quarta-feira, 15 de maio de 2013

"Noites Brancas" (Dostoiévski)


"Noites Brancas" é um curto texto de Dostoiévski publicado em 1848. Foi escrito após uma forte desilusão amorosa e também é seu último texto antes de ser encaminhado para a prisão e exílio na Sibéria. Não se encontra aqui aquele Dostoiévski onde a cena social é sua maior preocupação, mas um Dostoiévski que sofre pelo amor. A própria ausência do nome de seu errante personagem parece ser um indício de sua amargura, em não enxergar a si mesmo.
 
Outro indício desse seu momento de certo alheamento amoroso é a própria atmosfera criada em São Petersburgo pelo fenômeno da "noite branca". Trata-se de um momento em que o sol permanece na linha do horizonte iluminando a noite e criando uma paisagem propícia ao sonho e à paixão. É um Dostoiévski "aprisionado" à noite e à espera da luz da manhã seguinte. Não à toa a trama se passa em 4 noites e na manhã seguinte.
 
No início, nosso personagem sente-se angustiado, mas não sabe a razão. Percebe que praticamente todos na cidade a estão deixando para desfrutar de algum prazer proporcionado pelo verão nos campos. De alguma forma, todos lhe parecem felizes e com o destino certo: deixar a cidade por algum tempo. Somente quando, em determinado momento, decidiu caminhar sem uma direção clara e foi afastando-se da cidade, é que compreendeu a razão de sua inquietação: Parecia estar ficando sozinho. No seu caminhar sentiu sensações estranhas, de felicidade, de esperança ...
tal era o poderoso influxo que a natureza exercia sobre mim, doentio habitante da cidade, que se sente abafar entre as paredes dos prédios (p. 17).
Em seu caminho de volta passa pelo canal da cidade, local onde muitos paravam para contemplar. Nota uma moça que passa a seu lado e escuta soluços. Tentou aproximar-se e lhe falar, mas ela afastou-se. Ele percebeu que ela vinha sendo seguida e estava sendo abordada indelicadamente. É quando se aproxima e afasta o sujeito desconhecido. Oferecesse para acompanhá-la até à sua casa. No caminho conversam e ele lhe demonstra toda a satisfação e felicidade em estar tendo a oportunidade de falar a uma jovem tão bonita e educada. Inevitável que apelasse a um segundo encontro, na noite seguinte.
 
E, de fato, deu-se o encontro. Mas, sobre o que conversar? A ansiedade de nosso personagem é tamanha que, quando questionado sobre "que espécie de homem é voce?" ele disparou a contar uma história em terceira pessoa, de forma frenética, quase sem pausas a ponto de ser interrompido algumas vezes por sua acompanhante. Ele passa a falar de uma vida onde tem se encontrado "completamente só", sempre. Fala de uma vida que não passa de...
uma obscura rotina e de habitual monotonia, para não chamar-lhe vulgar, vulgar até o desespero (p. 33).
Nesse cenário é que surge o que ele chama de "sonhador", alguém que costuma viver fora do mundo, numa espécie de refúgio, como se se escondesse da luz do dia (p. 33).
É já escuro no seu quarto e ele tem a alma triste e vazia. À sua volta desvaneceu-se todo um império de sonhos: secretamente, sem ruído, sem deixar provas, como só um sonho pode desvanecer-se, e ele nem sequer poderia contar aquilo que viu. Mas um obscuro sentimento que começa a agitar-se no seu coração, pouco a pouco lhe vai infundindo um novo anseio, afagando, sedutor, a sua fantasia e, sem querer, aí volta à sua frente uma nova cavalgada de visões (...) surge em seu redor um novo mundo, uma nova vida encantadora. Um novo sonho... uma nova felicidade (p. 39).
Ora, mas em que lhe interessa esse nosso mundo "real", considerado lento, monótono, vazio? Mas, o que alimenta os seus sonhos, pergunta-lhe Nástienhka? É só ilusão! Fantasia! Ele responde. Mas, é disso que precisamos. E avalia:
Teria sido então tudo isso um simples sonhar acordado... e também o jardim solitário e abandonado, com os carreirinhos cobertos de erva, em que ambos passearam tantas vezes de mãos dadas, erguendo ilusões, e em que se desejaram e se amaram tão triste e docemente... ? (p. 43).
Nástienhka ficara surpresa por ele ter levado a vida inteira assim, de forma solitária, ociosa, inútil e aborrecida. Ela se lastima e chora, e lhe promete uma eterna amizade. Mas, ela quer lhe pedir um conselho. Antes, porém, vai lhe contar sua história. Ela lhe conta que sempre morou com a avó, num sistema de permanente vigilância ("amarradas às saias da avó"). Na casa, um quartinho servia para alugar e, certa vez, um inquilino lhe chamara muito a atenção a ponto de desejar ir embora com ele quando de sua partida para ficar um ano fora. Ele prometeu voltar, mas ela não acreditava. Foi duro para ela, mas ela declarou-se apaixonada para ele. Entretanto, ela soubera que ele estava de volta. Mas, como encontrá-lo? Ele sugere que ela escreva uma carta a ser entregue para conhecidos do seu amado. Cada momento que passava só servia para que ele aumentasse o seu amor por ela. Mas, como dizer-lhe? Até porque ela mesmo enaltecera sua disposição em ser apenas amigo e não aproveitar-se da situação. Tem início um conflito interior: contar ou não a ela o que sente?
Parecemos todos mais frios e taciturnos do que somos na verdade; pode-se dizer que as pessoas têm medo de se comprometer expondo com franqueza os seus sentimentos (p. 74).
A espera pelo retorno do amado é angustiante para Nástienhka. Na quarta noite a certeza de ter sido abandonada já é dominante. Ela se lamenta e chora. É quando ele, já não aguentando mais, decide lhe revelar tudo o que sente. Declara todo o seu amor. Ela é compreensiva e, certa de seu abandono percebe que é possível amá-lo também. Chega a pedir-lhe para ir morar pertinho dela já na manhã seguinte. Isso o deixa num estado de felicidade jamais visto. Fazem planos, muitos planos. Ela lhe diz, selando seu amor:
Quero dizer, se sente e acredita... que o seu amor é tão grande que pode afugentar do meu coração... Se voce tem tanta pena de mim e não quer agora deixar-me entregue ao meu destino, sem consolo nem esperança; se for capaz de amar-me sempre assim, como agora me ama... então, eu lhe juro... que minha gratidão... que o meu amor há de ser digno do seu... Quer aceitar a minha mão? (p. 85-6).
A felicidade parece não ter limites. Neste momento, tudo o que era sombrio em sua vida parece desaparecer:
Olhe para o céu, Nástienhka, olhe para cima! Amanhã vamos ter um dia lindo... Como o céu está azul e olhe para aquela lua! (p. 89).
Nesse momento, entretanto, um homem se aproxima. É ele! Ela não se conteve. Pegou em seus braços e foi embora. Nosso personagem não sabia o que pensar. Na manhã seguinte ele recebe uma carta dela. Ela pede que a perdoe pelo seu coração retornar às mãos daquele que já era seu dono. Tudo para ele volta a ser sombrio. Percebe que tudo ao seu redor está cinzento, envelhecido, com teias de aranha. Nestes instantes finais ele diz que o fato de só ver sujeiras nas paredes de seu quarto deve-se ao raio de sol que o iluminou.
Talvez a culpa de tudo isto fosse aquele raio de sol que de súbito surgiu por entre as nuvens, para logo depois voltar a esconder-se por detrás de outra ainda mais escura, que anunciava chuva, de tal maneira que todas as coisas se tornaram ainda mais lúgubres e mais sombrias... Ou seria que os meus olhos divisaram o meu futuro e nele viram algo de árido e de triste, algo semelhante a mim, ao que sou agora, àquilo que serei dentro de quinze anos, neste mesmo quarto, igualmente só (p. 93).
Mas, nenhuma raiva se apodera dele. Ele perdoa Nástienhka. Deseja-lhe toda a felicidade proclamando:
Bendita sejas pelo instante de felicidade que tu deste a outro coração solitário e agradecido! Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher uma vida? (p. 94).
O pequeno romance é uma bela descrição não precisamente de um coração apaixonado, mas de um comportamento depressivo e seu olhar cinzento sobre a realidade. Com esta experiência de felicidade, vivida, por instantes, ao lado de Nástienhka, ele poderá agora, quem sabe, ter outras lembranças... e outras esperanças. Quem sabe poderá mudar seu olhar sobre a vida e enxergar, vez por outra, que os raios de luz podem ser raros, mas eles existem e dão um forte sentido à nossa existência.

Dostoiévski, nesse momento, está em busca de algo que lhe dê sentido à vida. Não custa lembrar que vinha de uma experiência amorosa desastrosa, além de estar às vésperas de ir à prisão. Um pequeno e belo texto. Se puder, veja também o filme de 1957, de Visconti.

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