domingo, 19 de janeiro de 2014

Estranha Compulsão

"Estranha Compulsão" (Richard Fleischer, 1959) é um filme clássico que mostra aquelas tentativas de se realizar um "crime perfeito", e se baseou no famoso caso dos criminosos Leopold e Loeb, nos EUA. "Festim Diabólico" (Hitchcock, 1948) já seguira essa mesma linha. Lembram de James Stewart em meios àqueles dois e o famoso baú em que se encontrava o corpo? Então, a trama do filme se desenvolve em torno do assassinato de um garoto, e dois amigos, Artie e Judd, com personalidades distintas, mas um mesmo desejo de reconhecimento, vão apostar no "crime perfeito" (aquele que jamais é descoberto). O diálogo abaixo retrata bem o quanto um precisa do outro para sua própria glorificação.
 
 Artie - Faremos os tiras de tolos, enquanto rimos deles.
 Judd - Sim, mas juntos Artie! Algo perfeito, algo genial! O verdadeiro teste do intelecto superior.
 Artie - E muito perigoso...para ser divertido!
 Judd - Sim!
 Artie - Não, você entraria em pânico novamente.
 Judd - Não, não entraria não! Deve ser uma experiência sem envolvimento emocional. Só para provarmos que somos capazes.
 Artie - Somos capazes!
 Judd - Juntos!
 
Judd é o "gênio", introvertido, que sente-se deslocado e rejeitado em sua família, e quando recebe de Artie a "atenção" necessária torna-se profundamente decidido a agir para provar o quanto é inteligente e receber aprovações. É ele quem busca justificavas "teóricas" para seus desejos. É em Nietzsche, por exemplo, que vai buscar o conceito de "super-homem" para justificar seu "super-intelecto".
 
Mas, Judd não é o homem de "ação", e sim Artie, que é o "típico" psicopata, não mede esforços em trapacear e desdenhar dos outros. Se compraz em ludibriar, desde que tudo sirva para sua própria glorificação. E, se for preciso, mata sem qualquer sinal de remorso. É disto, então, que nossos personagens falam: da realização de um "crime perfeito" para provarem a si mesmos sua grandeza intelectual e que, por outro lado, os demais são todos tolos.
 
Entretanto, pequenos detalhes vão levar à prisão dos dois. Uma cena do julgamento é marcante. Orson Welles faz o papel do advogado Wilk e fará uma forte defesa da insanidade de ambos para que escapem ao enforcamento:
"... (O. Welles falando ao juri) devem-lhes a mesma compaixão que vocês tiveram com a vítima. Se nosso Estado não for mais bondoso, humano, prudente e inteligente que o ato de loucura desses rapazes perturbados, vou lamentar por ter vivido tanto...".
 
O término do filme parece ser um apelo à nossa capacidade civilizatória, de sermos melhores que os "maus", que os "doentes", e de que o progresso moral está acima de qualquer desejo de vingança e punição. Ok, concordo! Mas, um equívoco que é rotineiro é imaginar-se que, cometer um crime e alegar insanidade pode trazer inocência, perdão ou isenção de responsabilidade. Não! Cometer um crime implica em pagar por ele. Isso é responsabilização. E a saúde mental, se for um atenuante, o é para outras situações, jamais para a isenção de responsabilidade.
 
Isso seria impunidade e "infantilização" dos crimes! E responsabilização é o primeiro passo até mesmo para a melhora da saúde mental. Não concordo mesmo com o enforcamento deles, mas seu afastamento total em relação à sociedade era uma necessidade. Nesse sentido, o discurso de O. Welles me parece bem razoável, e civilizatório.

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