- Claro, fica a vontade!
Foi assim que ele a conheceu. Num pequeno café, apertado, mas aconchegante, onde teve que ter a ousadia, que não lhe é costumeira, de pedir para sentar ao seu lado. Ele sempre fora muito recatado e odiava transparecer qualquer ousadia. O café ficava em uma esquina, bem movimentada por sinal, e a pequena mesinha estava ao lado de fora, na calçada, bem próxima ao caminhar das pessoas que passavam por ali quase sempre apressadas. Estar assim tão próximo às pessoas lhe garantia certa privacidade, evitando aquele típico constrangimento de estar tão próximo e não ter o que falar. Conversas olho no olho, com estranhos lhe causavam certo temor. Mas a mesinha, de tão pequena, conspirava para que cruzassem os olhares constantemente e quase tocassem as mãos, inesperadamente, em qualquer movimento sobre a mesa.
Inevitável, então, que surgissem os primeiros comentários. Poucas palavras, mas logo começaram a trocar ideias sobre as pessoas que por ali passavam, sobre o próprio café e sobre o que faziam para ir levando a vida. Mal perceberam, estavam sorrindo das situações que um e outro traziam. O tempo passava e ficava mais difícil tomar a iniciativa de levantar e ir embora. Tudo ali parecia destoar daquele cotidiano tão cinza e vazio que marcava a vida de ambos. Mal sabiam que aquela leveza que tinham conquistado com piadas e sorrisos estava tornando seus sentidos mais aguçados e fazendo-os notar pequenos detalhes um no outro. Mal perceberam, estavam entrelaçando-se, entregando-se à descontração.
Mas a vida pode ser tirânica e, mesmo que algo estivesse conspirando para que ficassem um pouco mais e aproveitassem o fato de terem encontrado um ao outro, ela, a vida, os chamava para seus afazeres e preocupações. Tiveram que levantar. Impossível que não suspirassem e prendessem o fôlego como que num lamento. Era chegada a hora de ir. Tinham suas tarefas a cumprir. Ele não sabia bem o que estava acontecendo, mas sentia uma enorme vontade de prolongar um pouco mais a presença ao lado dela. Estar junto a ela lhe trouxera uma intensa alegria. Foi então que, permitindo-se querer sentir um pouco mais aquilo, teve que ser mais ousado ainda.
- Tu vais por ali?
- Sim, vou sim, fica logo ali… – Te acompanho então!
A rua que ela indicara era a de baixo, menor e mais estreita. Havia um prédio alto ao fundo. Era lá que ela trabalhava. Talvez uns 70 metros de distância. Sim, só mais 70 metros juntos, era o que ele pensava. A rua não tinha saída, isso ele enxergava claramente. Começaram, então, a caminhar. Mas, se nos primeiros metros pareciam decididos a andar a passos largos, logo começaram a andar mais calmamente encontrando desculpas nas vitrines para ficarem um pouco mais, juntos. Andavam quase que para os lados e mal tentavam disfarçar que queriam ficar um pouco mais. As mãos pareciam inquietas. Vez por outra se esbarravam, como se quisessem se atar. Mas eles estavam muito tímidos, sem jeito mesmo. Algumas vezes olhavam para frente tentando saber quanto ainda restava de rua. Isso lhes tirava um pouco o fôlego, o ânimo, e trazia certo medo. A rua estava acabando, estava próximo o momento da despedida.
Nos últimos metros já passavam mais tempo em silêncio, de cabeça baixa, antecipando um sofrimento que era certo. Os últimos passos já eram mais lentos, numa desesperada tentativa de evitar o final. Foi nesse momento que, chegando, afinal, ao fim da rua, que ele descobriu que se tratava de outra esquina. A rua acabava, mas, se virasse para o lado, um determinado lado, teria pela frente uma viela que levava a uma rua bem mais larga e que não conseguiam enxergar o seu fim. Talvez houvesse um fim, mas ele não se permitia enxergar naquele momento. Tomado por uma sensação de coragem e ansioso por continuar a caminhada, ele teve mais um momento de ousadia.
- Vamos sim, nunca fui por ali, mas sempre tive vontade!
Trocaram um rápido sorriso e a alegria parecia lhes invadir novamente, inundando-os mesmo. Num ato onde o pensamento teve pouca chance de estar presente, quase que automaticamente deram as mãos, e os passos ficaram mais firmes. Voltaram a sorrir e a brincar. Quando chegaram ao fim da viela e enxergaram aquela rua que parecia não ter fim olharam-se e deram um sorriso ainda mais largo. As mãos que já estavam dadas agora viram os dedos entrelaçarem-se. Não estavam preocupados em enxergar o fim da estrada, ou o futuro. Não! Cada passo era tão maravilhoso, e leve, que parecia que a estrada se prolongava com eles, parecendo tão… Infinita! Nesse momento, ele teve um último ato de ousadia.
- Aceita caminhar comigo um pouco mais?
- Claro, tua companhia me faz perceber que preciso de ti… Preciso muito de ti!
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