presidente Lula para a cena central.

Mostrando essa disposição, o jornal trás no seu título de capa de 05/06 a seguinte constatação: "Datafolha mostra que Lula enfrenta 2º turno". Trata-se de uma pesquisa que não só mostra uma conjuntura de fragilidade do presidente, queda na sua popularidade e desejo da população pela CPI, como aponta que seu discurso centrado na ética teria sido atingido. 

O presidente Lula responde com um discurso[10] feito num dos berços de sua vida política, Santo André. Um discurso marcante e emblemático por ali tratar de um tema central para o "erguimento" posterior de Lula, ou seja, a distribuição dos recursos sociais para os setores mais pobres da população. Foi um discurso que resgatou muito da história pessoal de Lula e de suas lutas, e esteve repleto de comparações com os governos anteriores e exaltações de suas realizações atuais.

O presidente parecia claramente estar buscando "fôlego" para iniciar um grande embate. A comparação com o governo anterior, de Fernando Henrique, está somente começando e ganhará, no futuro, tantos na eleição de 2006, como na de 2010, ares de tema central de campanha.

Entretanto, no dia seguinte, 06/06, o deputado Roberto Jefferson, até então um pouco retraído, concede entrevista à jornalista Renata Lo Prete, da Folha de S. Paulo, que trás em sua capa o seguinte título que soa como uma bomba: "PT dava mesada de R$ 30 mil a parlamentares, diz Jefferson". A entrevista foi tratada pelo jornal como "gravíssima". Teria início uma fase duríssima em termos de embate simbólico, como veremos no capítulo a seguir.

Para fechar este capítulo, como vemos, então, o desenrolar dos caminhos da trama narrativa nesta fase inicial de pré-escândalo? O esquema abaixo tenta oferecer uma síntese dos caminhos percorridos.

REVELAÇÃO INICIAL (Revista Veja)
Num flagrante rico em detalhes se constata que existe corrupção no governo do Presidente Lula, comandada por Roberto Jefferson, com o intuito, dentre outros, de arrecadar fundos para o PTB.
REPERCUSSÃO IMEDIATA (Folha de S. Paulo)
Diante de indícios e evidências a posição é por investigação aprofundada, alegando-se que não deve tratar-se de um evento ocasional. O jornal entende a necessidade de uma CPI, para a qual a decisão do presidente Lula é fundamental, mas não tão fácil.
ALEGAÇÃO INICIAL (oposição)
Alega-se, de imediato, que não se trata de um caso isolado envolvendo um funcionário dos Correios, ou mesmo o PTB, ou ainda o deputado Roberto Jefferson, mas de algo que envolve o governo como um todo, daí a necessidade de uma CPI.
Incremento da alegação inicial - O nome do presidente  é associado indiretamente ao escândalo quando vem à tona que uma empresa (Novadata) de um amigo seu (Mauro Dutra) é denunciada por obter vantagens ilícitas nos Correios.
NEGAÇÃO INICIAL (governistas)
Para os governistas, o que foi revelado se restringe a um evento localizado e diz respeito ao mau comportamento daquele funcionário. Além disso, todas as providências cabíveis já foram tomadas (afastamento e inquérito da Polícia Federal).
Incremento da negação I - Em discurso na Câmara, 17, Roberto Jefferson apresenta uma carta onde Marinho assume toda a culpa (ingenuidade) pelo escândalo (armadilha), e é aplaudido pelos governistas como numa espécie de "encerramento da questão".
Incremento da negação II - José Dirceu, reagindo contra a oposição, diz que existem 44 pedidos de CPI's na Assembléia paulista e que as tentativas de envolvê-lo em qualquer acusação beiram o "golpismo".
Incremento da negação III - Diante das investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e outros órgãos federais, a tentativa de criação de uma CPI significa uma séria ameaça à estabilidade do país, e que teria como objetivo a antecipação das eleições de 2006. Um "oportunismo eleitoral que desestabiliza o país".


...Continua!



[6] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2105200502.htm
[7] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2405200504.htm
[8]  "A corrupção de sempre", 31/05/05, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3105200501.htm
[9] Programa de rádio "Café com o Presidente", Rádio Nacional, 30/05/2005, disponível em http://www.info.planalto.gov.br/
[10] Discurso do Presidente da República na cerimônia de entrega dos cartões do Programa Bolsa-Família, Santo André-SP, 04/06/2005, disponível em http://www.info.planalto.gov.br/

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