sexta-feira, 28 de junho de 2013

"Desisto!"

A vida se assemelhava a um tormento. A todo instante se via diante de um apelo: "Não desista, nunca!". Isso o atordoava porque, embora se considerasse um "lutador", em certos momentos o que queria mesmo era desistir, deixar de lado, abandonar.

Mas, o que fazer? Seguir o seu desejo naquele momento ou ceder a uma máxima que a todo instante é repetida como um mantra, multiplicada como uma oração em que todos acreditam. Como ir contra isto?

De todos os cantos pareciam vir apelos: "a vitória final é o que interessa!", "resistir nos fortalece!". Ele sabia que tudo isto tinha alguma verdade. Ele sabia que em certos momentos lutara, e muito. Mas, agora, nesse momento, ele queria desistir. Ninguém iria lhe apoiar?

Parecia estar sozinho. Experimentava uma sensação de solidão muito intensa. Parecia mesmo que até sua alma o havia abandonado neste instante de decisão. Passavam-se horas, dias, semanas, e o aperto não cessava. Aquilo não lhe saia da cabeça. Seria ele um louco por desejar abandonar algo que todos parecer querer, até mesmo invejar?

As dores eram muitas. Afinal, ele podia até enfrentar a muitos, ou ao mundo inteiro, para afirmar algo em que acreditava. Mas, e quando parecia enfrentar a si mesmo? A luta lhe parecia perdida, desde o seu momento inicial.

A cada dia o peso se tornava maior. Parecia enlouquecer. Não tinha mais argumentos para se defender. Só o seu desejo a lhe pressionar, bem fundo. Estava cansado, isolado, já olhava o mundo com certo desdém. Se fosse render-se, que fosse até as últimas consequências. Já não tinha muitos momentos de paz mesmo. Seus pensamentos eram tomados, obsessivamente, pela dúvida. Como ele poderia estar certo com tantas pessoas lhe dizendo "não faça!". Quem era ele para opor resistência a tantos?

Já estava esgotado, passaram-se meses. Parecia fraco, indeciso. Estava prestes a se tornar um autômato, cultivando uma catatonia para não mais ter que se posicionar. Queria recuar, recuar. Quem sabe até desaparecer. Se não podia expressar seu desejo, para que então render-se a todos tão facilmente?

Mas, eis que, certo dia, tomado por uma força, uma última força, tomou a decisão. Não queria mais sofrer. Queria voltar a sorrir e a viver bem com todos. Finalmente entendia o quanto todos eram importantes para ele e que, para mantê-los bem e felizes ele só precisava tomar uma decisão.

Finalmente aceitou. "Desistiu". Como que, num passe de mágica, como que através de um milagre, suas dores foram desaparecendo, seu olhar voltou a brilhar, os próprios músculos começaram a experimentar mais força. E, se havia uma palavra que lhe deixava feliz era: "desisti!"

Ele enfrentara a todos, mas foi ao perceber que estava enfrentando a si mesmo que finalmente chegou à conclusão que poderia desistir de qualquer coisa, menos de si mesmo. Ele sabia, agora, com mais clareza, que existem momentos de exceção na vida. Se "lutar" é a regra, "desistir" é a exceção. E tão válida quanto. Na "desistência" ele se fortalecera novamente. Não se deixava mais aprisionar pela dúvida.

Ele percebera que continuar lutando não o estava fortalecendo. Pelo contrário, era uma luta que o sugava, retirava-lhe toda força, atormentando-o, paralisando-o. A "desistência" não lhe veio como fracasso, como fim. Não! O "não!" soou como força, liberdade... "não quero!", "não quero isso para mim!", "não é isto que me faz feliz!".

Ele se tornou mais leve. Acabara de "desistir" e estava mais feliz. Os outros ainda estavam atônitos. Mas, quando começaram a perceber que os seus olhos já não carregavam tanto peso, viram que ele estava correto. Reconheceram que sua luta por desistir estava carregada de força e dignidade. Era a sua felicidade que estava em jogo. E, assim, cada um começou a pensar sobre si, sobre o peso que carrega por, simplesmente, estar obedecendo a uma ordem de nunca, jamais, se permitir desistir.