terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Por um sentido na vida! (texto 1 - o vazio e a morte)

São tempos difíceis. Guerras devastam as regiões e as pessoas estão famintas, frágeis e doentes. É quando nosso cavaleiro recebe a visita da "morte", que veio buscá-lo. Chegara o seu momento, mas ele resiste e diz que, apesar de seu corpo estar pronto, sua alma ainda não o está, e, num esforço de resistência, propõe um jogo de xadrez para ganhar um pouco mais de tempo. Os fãs de filmes clássicos já sabem que estou falando de “O Sétimo Selo” (1956, I. Bergman), um filme extraordinário que nos leva a pensar na vida a partir de nosso medo da morte.

Mas, pensando nesta partida de xadrez, ela já não estaria fadada ao fracasso, afinal, como se poderia vencer a morte? O fato é que nosso cavaleiro não leva isto em consideração e parte para a disputa. O que tem a perder? Bem, é a partir daí que uma angústia vai se instalando e ele passa a questionar-se: um tempo a mais de vida, mas viver para que? Num certo momento, uma confissão nos mostrará toda a carga desta angústia. É quando ele nos diz:
O vazio é um espelho que reflete meu rosto. Minha própria imagem me causa repulsa e medo. A indiferença que eu sinto pelo próximo me levou ao isolamento. Agora eu vivo em um mundo de assombrações, prisioneiro das minhas próprias fantasias (...) Como podemos ter fé, se não temos fé em nós mesmos? (...) Eu não quero fé ou suposição, eu quero conhecimento! Eu quero que Deus estenda a mão para mim, mostre seu rosto e fale comigo (...) Eu clamo por ele na escuridão, mas parece que não há ninguém lá (...) Então a vida é um terror sem sentido (...) Minha vida se resumiu em buscas sem sentido, a ações e conversas tolas e vazias. Uma vida inteira sem sentido. Não digo isso com amargura ou discriminação, como tantas outras pessoas que também vivem assim. Mas eu quero usar esta trégua [jogo de xadrez] para fazer algo que tenha significado (Antonius Block, o cavaleiro).
Confesso que sempre considerei este trecho do filme magnífico. Uma confissão que nos mostra como uma vida esvaziada de sentido pode intensificar o medo da morte. Não seria, portanto, a morte em si, ou o "nada" que viria após ela, que nos causaria medo e repulsa. Seria o olhar-se no espelho e ver que a vida está seguindo sem maiores significados o que realmente nos espanta, embora não o percebamos tão facilmente. É este espelho, que reflete meu vazio, que me traz, então, o medo da morte como companhia.

Na confissão de nosso cavaleiro ele diz buscar o conhecimento, quer ver Deus, quer uma prova de sua existência, quer algo que lhe dê algum significado além do vazio que sente. Ora, não há conhecimento ou racionalização suficiente que acabe com este medo. A ciência e a religião podem nos fornecer algum amparo e acolhimento, mas não eliminam esse sentimento que Freud, apesar de ter dúvidas sobre ele, o situava num nível muito primário de nossa vida. O tal "sentimento oceânico", que nos impele a ter a esperança de uma proteção contra nossas dores e angústias. Esse sentimento é algo com o que temos de lidar ao longo da vida e que nos impele, portanto, à transcender numa tentativa de encontrar respostas.

Talvez não haja mesmo como vencer a morte numa partida de xadrez, mas pode-se deixar de temê-la. Como? Talvez a resposta esteja na forma como lidamos com nossa finitude. Daí que o melhor talvez não seja especular sobre a morte em si ou o que vem após, e sim sobre nossa própria existência, neste momento. Não é o nosso "fim" que nos atemoriza, mas o fato de nos imaginarmos vivendo uma vida sem significados. Precisamos contrapor ao "medo" uma certa "ingenuidade" em nossa forma de viver. A leveza e a certeza de estarmos dando significados para nossas ações cotidianas é que nos manterá tranquilos e confiantes de ter encontrado um "sentido" para estar vivos. Só isto esvaziaria o sentido do “vazio” e do medo que ele nos impõe.

Mas, me parece que nos dias atuais existem sérios problemas quanto a isso, afinal somos alvos de uma intensa campanha para nos mantermos "imortais", "jovens", “belos” e “fortes”, o que só nos distancia dessa ingenuidade e leveza. Isso é devastador! Puro delírio! Arrogância! São tempos narcisistas, de uma infantil onipotência, de desconhecimento de limites, de não reconhecimento da castração, de forte perversão, enfim, tempos em que nos achamos espertos o suficiente para driblar a morte, numa tentativa de não a temermos. Não são poucas as pessoas que padecem deste mal. A individualidade e a competitividade estão enfraquecendo os laços sociais. Todos nos pedem que sejamos "melhores" que alcancemos logo o "sucesso", e atacam a simplicidade e a leveza como se fossem pragas. E, em grande parte, topamos a brincadeira.

Se continuarmos assim, não só estaremos perdendo a batalha do xadrez para a morte, como estaremos deixando de viver e deixando o vazio tomar conta. Lutar contra esse narcisismo, que só produz onipotências e ausência de limites, é uma tarefa dura, árdua, pois cresce como erva daninha nos lembrando, em muito, aquele homem “selvagem” de Thomas Hobbes que, se deixado à solta, devora ao outro como um lobo esfomeado.

Assim, não é o suposto "vazio" trazido pela morte que mais nos assusta, mas o vazio que permitimos em nossa vida e que, diante de um espelho, nos assusta tanto. É este vazio que também nos transforma em lobos, ou nos faz cair doentes. Não à toa os espelhos da atualidade só nos mostram a aparência de nossos corpos. Mal conseguimos ir além disso. Que interioridade possuímos? Qual a nossa subjetividade? Não a enxergamos mais, nem mesmo sabemos se ainda a possuímos. Nos limitamos severamente ao nosso corpo físico. Me parece muito pouco!

(José Henrique P. e Silva - out/2013)

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