“Como era verde meu vale” (1941, EUA, dir. de John Ford, com Maurren O’ Hara) é daqueles filmes que ficam para sempre na sua vida. Lembro que era moleque e ouvi meu pai comentando umas duas ou três vezes sobre este filme. E notava que ele falava com certo prazer no rosto. Passados muitos anos lembrei deste filme e resolvi assisti-lo, não só por curiosidade, mas por saudades mesmo do meu pai.
Apesar de sempre nos falarmos, moramos em cidades distintas, e ele sempre me deixa muitas saudades, pois sua presença física é muito marcante, além de ser uma das poucas pessoas que conheci nesta vida com tanto entusiasmo. Claro que, inevitavelmente, isto faz dele o meu melhor modelo de identificação. Então, o fato é que só assisti a este filme a uns cinco anos atrás, e depois o revi mais duas vezes, principalmente quando a saudade aperta.
Trata-se de um filme que já se tornou clássico. E, claro, é um filme em P&B e com forte trilha sonora e, além do mais, do mestre John Ford. Alguns críticos o situam como um filme com forte teor conservador e ideológico, mas o que importa é quando a arte nos toca, de uma forma específica, pois ela fala de nós mesmos. Talvez por isso eu nunca dê bola para "críticos de cinema", afinal, na imensa maioria das vezes, não conseguem mesmo “sentir” o filme, daí se apegam a questões técnicas que, para quem assiste, na maioria das vezes, são secundárias.
O filme nos fala da importância das lembranças, da memória. Ele é todo fruto da restauração da infância a partir dos olhos de quem já está mais velho. Talvez por isso seu encanto, pois estamos lidando com fantasias infantis, aquelas que não nos deixam nunca… ainda bem! É um filme, portanto, que nos inspira saudades, mesmo de algo que não se viveu. Que nos inspira fraternidade, mesmo pelos que não estão ao nosso lado, e que nos inspira gratidão, mesmo pelo que não recebemos.
Gostaria de compartilhar este momento inicial do filme, marcante. No início, nosso personagem principal, já adulto, nos diz:
estou embrulhando meus pertences no chale que minha mãe costumava usar quando ia ao mercado. Estou indo embora do meu vale. Dessa vez nunca mais voltarei. Deixo atrás de mim meus cinquenta anos de lembranças. É estranho que a memória esqueça tanto do que aconteceu apenas a poucos momentos e guarde claro e brilhante o que aconteceu a anos com homens e mulheres a muito tempo mortos. Contudo, quem vai dizer o que é real e o que não é. Posso crer que meus amigos estão mortos quando suas vozes ainda são uma glória em meus ouvidos? Não! Ergo-me para dizer não, e não de novo, pois eles permanecem uma verdade viva em minha mente. Não há cercas em torno do tempo que se passou. Pode-se voltar e escolher o trecho que quiser caso ainda se lembre. Por isso, fecho os olhos no meu vale como é hoje e ele some e o vejo como era na minha infância. Todo ele verde e impregnado da força da terra…tudo que aprendi como menino veio de meu pai, e jamais qualquer coisa que ele me disse acabou sendo errada ou inútil. As lições simples que ele me deu estão claras e vivas em minha mente como se as tivesse ouvido ontem...
O que estamos fazendo com nossa memória, nossas lembranças? Vamos permitir mesmo que a aceleração do tempo atual as destrua? Ora, que o tempo voe e destrua tudo o que tenho, mas eu continuarei a lembrar… e sentir saudades, não do que tive, mas do que vivi. A vida não é só este “presente” acelerado e esquizofrênico, é muito mais, um “passado” que nos tornou homens e mulheres. O que vamos fazer hoje e daqui para frente, depende muito de nossa capacidade de preservar nossas lembranças e sabermos quem fomos.
Nas lembranças podemos reconstruir o passado da forma que mais nos contenta e nos deixa feliz. Daí a saudade, a saudade de tempos que fomos felizes e que nos dão a certeza de que a vida valeu a pena. Saudade de um tempo que a vida era mais simples, mais fácil de dizer o que sentíamos.
Nas lembranças esse tempo retorna, a todo instante, por vezes de maneira perfeita. Fechando os olhos agora, também vejo em minhas lembranças todos reunidos. Meu pai ao meu lado, segurando minha mão e guiando-me, os irmãos felizes e brincando. A mãe cuidando de todos. Enfim, que saudades! Que saudades de algo que nem sei ao certo se vivi. O que sei é que homens como meu pai jamais vão morrer. Ele estará sempre vivo em mim, no meu filho, e no filho de meu filho.
É essa permanência das lembranças que nos torna fortes, e que dá à vida um significado especial, muito além das banalidades que ela nos apresenta a todo dia, como novidades. Aquilo que passa pela minha vida… e fica… é aquilo que me constitui, que me integra, garantindo uma origem e uma história.
Bem, não preciso dizer que gostei do filme!