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quinta-feira, 24 de abril de 2014

A conversa dialógica e o "fetichismo da informação" no mundo da política

Estava pensando um pouco sobre o que é mais importante numa conversa, se fazer afirmações ou escutar? Quem já não se questionou sobre isso? Basta lembrar situações em que estamos, por exemplo, numa mesa de bar com amigos onde todos falam ao mesmo tempo e buscam impor seus argumentos, ou quando estamos ouvindo a quem admiramos e parecemos não questionar nem um pouco o que a pessoa diz. 


Nos dois casos há o domínio do que se chama de "fetiche da informação", ou seja, aquela ilusão de que só o que falamos e afirmamos é que tem importância e os demais devem simplesmente ouvir e ficar quietos. Nesses casos não há conversa alguma, só imposição de argumentos, de um lado ou de outro.

Na conversa "dialógica" não temos, necessariamente que chegar a "acordo" algum que signifique a eliminação do "outro", não temos que nos "confrontar" para eliminar um argumento, nela temos que exercitar a capacidade de "escutar" principalmente. Diria que esta é a conversa democrática por excelência, pois o mais importante não é "vencer" um debate, mas "escutar", trocar, se conscientizar mais do próprio ponto de vista e ampliar a compreensão entre todos que conversam. Bem, pode até ser a conversa de tipo mais "democrático", mas não me perguntem se, de fato, é este tipo de conversa que ocorre numa democracia, ou mais especificamente no mundo político.

Seja no interior dos parlamentos, seja na relação com a mídia, a política praticamente desconhece a conversa dialógica. Em momentos de disputa eleitoral, nem pensar. A questão é o confronto direto e tudo cede lugar ao marketing. Ok, essas são as regras! O discurso político está mesmo reduzido ao "mínimo possível", ou seja, quanto menos palavras maior a chance de ser internalizado. Vivemos uma era de informações rápidas, multiplicadas, mas com pouquíssima substância e nenhuma disponibilidade para o debate. É de se pensar onde, e em que espaços a conversa "dialógica" está sobrevivendo! Na mídia? Nas Universidades? Não sei! Cada vez tenho menos ideia disso!

O fato é que, no mundo da política, mesmo de deixarmos de lado os momentos de confronto (como as disputas eleitorais) vemos que a conversa dialógica está cada vez mais ausente, mesmo naquelas pequenas reuniões partidárias onde todos teriam que ter a chance de falar e de, principalmente, saber escutar. Aí complica tudo! Como dar legitimidade às decisões "coletivas"? Essa é uma boa pergunta para a democracia responder!

(José Henrique P. e Silva)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Lacan e o Estádio do Espelho

A postagem abaixo é uma síntese da comunicação feita por J. Lacan ao XVI Congresso Internacional de Psicanálise, em Zurique, a 17.06.1949, sob o título "O estádio do espelho como formador da função do Eu tal como nós é revelada na experiência psicanalítica".
 
Trata-se de um momento espetacular em que a criança reconhece sua imagem no espelho a partir de uma série de gestos em que experimenta, ludicamente, os movimentos de sua imagem refletida, e dos objetos que estão à sua volta. Ocorre a partir dos seis meses de idade, e é uma atividade libidinal que muito nos fala da estrutura ontológica do ser humano.
 
É um momento de IDENTIFICAÇÃO, matriz de todas as identificação secundárias posteriores, ou seja, o sujeito assume uma imagem (imago) e o EU se precipita nesta fase de ainda impotência motora e dependência, antes mesmo de afirmar-se diante do outro e antes que a linguagem lhe dê a função de sujeito. Trata-se de um "Eu-Ideal". Diante do espelho, portanto, a criança vê a forma do seu corpo (uma "miragem" do seu poder) como Gestalt, numa exterioridade. O que vê, entretanto, tem forte efeito constituinte, afinal, já está mais que comprovado que uma Gestalt tem efeitos normativos sobre o organismo. Estamos em um momento de pura dialética entre o organismo e sua própria realidade. É nesta relação que entra a função da imago. Assim,
O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno se precipita da insuficiência à antecipação - e que, para o sujeito, apanhado na armadilha da identificação espacial, maquina os fantasmas que se sucedem, de uma imagem retalhada do corpo a uma forma que chamaremos ortopédica da sua totalidade - e à armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que vai marcar com sua estrutura rígida todo o desenvolvimento mental. 
Mais à frente, quando do momento de término do estádio do espelho e passagem do "eu especular" para o "eu social", a armadura fortificada do eu se verá diante de situações socialmente elaboradas e será sempre mediado pelo desejo do outro (um "intermediário cultural"), tornando, então, perigoso, qualquer levantamento de instintos. Dono de uma liberdade que se afirma como autêntica entre os muros de uma prisão o eu verá a loucura (neuroses e psicoses) nascer por entre esses muros, sempre nos falando de paixões que foram amortizadas.
Nesse ponto de junção da natureza à cultura que a antropologia dos nossos dias perscruta obstinadamente, a psicanálise somente é que reconhece esse nó de servidão imaginária que o amor vem sempre redesfazer ou retalhar.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A "interação" (e a responsabilização) na base do conceito de Política

Conceituar "política", como nos diz Iain Mackenzie¹, já é assumir uma determinada posição política. Apesar das dificuldades, entretanto, ele nos oferece um bom caminho para se pensar um conceito de política, claro que sem qualquer pretensão de esgotar o assunto. 

A política seria uma "atividade", realizada em "conjunto", em "interação", visando a "solução" de "problemas" (divergências, conflitos, bem comum), através de "consensos" e maiorias (o que implica cooperação) que resultem em "normas" e padrões comuns a todos. Em síntese,
Política tem a ver não só com discordâncias sobre se a política trata da resolução de conflitos ou da cooperação em prol de valores comuns, mas tem a ver com o que somos: será que "nós" somos agentes individuais em controle dos próprios interesses, desejos, valores, costumes, e assim por diante, ou será que "nós" somos indivíduos profundamente moldados pela maneira como essas coisas são transmitidas em termos de prática e estrutura social (p. 16).²
Me parece que existe aí uma questão acerca de nossa "RESPONSABILIDADE" sobre a política e seus resultados. De qualquer forma, em uma definição deste tipo a "política" escapa ao campo meramente institucional e ganha uma dimensão de "interação" e "cooperação". Isso faz com que tenhamos a oportunidade de pensar a ação política como resultado não somente da ação de atores institucionais (parlamentos, políticos, partidos, lideranças etc.) mas, fundamentalmente, a partir das mais simples interações no cotidiano.
O que fica de lição? Que não se pode ficar esperando que a solução de problemas ou a adoção de medidas que favoreçam o bem comum venham somente das instituições e governos. Essas agem, em grande parte, sob a pressão, que nelas se reflete, oriunda de outros atores da opinião pública (imprensa, grupos organizados e a própria opinião pública). Abdicar a esta concepção de política significa ficar refém de concepções que negam ao indivíduo sua responsabilidade sobre seu destino. Exemplos? Populismos demagógicos e autoritarismos de toda espécie, seja de "esquerda" ou de "direita" (confesso que não coloco uma unha no fogo por estes conceitos).
A política, então, só se torna "perversa" quando é abandonada pelos cidadãos e deixada aos "especialistas" e "técnicos". Não à toa, hoje em dia, quando cidadania e emancipação são, em grande parte, entendidas como "bem-estar material" (consumismo) vivemos um momento de "refluxo" do interesse pela política e, em consequência, maior possibilidade de "aventuras populistas" dentro da "democracia". Se não nos mantivermos, portanto, em permanente contato, em interação sobre os rumos de nossa política, como poderemos nos queixar quando intervierem negativamente em nossos destinos?

Se na psicanálise clínica nos utilizamos do conceito de "responsabilização" para enfatizar que somos, nós mesmos, os principais responsáveis por nossas atitudes e por nossos dramas, porque não extrapolar esse conceito para o campo da política, através da "interação social". É nesse espaço de interação que se constrói e se mantém, portanto, uma mútua responsabilidade sobre nosso destino, tanto individual, quanto coletivo, se é que é possível pensar nesta divisão.

Assim, tanto no campo de nossas ações individuais, quanto no campo das interações para a ação política, não conquistamos nossa liberdade sem o preço da responsabilidade. Desfrutar de uma liberdade sem responsabilidade seria, simplesmente, ceder a um espaço inconsciente de gozo absoluto, destrutivo, absolutamente narcísico, e incapaz de gerar laço social.

Não precisamos negar a política, mas podemos negar as formas como ela vem sendo praticada e entregue nas mãos de supostos "especialistas" e "técnicos" que, encastelados em suas "instituições" se colocam como benfeitores e "protetores" do povo. É preciso ter cuidado com isso, pois cada vez que acreditamos em um "herói" abdicamos um pouco mais de nossa própria força.

___________
¹ MACKENZIE, Iain. Política: conceitos-chave em filosofia; tradução: Nestor Luiz João Beck. - Porto Alegre: Artmed, 2001, p. 9-17.
² Neste ponto, o autor nos parece falar de uma dicotomia entre um sujeito "individual e racional" versus um sujeito que "resulta do social". É um momento muito interessante pois talvez aqui precisemos recorrer à Psicologia Social para nos apegarmos a uma concepção de sujeito que, ao mesmo tempo que possui sua singularidade individual, vai formando-se e ganhando especificidade justamente na interação social. A dicotomia, portanto, pode revelar-se falsa.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O discurso político: lugar de um "jogo de máscaras" que tem sua eficácia

Um dos autores que mais gosto, quando se trata de entender o discurso político, é Patrick Charaudeau¹. Ele nos diz, pra início de conversa, que o discurso é um "jogo de máscaras" e que a "máscara" é um símbolo de "dissimulação" que tenta nos oferecer uma determinada "imagem". Não mais que isso. Por isso, não adianta buscar "por baixo" da máscara uma suposta "realidade oculta", uma suposta "verdade". Estamos falando de "imagem" e não de "verdade". É preciso saber diferenciar.

É justamente esta "imagem" que permite a identificação entre a máscara e a pessoa, fazendo surgir uma "personagem". Talvez seja isto mesmo o máximo que possamos saber de alguém. Claro que isso é frustrante para quem busca a verdade e a "verdadeira" personalidade das pessoas. Mas, se formos sensatos e lembrarmos que é a partir de percepções que construímos nossos conceitos sobre as pessoas, aceitaremos este ponto de vista. Não se trata, então, de uma "falsa" pessoa, mas de uma "personagem".

MÁSCARA (Dissimulação, "imagem") 
PESSOA (Personagem, "ser presente")

Por exemplo, num encontro (momento de troca) onde um enuncia e o outro interpreta e, em seguida, responde, ambos agem em função do que imaginam do outro (imagens). Assim,
... cada um é para o outro apenas uma imagem. Não absolutamente uma imagem falsa, uma aparência enganosa, mas uma imagem que é o próprio ser em sua verdade da troca. Nesse momento, a máscara seria nosso ser presente (...) O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano (p. 8 - prólogo).
Por isso, a principal tarefa quando se trata de estudar o discurso político é, justamente, identificar como se instaura esse jogo de máscaras. E isso vai exigir, identificar o cenário da prática social em que se move o discurso; Identificar o quadro de trocas e, identificar os meios discursivos utilizados para persuasão e sedução.

É partindo deste ponto de vista, do discurso político enquanto um "jogo de máscaras", que Charaudeau nos provoca, perguntando:
... há verdadeiramente, como sustentam alguns, degenerescência do discurso político ou deve-se pensar em uma nova ética do conceito político? (p. 9 - prólogo).
Esta "provocação" é excelente e oportuna pois nos permite, de imediato, escapar ao "moralismo" que tanto contamina as análises sobre a política e, especialmente, a "fala" política. Nos permite escapar da ideia de buscar um suposto discurso político "sincero", "verdadeiro" e "transparente", ou, de outra forma, não cair na vala comum dos que desacreditam em qualqeur discurso político. Talvez o mais sensato seja mesmo pensar em "modalidades" de discurso.

Então, estamos falando de um discurso que possui uma imagem que representa uma personagem. Mas, esse discurso tem eficácia? E se tem, como avaliá-la?

Quando falamos do Discurso Político estamos falando da "Palavra Política", uma palavra que está  inscrita em uma prática social, ou seja, que circula em um espaço público de trocas e que tem sempre algo a ver com as relações de poder, e que exige a observação de três princípios que dizem respeito ao "outro": Princípio da Alteridade (o "outro" deve ser reconhecido); Princípio da Influência (o "outro" é trazido para o raio de influência); Princípio da Regulação (o "outro" não é passivo, ele fala e age, então existe uma "relação" que precisa ser gerenciada).

É fundamental, então, que o "outro" se reconheça no discurso, se convença em seu pensamento e se sinta sujeito da fala do político. É neste contexto, em que o outro reconhece-se e é reconhecido, que a troca ocorre com maior eficácia, pois há a criação e reforço do "vínculo".

Tudo isto implica que o estudo da "palavra" não é, necessariamente, o estudo da "ação" , das "instâncias" (partes interessadas na ação) ou dos "valores" (em nome dos quais as ações são realizadas), embora a palavra permeie todos estes setores, conforme abaixo:
  • É a ação política que organiza e determina a vida social. Mas, para que as decisões e ações sejam coletivas é preciso haver "entendimento" quanto ao projeto e quanto ao objetivo comum. Isso exige transparência e comunicação em espaços de discussão (públicos, por exemplo);
  • A instância "cidadã" leva ao poder a instância "política" para que este realize o "desejável", mas esta só consegue realizar o "possível", daí a dificuldade do exercício político;
 ... isso faz com que ao espaço de discussão que determina os valores responda um espaço de persuasão no qual a instância política, jogando com argumentos da razão e da paixão, tenta fazer a instância cidadã aderir à sua ação (p. 18).
  • Os valores são as ideias defendidas no espaço de discussão e funcionam como um "terceiro" em torno do qual as pessoas (e o político) se agrupam - é o ideal compartilhado, mas isso não implica a subtração de outras opiniões pois a sociedade é fragmentada. A necessidade de "gerenciar" os conflitos oriundos é de vital importância;
Pode-se concluir, então, que é pela existência dos espaços de discussão e persuasão, lugares de elaboração dos valores dos quais depende a ação, que o campo político surge, antes de mais nada, como o "governo da palavra" (M. Augé, "Pour une anthropologie des mondes contemporains", 1994).  Essa concepção nos leva a perceber o debate de ideias, no espaço público, como uma luta discursiva para a conquista da legitimidade

É nessa relação que se dá o "jogo de máscaras" que é o discurso político em sua troca com a sociedade. E são dois os espaços em que se dá: o espaço "político" (núcleo duro) e o espaço "público", mais amplo, onde três atores se manifestam: políticos, jornalistas e opinião pública.
Encontramo-nos, assim, em um jogo em que todos mudam sob a influência dos outros: a opinião sob a influência das mídias, as mídias sob a influência da política e da opinião, o político sob influência das mídias e da opinião (p. 25).
Não à toa existe uma confusão entre os espaços dos atores.
Tudo isso faz com que as fronteiras entre os diferentes setores de atividade, entre os espaços de decisão, de persuasão e de discussão, e entre espaço público e privado tornem-se mais e mais flúidas (...) O conceito de espaço público seria pouco operatório? O certo é que o espaço público não é homogêneo. Ele é fragmentado em diferentes espaços que se entrecruzam e não respondem às mesmas finalidades. O discurso político circula nesses meandros metamorfoseando-se ao sabor das influências que sofre de cada um deles (p. 31).
É neste espaço confuso que se dão os conflitos entre a política, a mídia e a opinião pública, e é nele que deve ser buscada a luta discursiva (simbólica) por legitimação e poder.

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¹ CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. - São Paulo: Contexto, 2006 © 2005.