A "cultura" por vezes é cruel com o "pai", reservando à mãe a doçura, o afeto, a emoção e o sentimento. Sobra-nos, por vezes, o cálculo, a segurança, a proteção, a força, enfim. Mas, muito disso já vem mudando, e podemos, sem medo, demonstrar o que sentimos e deixar descansar essa capa de super-homem que insistem em nos fazer usar. Alguns até gostam, é verdade, mas outros não! Ser "pai" e ser "mãe" não depende do sexo, são "funções" (paterna e materna) que podem muito bem ser cada vez mais compartilhadas por ambos, sem maiores distinções.
domingo, 27 de abril de 2014
sexta-feira, 25 de abril de 2014
O Ego e sua função de buscar algum equilíbrio
Gosto de pensar no nosso "ego" como um urso bem pesado e grandão tentando se equilibrar num monociclo. Isso porque, como Freud destacou, o ego assume a função de um "administrador" de relações com o inconsciente, com o superego e com a realidade externa. Claro, é sempre um equilíbrio dinâmico, nunca estático, nem "zen". Ou seja, coitados mesmo de nós. Haja equilíbrio nesta vida!!!
(José Henrique P. e Silva)
(José Henrique P. e Silva)
Machismo e Sexismo: Projetamos nossas culpas sobre o outro
Recentemente presenciamos aquela polêmica causada pelos dados de uma pesquisa divulgados erroneamente pelo IPEA sobre a violência contra a mulher. Independente da competência ou não do instituto e da veracidade das informações publicadas, o tema é relevante, principalmente aquele que foi maior objeto de polêmica: "a tolerância com o estupro".
O que se percebeu foi que o(a) brasileiro(a) tende a ser mais rigoroso(a) e critico(a) quando se trata de "violência doméstica". Nesse caso, é o próprio sujeito (que responde à pesquisa) que se coloca naquela posição e parece estar se autoavaliando, então ele não admite uma postura violenta. Mas, no caso do "estupro" fica evidente certa agressividade latente e a intolerância quando se encontra na "roupa curta" da mulher aquela tradicional justificativa necessária para transformá-la em algo "sem valor" e que merece punição. Nesse caso, ao contrário da "violência doméstica", quem responde (ele ou ela) não se sente julgado na pergunta e projeta para um suposto "outro" (agressor, estuprador, violento) sua própria raiva, agressividade, machismo e intolerância.
Lembrei muito de uma pesquisa feita pela Folha de S. Paulo há muitos anos atrás sobre o racismo, e o procedimento é similar, ou seja, o brasileiro não se "declara" racista (não assume), mas se "revela" racista através da ação do "outro", ou seja, afirmando que o "outro" é que "é" racista. O brasileiro continua o mesmo: "cordial" quanto ao outro, ou seja, nega ser racista e machista, mas o é através da ação dos outros.
Então, esse sujeito que, de forma cínica, admite que a mulher que usa roupa curta merece ser violentada, é o mesmo que é capaz sim de estuprar e violentar. Ele apenas delegou, através de uma projeção, esta função para o criminoso. Se na pesquisa da Folha ele projeta o seu racismo sobre o outro, nesta pesquisa sobre violência ele projeta sua agressividade e sexismo sobre o outro, também.
Fazemos isto com o racismo, com a violência contra a mulher, com relação às leis, com relação aos políticos... ou não? Precisamos pensar sobre o nosso caráter e projetar menos sobre os outros nossos desejos e culpas e passar a termos mais indignação com a criminalidade, a discriminação, a corrupção, o "jeitinho", etc.!!! Ainda estamos engatinhando em termos de cidadania e respeito ao outro!!!
(José Henrique P. e Silva)
(José Henrique P. e Silva)
quinta-feira, 24 de abril de 2014
A conversa dialógica e o "fetichismo da informação" no mundo da política
Estava pensando um pouco sobre o que é mais importante numa conversa, se fazer afirmações ou escutar? Quem já não se questionou sobre isso? Basta lembrar situações em que estamos, por exemplo, numa mesa de bar com amigos onde todos falam ao mesmo tempo e buscam impor seus argumentos, ou quando estamos ouvindo a quem admiramos e parecemos não questionar nem um pouco o que a pessoa diz.
Nos dois casos há o domínio do que se chama de "fetiche da informação", ou seja, aquela ilusão de que só o que falamos e afirmamos é que tem importância e os demais devem simplesmente ouvir e ficar quietos. Nesses casos não há conversa alguma, só imposição de argumentos, de um lado ou de outro.
Na conversa "dialógica" não temos, necessariamente que chegar a "acordo" algum que signifique a eliminação do "outro", não temos que nos "confrontar" para eliminar um argumento, nela temos que exercitar a capacidade de "escutar" principalmente. Diria que esta é a conversa democrática por excelência, pois o mais importante não é "vencer" um debate, mas "escutar", trocar, se conscientizar mais do próprio ponto de vista e ampliar a compreensão entre todos que conversam. Bem, pode até ser a conversa de tipo mais "democrático", mas não me perguntem se, de fato, é este tipo de conversa que ocorre numa democracia, ou mais especificamente no mundo político.
Seja no interior dos parlamentos, seja na relação com a mídia, a política praticamente desconhece a conversa dialógica. Em momentos de disputa eleitoral, nem pensar. A questão é o confronto direto e tudo cede lugar ao marketing. Ok, essas são as regras! O discurso político está mesmo reduzido ao "mínimo possível", ou seja, quanto menos palavras maior a chance de ser internalizado. Vivemos uma era de informações rápidas, multiplicadas, mas com pouquíssima substância e nenhuma disponibilidade para o debate. É de se pensar onde, e em que espaços a conversa "dialógica" está sobrevivendo! Na mídia? Nas Universidades? Não sei! Cada vez tenho menos ideia disso!
O fato é que, no mundo da política, mesmo de deixarmos de lado os momentos de confronto (como as disputas eleitorais) vemos que a conversa dialógica está cada vez mais ausente, mesmo naquelas pequenas reuniões partidárias onde todos teriam que ter a chance de falar e de, principalmente, saber escutar. Aí complica tudo! Como dar legitimidade às decisões "coletivas"? Essa é uma boa pergunta para a democracia responder!
(José Henrique P. e Silva)
(José Henrique P. e Silva)
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Sobre as "salvacionices" paranóicas no mundo da Política
Em sua sempre interessante coluna no Estadão Roberto Damatta¹ transcreve uma carta que teria recebido do professor e amigo Richard Moneygrand. Trata-se de um intelectual aposentado, norte-americano e "brasilianista" (aliás, como já nos tinha chamado a atenção o prof. Moniz Bandeira², o termo só se aplica aos norte-americanos que pensam o Brasil. Na Europa são chamados de "africanistas"). Moneygrand é um personagem inventado por Roberto Damatta para pensar o Brasil e, desta vez, nos falou sobre um aspecto interessante que está em questão nesta conjuntura político-eleitoral que vivemos: as "resoluções messiânicas" para os nossos problemas.
De acordo com Moneygrand, atuar sobre uma conjuntura de disputa eleitoral deste porte não é nada simples e fácil pois exige atitudes nem sempre confortáveis de um lado ou de outro. Ações, valores e princípios são questionados e a crítica é promovida em alta escala.
No caso brasileiro, o que estaria sob avaliação seria "uma história transcendental que iria libertar os oprimidos e os miseráveis e os diretores dessa fase tidos como politicamente invencíveis. Para Moneygrand, será inevitável entender-se melhor ("desmascarar") os chamados "salvadores do Brasil" e contrastá-los com a proliferação de escândalos de corrupção, a avidez pelo enriquecimento pessoal e uso de privilégios, e o aparelhamento do Estado para fins de interesse pessoal.
Ainda segundo Moneygrand, esta seria uma sina brasileira, ou seja, a "crença numa resolução messiânica para todos os seus problemas; daí a atração pelo conceito de "revolução" em toda a latinidade americana". O tema é dos mais interessantes e gostaria de trazer algo da Psicanálise para ajudar no debate sobre o entendimento do poder e seus arredores.
Se estamos falando de "crença
messiânica" estamos nos referindo a algo que, em maior ou menor proporção,
está muito próximo dos conceitos de "líder carismático" e de
"populismo". Vejamos. Um esclarecimento inicial: A sucessão é
para o governo da presidente Dilma, mas não nos enganemos, se há um projeto
"messiânico" em questão, como nos sugeriu Moneygrand, ele foi
construído pelo ex-presidente Lula, que é, para quem, o nosso olhar deve se
voltar. Claro que seria um grande equívoco metodológico tentar trazer o
ex-presidente para o divã, mas podemos olhar com atenção os "estilos de
atuação na política" e nos arriscarmos a algumas considerações.
Para isso, Eugène Enriquez (“As Figuras do Poder”), é um exemplo de autor
que fornece subsídios teóricos interessantes para entender o campo da política sob o olhar da psicanálise.
Segundo ele, o poder tem sempre uma "face" encarnada em um indivíduo
ou grupo, e desvelar essa "face" é fundamental para se entender alguns
dos motivos das ações e palavras dos agentes políticos. Se olhássemos, então, com atenção, para o estilo de atuação do ex-presidente Lula não seria tão arriscado
defini-lo como predominantemente carismático/paranóico.
Trata-se de um estilo
de atuação que está assentado sobre algumas "fantasias". Quais? E de que liderança, então, estamos falando?
· A fantasia
de que a “fala” organiza o mundo – Para este líder, tudo depende, essencialmente, do "discurso". Qualquer dado da realidade parece sem valor diante da "fala" do líder,
que a tudo avaliza. Se o discurso é peça fundamental no campo da política, com
este líder ele ganha uma relevância exagerada. Ele quer ser ouvido, pois com
sua fala, organiza e explica o mundo de acordo com os seus interesses. O viés
carismático vem de uma habilidade de ensaiar metáforas populares a todo
instante, como, por exemplo, no recorrente uso do futebol pra explicar diversos fatos;
· A fantasia
de que existem “explicações definitivas” – É um líder que não abre mão de
suas certezas absolutas. Suas convicções são o espelho de sua
"grandeza", e sua mensagem é de "salvação" para a
sociedade. É um "messias" que anuncia uma "nova origem" a partir
de sua chegada ao poder, como se tudo se explicasse a partir de um "... nunca antes na história desse
país...";
· A fantasia
de que há inimigos por toda parte – Neste líder, há uma idealização da imagem de
“conspiradores” (a “elite golpista”, a “mídia de direita”, a “classe média
egoísta”, os “brancos de olhos azuis”, os “inimigos do povo” etc.). Assim, só
existem dois tipos de indivíduos para este líder: aqueles que ele reduz a
objetos de sua dádiva e aqueles que precisam ser “destruídos”. Muito comum que
esses “inimigos” sejam fabricados pelo próprio discurso deste líder. Um exemplo
está na recorrente e obsessiva comparação estatística com tudo o que antecedeu ao governo Lula, especialmente o governo Fernando Henrique Cardoso. Manter esta obsessão pela comparação é
fundamental para a existência de sua “liderança” e demarcação de um "território", pois lhe garante uma "identidade"
e um “lugar” na política e na vida;
· A fantasia
de ser uma figura “central” no mundo – Coloca-se, então, na posição de
“centro” do mundo. Com ele que surge uma nova "lei" (o desprezo ao
STF e incapacidade de assumir erros nos falam um pouco dessa quase impossibilidade de
sujeitar-se às regras), é uma espécie de "herói criador", um "pai único e
verdadeiro", que se pretende "onipotente", sem limites, e livre
de qualquer ameaça. Não acredita na história, pois é ele quem a
"começa" a partir de sua chegada ao poder;
· A fantasia
de que é necessário “transformar” o mundo – Sua fala traz sempre a "verdade",
quase de inspiração divina. O ex-presidente Lula dizia: "...não existe ninguém mais ético do que eu...", e, por vir
das classes populares, trazia consigo a "verdade". É com essa
"origem" que ele se transforma no “eleito", no "campeão",
enfim, no “cara”, como um dia disse Obama;
· A fantasia
de que “tudo é possível” - Para este líder, finalmente, é fundamental criar
uma "nova sociedade", afinal "tudo começa" com ele e
acredita que, para isso, "tudo é possível" e justificável. É aqui que
os delírios encontram espaço para florescer, inclusive aqueles que classificam
corruptos como simplesmente “presos políticos”;
Todos nós, individualmente, possuímos traços que
nos realçam a persecutoriedade. Alguns um pouco mais. E líderes políticos não
escapam, obviamente, a estes traços. Alguns um pouco mais, evidentemente. O
ex-presidente Lula, me parece, usou e abusou desse estilo. Não o condeno,
afinal, é o seu estilo de atuação na política. Nem diria que foi sempre assim.
Um olhar mais detido sobre a evolução de sua postura e discurso políticos
mostra que ele transformou-se com o tempo. Mudança significativa, porém,
aconteceria no auge da conjuntura crítica do escândalo do mensalão, quando
passaria a adotar, de forma frequente, as linhas deste estilo carismático/paranóico.
Mas, isso é assunto pra outra conversa.
Não
se trata, portanto, de um estilo de atuação "essencialmente" democrático. Aliás há muito o que se conversar sobre essa tal "essência" da Democracia. Mas, é decisivo, então, sustentar-se a capacidade crítica, oferecer uma nova
possibilidade de recontar a história do país, manter as instituições o máximo
livres e independentes. Ou atribuímos à
democracia um valor universal, onde o "povo" é transformado em "cidadão" (e não estou dizendo meramente "consumidor"), ou
continuaremos nos apegando a “messias” e “salvacionices”, mantendo a nossa sina, como bem assinalada por Moneygrand.
Olhar, então, para o estilo
de atuação dos governantes, e seus pormenores discursivos, pode dar ao campo da
política um especial interesse. Neste caso, o que se percebe é um conjunto de fantasias que povoam o líder carismático/paranóico. Moneygrand conclui sua análise lembrando que há uma chance de dispensarmos estes "Messias" mas, desde que comecemos mesmo a "desconfiar que nada neste mundo de Deus pode ser resolvido paulatinamente, a não ser por todos e cada um".
_____________
¹ "Onde Estamos", O Estado de São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2014. http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,onde-estamos,1157387,0.htm
² "Divagações de um brasilianista". Observatório da Imprensa, 04/09/2012, edição 710. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed710_divagacoes_de_um_brasilianista
(José Henrique P. e Silva)
(José Henrique P. e Silva)
terça-feira, 22 de abril de 2014
Perversão: a parte obscura de nós mesmos
Este é um livro da Roudinesco que gosto muito. Trata da "Perversão", aquela estrutura clínica nem tanto "valorizada" quanto as neuroses ou psicoses, e em boa parte "glamourizada" pelas "fantasias sexuais" que parecem adquirir um grau de legitimidade bem elevado atualmente. Mas prefiro falar daquela "outra" Perversão, aquela parte considerada "maldita" em nós mesmos, e por isso quase sempre bem "escondida", que parece sempre nos lembrar de nossa potencial bestialidade, algo que parece contrastar com a própria "humanidade".
Essa perversão que dá margem a comportamentos e vidas infames, paralelas, minúsculas, bestiais, criminosas, monstruosas e miseráveis, que se disseminam pela sociedade e ao nosso redor. Estou falando de criminosos sexuais de uma forma geral (abusadores, pedófilos, estupradores etc.) que deveriam sim, e essa é uma opinião que tenho muito arraigada, serem permanentemente monitorados pelas instituições responsáveis, pois sabe-se que sua possibilidade de "cura" é ínfima, quase nula. Podem manter-se sob algum tipo de controle, mas parecem não escapar desta "parte obscura" que tomou conta de si mesmos. Há muito o que se falar sobre a Perversão.
O livro da Roudinesco nos traz alguns exemplos de "notórios perversos", como Gilles de Rais, neto de João de Craon, um riquíssimo senhor feudal libertino. Desde seus 11 anos foi iniciado no crime por este seu avô. Dilapidou sua fortuna em bebedeiras e toda sorte de excessos.
O gosto pelo sangue e o desprezo às leis era indiscutível. Apegado às armas, Gilles acabou por servir ao lado de Joana D'Arc e chegou a ser condecorado, mas não escapava às pilhagens e roubos. Depois passou a cometer outro tipo de crime: o seqüestro de crianças, seguido de todo tipo de sevícias.
Retalhava corpos, arrancava órgãos, e tudo isso associado ao abuso sexual dos corpos. No auge da loucura chegava a invocar o demônio em extrema excitação – acabava transformando-se num dejeto, sujo de sangue, esperma e restos de comida. Todas as fronteiras com a Lei já estavam abolidas e nada o refreava. Fala-se em cerca de 300 crianças mortas, o que deu origem à lenda do Barba Azul. Em 1440 Gilles foi levado a julgamento e confessou todos seus crimes dizendo que foram por iniciativa própria. Não atribuiu culpa ao demônio nem a instintos bestiais. Ele simplesmente lembrou a educação que recebera do odiado avô que fizera dele uma criatura abjeta, imersa no vício.
No final, implorou perdão e pediu orações. Foi enforcado e queimado. Diante da pergunta do porque teria cometido tais crimes, ele responde: "para que atormentar, a vós e a mim?" - Esta é uma característica do perverso, o TORMENTO do qual não consegue livrar-se a não ser com a própria MORTE.
Outro "notório perverso" trazido pelo livro da Roudinesco é o bastante famoso Marquês de Sade. Com ele isso, inaugurava-se a noção moderna de perversão, onde não havia nada de "diabólico" e sim "humano". Foi na regência de Philippe d’Orléans, após a morte de Luis XIV, que a "libertinagem" (fenômeno que surgiu como reação às guerras religiosas) encontrou sua forma política mais consumada.
Orgias, blasfêmias, especulação econômica, gosto pela prostituição, pelo luxo, pelo desperdício e escândalos: todas essas praticas concorriam para um vasto questionamento dos valores da tradição religiosa. A aristocracia entregava-se e fascinava-se pelos prazeres mais excessivos. Foi nesse cenário que cresceu o Marquês de Sade que, com sua escrita, levaria aos limites a "inversão da Lei".
Seus personagens, entretanto, não reivindicam uma filosofia do prazer e da liberdade individual, e sim uma vontade de destruir o outro e se autodestruir num TRANSBORDAMENTO DE SENTIDOS (gozo absoluto). O ser humano transforma-se em OBJETO (coisa) e ABJETO (desprezível). Sade não foi um criminoso do tipo Gilles de Rais, foi mais um "perverso moral". Não matou, mas destruía a identidade.
Tinha os germes da depravação, mas não da loucura. Assim, é compreensível que Sade tenha sido visto como um precursor da sexologia. Encarnação de todas as figuras possíveis da perversão, ele nunca cessará, após ter desafiado e insultado reis, Deus e invertido a Lei, de ameaçar a todos em sua vã pretensão de querer domesticar o gozo do mal. Esse é o típico "notório perverso" mais alinhado àquela perversão "glamourizada" dos dias atuais, onde se enaltecem as fantasias, quase sempre no limite entre o prazer e o crime.
Que olhar, então, dirigir ao perverso? Sabemos que existe aquela perversão que ninguém se intromete, porque é da ordem da vontade do indivíduo, casal ou grupo, em sua intimidade. Essa perversão fala algo da liberdade e da própria natureza humana. E não consigo estabelecer nenhum juízo moral sobre a questão, pois a psicanálise não busca nenhum tipo de "ordem moral" ou algo que diga o que é o "sexo bom" ou "mau" para cada um.
Mas, existe a perversão que é alvo da Lei e que sobre ela deve-se dirigir um olhar bastante severo. São os chamados "parafílicos sociais" (estupradores, pedófilos, assassinos maníacos, criminosos sexuais etc). Para esses o olhar não deve ser somente o de reprovação, mas de forte atuação no sentido do confinamento e monitoramento constante, pois o mal que causam ao outro é, muitas vezes, irreparável.
O que me assusta, por vezes, é uma certa condescendência com esse tipo de crime, tentando-se atribuir certa "naturalidade", mostrar que é "cultural", ou até mesmo que não é crime e sim uma "doença". Embora esse tipo de perversão tenha sim componentes destes três tipos de explicação quando inserida em nosso contexto social ela se torna crime sim, e merece punição rigorosa, ou vamos mesmo conseguir conviver com a ideia de um pai estuprar a própria filha criança ou adolescente?
(José Henrique P. e Silva)
Limites e agressão!
O UOL trouxe uma matéria ontem sobre a questão dos "limites" na relação entre as pessoas, com contribuições da Terezinha Baptista, do Sedes Sapientiae. Há sempre méritos em discutir a questão da agressividade como modelo de educação e é desnecessário enfatizar que a agressividade é uma de nossas reações mais primitivas, e que exige alguma "domesticação" na própria infância.
E uma das formas mais utilizadas pela agressividade é a violência psicológica (não física), aquela que envergonha, humilha, diminui, destrói a identidade da pessoa. É claro que a irritabilidade, em situações ocasionais, é algo absolutamente normal e nos protege de internalizar ofensas, mas o problema está quando a irritabilidade e a agressividade se tornam modelo de conduta, tomam conta da personalidade.
Gritar, berrar, agredir, se impor pela força, só demonstram a fraqueza e a incapacidade psíquica de lidar com o controle, o argumento, a reflexão e o respeito ao outro. Mostram forte egocentrismo, talvez como defesa para uma evidente identidade muito fragilizada e insegura. Sem dúvida, impor limites sem o uso da violência é uma habilidade que pode ser melhorada com o tempo.
Mas, só treino de habilidades não resolve tudo. Trata-se de um indivíduo que precisa ter seu NARCISISMO observado com mais atenção, pois algo pode ter falhado e ele está tentando se manter forte e agressivo para simplesmente não "desabar".
Quando falei que a agressividade precisa ser "domesticada" é porque fica evidente em nossa evolução emocional, ainda na infância, que se não reconhecermos limites isso irá gerar seríssimos problemas mais tarde. E esses limites vem do modelo dos pais, principalmente. Não há como esperar por escolas ou pela sociedade. Essas estão, cada vez mais, falhando em seus papeis de mostrar limites e, principalmente, mostrar limites a partir da EDUCAÇÃO e não da força física ou psicológica.
(José Henrique P. e Silva)
sexta-feira, 18 de abril de 2014
Sobre o hedonismo e o pecado
Ainda numa daquelas tarefas insanas e improdutivas de tentar colocar ordem em papéis antigos, peguei umas anotações de uma coluna do C. Caligaris na Folha em que ele comentava a vinda do Papa Francisco ao Brasil. Segundo ele, não são poucas as religiões que combatem o hedonismo atual, ou a ideia do prazer como algo associado ao egoísmo e o consumismo.
Difícil dizer algo contra esta associação. Mas ela não pode ser vista de forma maniqueísta. É claro que o consumismo tem no hedonismo um parceiro decisivo, mas o hedonismo se resume a isso, a tornar os homens egoístas? Por que a busca do "prazer" se torna um palavrão para muitos, assume uma conotação moral negativa? Será que é só renunciando ao prazer que adotaremos uma moral positiva?
A questão se torna ainda mais complicada quando estamos sob o aparato cultural de uma religião fundada na ideia do necessário "sofrimento" para a salvação. Existe aí, então, um possível maniqueísmo que exige a suspensão do prazer para se conquistar uma moral elevada e evitar o pecado. Tal associação precisa ser melhor ponderada. Repito, não há dúvida que o hedonismo, hoje, alcança ares egoístas e doentios, mas eliminar a ideia do "prazer" não é a solução para a felicidade do homem.
(José Henrique P. e Silva)
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Pesquisa Vox Populi e suas "artimanhas"
A divulgação da pesquisa do VOX POPULI anteontem sobre a disputa presidencial me chama a atenção para algo que, vez por outra, ocorre em época de eleição. Na rápida tabela que montei abaixo se percebe que o VOX POPULI fez a pesquisa nos dias 6 e 8 mas só divulgou em 16.04. O DATAFOLHA havia feito uma pesquisa semelhante nos dias 2 e 3 e divulgado no dia 5 de abril. Pode-se dizer que os resultados estão dentro da margem de erro (38% para Dilma no DATAFOLHA e 40% no VOX).
O problema está justamente na DATA DE DIVULGAÇÃO dos resultados. Divulgar um resultado com 8 ou 9 dias de diferença, como fez o Vox Populi, não é recomendável pois estamos tratando de CONJUNTURAS DISTINTAS (embora os dados possam estar corretos). Percebe a questão? Além disso, a pesquisa do VOX apontou uma oscilação positiva da Dilma (de 38% do Datafolha, para 40%). Me chamou a atenção porque isso parece ser muito comum no VOX POPULI. Em 2010 para a disputa do Senado o mesmo já acontecera em Pernambuco, quando o VOX também demorou pra divulgar os resultados e o fez com uma intenção de voto bem superior à divulgada pelo Datafolha.
Onde está o problema então? Ora, divulgar dados com uma boa defasagem de tempo significa que você está tentando "FREAR UMA OSCILAÇÃO" (no caso, a oscilação negativa da Dilma, confirmada pela pesquisa do IBOPE com 37%) e também criar um clima de "otimismo" tentando "ABAFAR UMA CONJUNTURA DESFAVORÁVEL" (escândalo da Petrobrás). É simples! Não é tão difícil perceber isso!!! Estamos falando de conjunturas distintas que a pesquisa do Vox Populi tentou "negar".
Agora, outra questão: quem acolheu esta pesquisa do VOX POPULI com tanto tempo de atraso? A Revista CARTA CAPITAL. Olha, nada contra a revista, mas isso é só um exemplo de que temos que acabar com essa besteira de que tudo o que sai na VEJA é "falso" e tudo o que sai na CARTA CAPITAL é "verdadeiro", como se a esquerda estivesse com a "verdade" ao seu lado. Não estamos falando de ideologia (ideologia hoje só serve mesmo pra quem não gosta de pensar muito), estamos falando de disputa eleitoral, interesses, poder... e nisso o PT e seus aliados (como o VOX POPULI e a CARTA CAPITAL) são tão eficientes quanto os demais. Só não vale, entretanto, é ficar posando de "santinho" e "dono da verdade", e usar esse tipo de artimanha antiética e imoral onde se usa um instrumento técnico como a pesquisa eleitoral pra MANIPULAR UMA CONJUNTURA. Infelizmente esse tipo de debate não chega à grande população. Infelizmente.
O que é isso que acontece com o VOX POPULI? Incompetência técnica e falta de agilidade? Deliberada "proteção" a seus candidatos? É nesta hora que o TSE deveria exigir respostas por parte dos institutos de pesquisa e a mídia deveria ser mais responsável com a divulgação de dados. Bem, mas não estamos falando de situações ideais e sim de uma disputa de interesses que é sempre ferrenha.
(José Henrique P. e Silva)
quarta-feira, 16 de abril de 2014
Dias de Incerteza!
Estava tentando, inutilmente, arrumar alguns por aqui papéis e encontrei uma coluna do C. Calligaris na Folha, de novembro de 2012 (clique para ler). No texto existe uma pergunta implícita: Por que a dificuldade em se assistir a documentários históricos, políticos ou tragédias e dramas familiares?
Podemos alegar que, por vezes, não temos conhecimento histórico ou cultural necessário para isso. Mas, isso não explica quase nada. Em que pese a mediocridade do ensino de uns tempos pra cá, que já não fornece subsídios a nenhum aluno, há outra razão.
Calligaris concorda com a tese de que somos sempre frutos de uma época e de sua cultura. Em muitos aspectos ainda somos uma herança daquele homem revolucionário do século XIX que foi levado a "apreender a ordem do mundo através de sua subjetividade, se identificando com os personagens do romance psicológico", um homem que decide no que acreditar, seguindo seu foro íntimo e suas convicções. Claro que isso não nos define a todos!
O fato é que, a partir desta herança, tivemos que aprender a conviver com a "incerteza", pois muitas tradições "seguras" foram abandonadas. Duas destas "tradições" foram o "orgulho" (aristocrático) e o "fanatismo" (religioso). Sobrava, então, ao homem comum revolucionário e sobrevivente do século XIX a "incerteza". Com estas duas tradições nos colocamos mais facilmente como invencíveis, heróis, extraordinários, eleitos, grandiosos. Com estas tradições acabamos por desenvolver fantasias e delírios megalomaníacos.
Daí, segundo Calligaris, ser difícil lidar com a incerteza, os dramas e as tragédias. É como se não quiséssemos nos identificar mais a nenhum personagem que não fosse heróico, invencível, divertido e feliz. Este é um comportamento que atende às nossas necessidades de fantasiar, de forma heróica e bem humorada, nos dias atuais. Dias de muita incerteza.
Um pequeno exemplo, mas bem representativo disto que Calligaris nos traz para pensar, se deu quando, a pouco tempo, estava fazendo algumas entrevistas em profundidade para um Diagnóstico de Clima Organizacional em uma empresa e um empregado me relatou:
parece que estou vestindo uma capa de super-homem. Seja aqui (no trabalho), seja com os amigos ou em qualquer lugar, tá todo mundo achando que eu tenho que ser perfeito em tudo, quase não tenho tempo pra ser eu mesmo. Tá ficando difícil aguentar
É isso aí. Tá complicado!
(José Henrique P. e Silva)
A saudade que nos reconcilia com o sofrimento!
Em sua coluna de hoje no Estadão, o antropólogo Roberto DaMatta (clique para ler a coluna) nos fala sobre o "sofrimento" e a "saudade". Sabemos que é impossível se pensar em uma sociedade, ou uma vida, sem sofrimento. É só uma utopia nossa, um desejo irrealizável, pois até mesmo nossas memórias estão repletas de momentos de dor e, quantas vezes, encaramos a felicidade como fruto do próprio sofrimento. Não é esse o problema, afinal o sofrimento nos coloca frente a frente com coisas valorosas (honestidade, coragem, aceitação) que nos levam a tentar "reagir". Não há outra saída então, pois sendo impossível evitar o sofrimento é preciso "aceitá-lo" e reagir em prol da busca da felicidade.
É aí que DaMatta nos lembra de Joaquim Nabuco (1909) dizer que "saudade" é a mais bela palavra de nossa língua, sempre nos levando a pensar em lembrança, luto, desejo e amor - "moedas do sofrimento". É esta palavra que nos reconcilia com o sofrimento, transformando dor, mágoa e ressentimento em... Saudade!
Adorei esta associação entre sofrimento e saudade feita por DaMatta pois, vocês devem concordar comigo, não é à toa que sentimos muitas saudades do que "não vivemos". Como isso ocorre? Ocorre porque TENTAMOS, HEROICAMENTE, SUBLIMAR NOSSAS DORES DO PASSADO EM PURA SAUDADE DE UM TEMPO E DE UMA VIDA NÃO VIVIDA MAS QUE... DEIXOU SAUDADES.
Esta uma capacidade que temos, um RECURSO PSÍQUICO que utilizamos para lidar e aceitar o sofrimento que a realidade, sem nos pedir licença, nos impõe. A saudade, então, nos faz encontrar um pouco de paz com o passado e com a dor.
(José Henrique P. e Silva)
P.S (1) - Oi Eliana, que bom que gostou. O tema é controverso sim e dói e faz sorrir sim, dependendo do que vamos fazer com ele. Aqui, queria comentar essa "estranheza" Cláudia....a saudade, lá nas suas origens (até terminológicas mesmo) fala de algo que "partiu", que nos deixou "sozinhos", em solidão, algo que nos escapou...enfim...então a saudade é de algo que foi "vivido". Estamos falando mesmo de "perda", ainda que seja a perda de algo bom que vivemos. E a lembrança desse algo pode doer ou nos fazer sorrir. Quando nos faz sorrir sempre digo que a saudade é uma excelente companheira. Quando nos dói, geralmente usamos dois recursos psíquicos: tentamos "esquecer", não lembrando, sepultando, etc., ou tentamos "sublimar" transformando aquilo que foi vivido como dor em saudade de algo que, muitas vezes, sequer vivemos...
P.S (2) - Quantas vezes estamos assistindo a um filme ou lendo a um livro e nos deparamos com uma situação com a qual nos identificamos. Ficamos presos à narrativa, nos transportamos para ela, ficamos sem piscar esperando o desenrolar da trama. Muitas vezes esse desenrolar foi "melhor" que o que aconteceu na nossa vida...aí temos uma boa chance de sublimar, tentando transportar nossa dor para aquele final de trama e dando a chance de nossa dor se transformar em algo mais ameno, suportável...respiramos fundo e passamos a ter saudades daquele desenrolar, que não vivemos, mas que um pouco dele agora vai fazer parte da narrativa do nosso passado. Este tema é legal porque chama a atenção para o fato de que nossas lembranças não são formadas apenas pelo que "vivemos", mas também por "fantasias" e "desejos".
Ainda é cedo para o eleitor decidir-se!
Muita gente se espanta com algo que vem acontecendo no cenário político, ou seja, ao mesmo tempo que cresce o pessimismo do brasileiro com a economia a Dilma se mantém razoavelmente como favorita para as eleições. Nesse quadro muitos passam a desacreditar em pesquisas etc. O que explica isso? Ora, simplesmente AINDA NÃO CHEGOU A HORA DO ELEITOR DECIDIR-SE.
Apesar do pessimismo ser crescente o debate eleitoral ainda não chegou às ruas (talvez no facebook e alguns círculos mais restritos sim, mas nas ruas não!). Então, é absolutamente natural que o eleitor se comporte de forma conservadora, ou seja, diz que vai votar em que está no governo, em quem conhece mais, em quem, enfim, tem maior lembrança. À medida que o debate eleitoral for chegando às ruas, o eleitor começará a pensar mais seriamente em sua escolha e aí muita coisa pode mudar. "Poder mudar" não significa "mudar". Isso vai depender da capacidade do governo em blindar-se contra as críticas e da capacidade da oposição em colocar-se como alternativa.
Mas, até lá tem muita coisa pra acontecer. Ainda é cedo pra mudanças significativas nas pesquisas eleitorais. É muito comum que, só após a entrada da TV (programa eleitoral) em cena, que o eleitor comece a pensar mesmo em quem vai votar. Por enquanto a "briga" entre governo e oposição é por espaço na mídia e na cabeça do eleitor!!! E isso é muito importante, muito mesmo!!!
(José Henrique P. e Silva)
terça-feira, 15 de abril de 2014
Baixa autoestima coletiva: Quando fazemos para "inglês ver"!
A baixa autoestima não é um problema só do indivíduo, pode ser coletivo. Estava lendo esta matéria (click no link para ler) de um jornalista dinamarquês sobre a situação de Fortaleza às vésperas da Copa do Mundo e fiquei pensando que geralmente a gente fica indignado quando um estrangeiro vem aqui e fala mal de nossas coisas, afinal "roupa suja se lava em casa" né? Mas talvez o problema é que não lavamos bem a nossa roupa suja e andamos meio que maltrapilhos há muito tempo.
Bem, o fato é que, tendo excessos ou não, o depoimento desse jornalista só retrata bem aquele nosso típico comportamento de "beijar os pés" de estrangeiros (herança de um país colonizado que nunca lutou por sua liberdade e prefere "bajular" para obter reconhecimento e aceitação).
Ou seja, "maquiamos" a cidade, fazemos obras só onde os turistas vão passar, "embelezamos" pontos turísticos, "higienizamos" (retiramos das ruas) os mendigos, "combatemos" a violência com o Exército nas ruas...enfim...coisas de um país ainda muito infantilizado quando se trata de cidadania. Precisamos pensar sobre isto. Não adianta muito só termos autoestima quando estamos disputando uma copa do mundo...é muito pouco para um país e um povo serem respeitados. Essa frase do jornalista diz muito:
"...Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar...".
(José Henrique P. e Silva)
P.S. Foi divulgado que a matéria é falsa. Ok, muito normal em se tratando do facebook. Mas, mesmo sendo absolutamente falsa, nada invalida os argumentos acima. Ou estou falando de algo tão estranho assim?
P.S. Foi divulgado que a matéria é falsa. Ok, muito normal em se tratando do facebook. Mas, mesmo sendo absolutamente falsa, nada invalida os argumentos acima. Ou estou falando de algo tão estranho assim?
O terrorismo e sua nova estética: todos estamos em risco
Esta semana completa 1 ano do atentado à maratona de Boston (EUA) e nunca é demais comentar um pouco sobre o tema. Este atentado me fez lembrar, à época, que talvez a era do terrorismo com "endereço certo" talvez já tenha mesmo acabado e Bin Laden talvez tenha sido seu último grande representante. Hoje o terrorismo está em qualquer lugar e não necessariamente em um país "miserável e ditatorial" da África ou da Ásia. Está em todo lugar e qualquer um de nós pode ser o seu alvo.
Aqueles dois jovens irmãos representam a face mais nova desse terrorismo. Não precisaram de muita coisa para fazer o estrago que fizeram, apenas um bom suporte "ideológico". Mais do que nunca são "pessoas comuns", como eu e você, que estão agindo assim. Por isso espanta a todos ouvir estórias do tipo: "eles eram bons garotos", "pareciam tão normais", "eram bons vizinhos e bons alunos". E o amadorismo deles (bomba caseira, despreocupação em serem filmados, fuga atrapalhada) só atesta esta tese.
São pessoas comuns sim! E isso só nos deixa ainda mais preocupados. Fica fácil entender quando a população de Boston "comemorou" o fim da "caçada" à dupla de irmãos. É só isso que pôde resgatar um pouco mais da sensação de segurança por lá (aconteceu o mesmo quando Bin Laden foi morte e já havia acontecido também quando o WTC foi atacado). Nós por aqui, no Brasil, não sabemos e não temos elementos para avaliar e julgar isso corretamente. Então não podemos nos apressar em criticá-los, pois eles estão no olho do furacão e nós, nem de longe, sabemos o que isso significa na pele.
Mas, nada disso é tão novo assim. Sempre lembro, quando penso neste assunto, de um texto de Miguel Chaia, um ex-professor meu na PUC-SP¹. De acordo com Chaia, experimentamos, hoje, uma "estética da vulnerabilidade", traduzida na relação entre arte e guerra. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, autores de tragédias gregas, em seus “lamentos nascidos no dilaceramento da alma humana e na difícil sociabilidade” já apontavam para o significado que a violência tem sobre a sociedade e o destino das pessoas. Mais à frente, Shakespeare nos mostraria um novo tipo de tragédia onde o “ser” é também frágil diante de conflitos internos. Para ele, a história seria cíclica, num eterno continuum entre guerra e paz, com o outro e consigo mesmo. Segundo o professor Chaia, a política não detém a tragédia, afinal:
O campo social está permanentemente aberto às contingências e o pretenso controle que se objetiva alcançar politicamente com freqüência transforma-se em um inusitado descontrole social. O inesperado pode se abater a qualquer instante sobre os homens.
Ou seja,
a esfera do político, em vez de representar o controle do espaço público, deve ser compreendida como o lugar do confronto permanente entre o homem e seu destino, como o lócus dos conflitos intermináveis. Os riscos e as desgraças são inerentes não somente à vida, mas também às condições da ação política. Os acontecimentos trágicos são aqueles que reafirmam a conexão entre o (nosso) destino individual e o destino coletivo.
Ora, ninguém vive isolado no mundo, e é nesse encontro do homem com o mundo que a Arte aprofunda sua dimensão política, fazendo surgir uma nova estética essencialmente midiática. É assim que o terrorismo muda de face e entra neste círculo de visibilidade ganhando expressividade e mostrando que vivenciamos uma vida cada vez mais “trágica”, onde uma explosão é repetida mil vezes, nos trazendo essa mensagem: estamos sob risco, cada um de nós está em risco. É neste contexto de "medo" que engendramos uma nova sociabilidade cotidiana, marcada pela instabilidade, pela fragilidade da vida e pelas respostas violentas por parte da própria população (os "amarrados em postes" estão aí para evidenciar esta nossa "insegurança cotidiana").
E mais, nessa nova estética terrorista (que não é mais a da "guerra"), não temos mais a presença do Estado, dos campos de batalha, das ideologias, das utopias, dos novos homens. Não há mais como sonhar com a beleza, o igualitarismo, o progresso, enfim. Parece só ter restado mesmo a destruição coletiva.
A estética do terrorismo tem na imagem sua principal estratégia de disseminação. É no ato espetacular transmitido pelos canais midiáticos, como a internet, a televisão e a imprensa, que ele encontra sua eficácia e força. Basicamente, a cidade é o seu principal alvo, tornando as metrópoles mundiais as melhores caixas de ressonância de suas práticas violentas.
É esta nova estética que atinge nossa retina (e rotina também), formando nossa subjetividade, cada vez mais marcada pelo medo, e pela intolerância. É a partir desta nova estética que a estética da política vai se construindo no cotidiano, marcada pela inevitabilidade dos conflitos insolúveis e a “impossível” sociabilidade.
Dessa forma,
a estética da guerra foi superada, dando lugar à experiência do confronto entre sistema e bandos, que demonstraram que esse sistema não é impenetrável. Nessas condições, a cultura da violência encontra seu par complementar na cultura do ódio, a mídia do entretenimento tem continuidade na mídia em transe, e a irracionalidade das massas pontua-se pela mutilação individual e coletiva.
De uma forma, direta ou indireta, participamos do reality show, do espetáculo, ao vivermos cotidianamente a absorção destas novas estéticas do terrorismo e da política, seja como vítimas, seja como espectadores. Afinal,
Se o indivíduo não for atingido na rua, com certeza a eficácia política do terror o alcançará na rede da internet ou na rede de televisão. Assim é que a estética do terrorismo é dada na descoberta da instabilidade e da fragilidade da vida e na construção da insuficiência e da limitação da política.
Culpa dos meios de comunicação de massa? Não sei! Os terroristas buscam a mídia para o deleite dos resultados de seus atos, e nós a buscamos para deleite de nossas ansiedades e entender (ou manter) nossos medos. Não há glória alguma! Não há vencedores! Todos perdemos! Embora alguns ganhem (poder e audiência) com essa tragédia toda.
_______________
¹ CHAIA, Miguel. Arte, Política e Explosão. In: Revista Cult, n. 95, set/2005, ano 8, p. 59-63. O autor é professor do Departamento de Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e pesquisador do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP.
domingo, 13 de abril de 2014
Política: Tão próxima dos vícios...e distante das virtudes!
"Política é cálculo e oportunidade, paixão e frieza... É ação coletiva: carreiras solo dificilmente progridem e o companheirismo, as lealdades, as amizades pesam de forma determinante..." (prof. Marco Aurélio Nogueira, Caderno Alias do Estadão, 13.04.14)
Esta frase do prof. Marco Aurélio, de quem sou admirador, chama a atenção para algo virtuoso na política que é a capacidade de projetar o futuro num quadro de responsabilidades mútuas. Mas, como as melhores definições de política não encontram respaldo na realidade ou, quando encontram, é como farsa, o que seria essa "lealdade" ou "companheirismo" no dia a dia do mundo da política? Pra isso, recorro ao primeiro episódio da série "House of Cards" quando o político e protagonista Frank Underwood (Kevin Spacey) nos diz o seguinte:
"...Sou apenas o líder da maioria da Câmara. Faço tudo funcionar num Congresso sufocado por mesquinharia... Meu trabalho é limpar os canos e fazer o lodo fluir, mas não vou ser encanador por muito tempo, já cumpri meu tempo e apoiei o cara certo...RECIPROCIDADE, bem vindos a Washington".
É nesse sentido que muito da legítima e necessária lealdade e companheirismo se transforma, na prática, em fisiologismo, oportunismo e vantagens pessoais. Este é o mundo "real" da política, sempre muito distante das virtudes e próximo dos vícios. Por isso é sempre recomendável nunca deixar de ler Maquiavel, ele nos ensinou mais sobre política que toda a filosofia e a ética.
(José Henrique P. e Silva)
O link abaixo é o do artigo (muito bom) do prof. Marco Aurélio.
A Felicidade, entre a descartabilidade e a persistência
Há pouco tempo, em uma dessas sessões nada monótonas na clínica, um adolescente me questiona: Como ser feliz? A pergunta veio direta e objetiva, como é a fala de um adolescente. O que exemplificava seu incômodo era o fato de gostar de música dos anos 70 e seus amigos desaprovarem a ideia. Sentia um mal-estar que o deixava, por vezes, retraído e solitário pois imaginava não ser aceito.
Depois, já em casa, a pergunta teimava em não me sair da cabeça. Ela falava de felicidade, música, moda, consumo, e me levou de imediato a lembrar de alguns trabalhos de G. Lipovetsky, filósofo francês da atualidade. Lembrei dele por sua ousadia em rediscutir alguns temas como o da felicidade e as "frivolidades" do consumo contemporâneo. E sua discussão é bastante contextualizada, ou seja, deixa a filosofia um pouco de lado e discute a felicidade no interior das relações que os indivíduos estabelecem, consigo mesmo e com os outros, e isso tudo no contexto maior do "consumismo".
O que dizer sobre isso? Hoje, por exemplo, é muito comum que uma pessoa "pressione" outra a consumir algo específico em função da marca, do preço, da beleza ou do status que representará. E, portanto, é muito comum que também critique os que já possuem suas preferências razoavelmente consolidadas, e não tão sujeitas à moda. De outro lado, também é comum "sentir-se" pressionado, afinal, consumir o mesmo que o outro é uma possibilidade de aprovação, pertencimento, aceitação, reconhecimento.
Segundo Lipovetsky a "hipermodernidade" atual ("hiper" porque a ênfase está no "excessivo") está marcada pela tendência em se fazer da "mercadoria" e de seu "consumo" o próprio sinônimo de "felicidade". Nesse contexto, o que escapa de transformar-se em mercadoria? A felicidade também não escapa a isso, afinal não se costuma dizer que se o dinheiro não traz a felicidade ele, pelo menos, a compra? É nesse sentido que a felicidade passou a inserir-se, cada vez mais, em embalagens de produtos sempre novos e, portanto, sempre descartáveis.
O resultado disso já conhecemos bem: um consumo interminável, que não sacia nunca, que não preenche nunca, um excesso que transborda sem tapar nenhum buraco em nós mesmos. Não à toa os maiores rivais dos psicanalistas hoje em dia são as viagens, os salões de beleza, os carros novos, as cirurgias plásticas etc., soluções bem mais rápidas e, melhor, que evitam o penoso trabalho de lidar consigo mesmo.
O resultado disso já conhecemos bem: um consumo interminável, que não sacia nunca, que não preenche nunca, um excesso que transborda sem tapar nenhum buraco em nós mesmos. Não à toa os maiores rivais dos psicanalistas hoje em dia são as viagens, os salões de beleza, os carros novos, as cirurgias plásticas etc., soluções bem mais rápidas e, melhor, que evitam o penoso trabalho de lidar consigo mesmo.
Mas, o fato é que o aumento do consumo na atualidade não implica em aumento da felicidade, do contrário não viveríamos uma "era de ansiedades", uma época de profunda inquietude e insatisfação. Apenas estamos, freneticamente, comprando momentos de um prazer muito instantâneo, pouco resistente e duradouro. A "novidade" dos produtos e a aceleração da tecnologia respondem a este frenesi, pois o que consumimos agora já não nos serve amanhã. Precisamos de algo "novo" para manter nossa esperança de satisfação. É assim que funciona, em linhas gerais, o "consumismo", seja ele de que ordem for.
Ora, se depositarmos todas as nossas esperanças de felicidade no consumo de mercadorias da moda estamos fadados ao vazio do deserto, a uma inesgotável carência, a uma falta absoluta, de onde só pode resultar o sentimento de queda, de vazio, embora o tênis de primeira linha possa até trazer um alívio imediato para alguns que se esforçam em comprá-lo, ou até roubá-lo. Mas, é só um alívio imediato!
Ora, todos queremos bons produtos. Mas, resumimos nossa existência a isso? A comprar bons produtos e, ao abrir a embalagem, esperar que a felicidade seja desempacotada junto com a mercadoria? Onde está a "vontade de potência" nietzschiana? Onde está aquele desejo de potência que nos impele a ultrapassar, ir sempre mais distante em nossa existência mais ampla? E quando falo "mais ampla" é no sentido de "além do consumo".
Ora, todos queremos bons produtos. Mas, resumimos nossa existência a isso? A comprar bons produtos e, ao abrir a embalagem, esperar que a felicidade seja desempacotada junto com a mercadoria? Onde está a "vontade de potência" nietzschiana? Onde está aquele desejo de potência que nos impele a ultrapassar, ir sempre mais distante em nossa existência mais ampla? E quando falo "mais ampla" é no sentido de "além do consumo".
Ora, o consumo só ocupa este espaço absurdo que alcança na atualidade porque em outros campos (educação, profissão, arte, política, etc.) abdicamos de qualquer busca, abdicamos de buscar a felicidade por ali. O resultado é uma vida cada vez mais centrada e direcionada para a "mercadoria". Isso deve ser motivo de orgulho para alguém? Como preencher nossa vida com algo (mercadoria) que, cada vez mais, é descartável? Somente nos tornando, também, descartáveis. Esse será sempre o preço a pagar por uma vida de "excessos".
Afinal, é em torno destes "objetos duradouros" que temos a chance de darmos o contorno para nós mesmos e reforçarmos nossa identidade. Mergulhar neste rio de consumo exacerbado é ficar à deriva. O consumo não pode ser nosso único ideal, onde fica nossa "riqueza" afetiva, intelectual, profissional?
O fato é que, para o adolescente de que falei no início, gostar de um ritmo musical de 40 anos atrás, certamente lhe traz problemas entre seus amigos, mas também lhe garante uma boa possibilidade de contorno psíquico e uma tremenda sensação de prazer e orgulho, sentindo-se, porque não, especial, diferente, marcado por sua individualidade... algo tão raro na atualidade descartável.
Pois é, essa descartabilidade não é fácil, nem para quem opta por ela, nem para quem resiste a ela, pois a pressão ocorre por todos os lados. Há alguém nos mostrando algo novo, alguém nos facilitando a compra, alguém nos dizendo que temos que ser felizes a todo custo. Cada vez mais sou levado a pensar, por tudo o que presencio, que a "felicidade que se compra" é a felicidade dos solitários e narcisistas. É preciso ir mais além, isto é muito pobre, psiquicamente falando.
(José Henrique P. e Silva)
sábado, 12 de abril de 2014
A psicanálise e o "pré-conceito"
Essa é uma das frases mais poderosas de Freud. Gosto porque é provocativa. Não fala somente da "psicanálise", fala de "PRE-CONCEITOS" ou seja, aquela atitude que teimosamente temos em, antes de conhecer algo, emitir juízos condenatórios e pejorativos.
Ou seja, quantas vezes nossas "antipatias" só servem mesmo para nos manter ignorantes em relação ao outro? No caso da psicanálise isso é muito comum.
Só a respeita quem a conhece, e só a conhece quem não tem medo de reconhecer as próprias dores e de ver o homem como um sujeito psíquico, além de social e biológico.
(José Henrique P. e Silva)
Sobre a Psicanálise (Freud, 1913 [1911])
Em março de 1911, Freud recebeu um convite do Dr. Andrew Davidson, secretário da Seção de Medicina Psicológica e Neurologia para escrever, ler e publicar um artigo nas Atas do Congresso Médico Australasiano (Sidney, setembro/1911). Trata-se de um texto muito curto, mas bastante elucidador sobre o papel da psicanálise. Vejamos os principais pontos.
Freud nos diz que a psicanálise, como um método de pesquisas das neuroses e sua etiologia (causas), não é fruto de especulação e sim de experiências científicas que precisam ser continuadas. Tudo teria começado com as pesquisas sobre a histeria (Estudos sobre a Histeria, 1895 - Freud e Breuer) que tomaram impulso a partir dos rastros de Charcot (histeria "traumática"), Liébeault e Berheim (hipnose) e Janet (processos inconscientes).
Aos poucos a psicanálise foi recusando várias explicações limitadas às questões hereditárias e congênitas e foi acentuando a importância dos processos psíquicos na formação de doenças. Um exemplo foi mostrar que os sintomas histéricos são resíduos (reminiscências) de experiências traumáticas e afastadas do consciente através de um processo de "repressão" onde parte do material psíquico é mantido no inconsciente.
Trata-se de uma visão "dinâmica" pois encara os processos psíquicos como deslocamentos de energia psíquica que podem ser medidos pelo valor de seu efeito sobre os elementos afetivos (p. 226). Na histeria isto é muito presente pois a "conversão" cria os sintomas pela transformação de boa quantidade de impulsos mentais em inervações somáticas.
No início, os primeiros tratamentos foram feitos com o auxílio do hipnotismo, logo abandonado pela "associação livre' que permitia estender o método a mais pessoas. Mas, com isso, foi necessário desenvolver uma técnica de "interpretação" sobre o que era dito pela pessoa. A partir daí começou a ficar claro que as dissociações psíquicas surgiam de "conflitos" e eram sustentadas por "resistências internas" que mantinham a "repressão". Superar os "conflitos" seria fundamental para o tratamento.
Mais tarde, chegou-se à conclusão que os conflitos se davam sempre entre os instintos sexuais (no sentido amplo) e os desejos e tendências do restante do ego. Nas neuroses, por exemplo, esses instintos sucumbem à repressão e se tornam a base mais importante para o surgimento de sintomas (encarados, então, como substitutos das satisfações sexuais reprimidas).
Outro desenvolvimento importante da psicanálise foi acrescentar o fato "infantil" ao somático e ao hereditário, chegando à conclusão que inibições no desenvolvimento mental ("infantilismos") apresentam uma disposição à neurose. Ou seja, existe uma "sexualidade infantil". O instinto sexual, desde muito cedo, atravessa um complicado curso de desenvolvimento cujo desfecho deveria ser a sexualidade "normal" nos adultos. Isso nos mostra que, por exemplo:
As enigmáticas perversões do instinto sexual que ocorrem em adultos parecem ser inibições de desenvolvimento, fixações ou crescimentos assimétricos. Assim, as neuroses são o negativo das perversões (p. 227).
Mais um desenvolvimento importante da psicanálise foi perceber que o "desenvolvimento cultural" da humanidade é um forte fator que torna inevitáveis as repressões do instinto sexual, proibindo a satisfação da libido e exigindo sua supressão.
Na sequência, percebeu-se que o instinto sexual tem a capacidade de ser "desviado" dos seus objetivos sexuais diretos para metas mais elevadas ("sublimação") como as realizações sociais e artísticas, por exemplo. Dessa forma,
O reconhecimento da presença simultânea dos três fatores de "infantilismo", "sexualidade" e "repressão" constitui a principal característica da teoria psicanalítica e assinala sua distinção de outras visões da vida mental patológica (p. 227).
Ao mesmo tempo,
A psicanálise demonstrou que não existe diferença fundamental, mas apenas de grau, entre a vida mental das pessoas normais, dos neuróticos e dos psicóticos. Uma pessoa normal tem de passar pelas mesmas repressões e lutar com as mesmas estruturas substitutas; a única diferença é que ela lida com estes acontecimentos com menos dificuldade e mais sucesso (p. 227).
Não à toa a psicanálise enveredou pela investigação dos fenômenos psíquicos normais, como os sonhos, os pequenos erros da vida cotidiana, os chistes, os mitos e as obras da imaginação, sempre com o objetivo de obter maior compreensão interna (insight) da vida psíquica inconsciente.
Porém, apesar de todas estas conquistas, Freud denuncia a tendência nos círculos médicos a contradizer a psicanálise sem estudos reais ou aplicações práticas, talvez porque as premissas e a técnica da psicanálise estejam mais próximas da psicologia que da medicina. Mas, Freud questiona: O que os ensinamentos puramente médicos fizeram pela compreensão da vida mental?
O fechamento da comunicação de Freud é impressionante. Faz um alerta com uma força esplendorosa!
O progresso da psicanálise é ainda retardado pelo termo que o observador médio sente de ver-se a si mesmo em seu próprio espelho. Os homens de ciência tendem a enfrentar resistências emocionais com argumentos e, assim, satisfaze-se a si mesmos para sua própria satisfação! Quem quer que deseje não ignorar uma verdade fará bem em desconfiar de suas antipatias e, se quiser submeter a teoria da psicanálise a um exame crítico, que primeiro se analise a si mesmo (p. 228).
_________
FREUD, S. Sobre a Psicanálise. In: Obras Psicológicas Completas: Edição Standard Brasileira. Volume XII – O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e outros trabalhos (1911-1913) , pág. 221-229.
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A psicanálise como procedimento científico
Esta frase de Freud foi dita em um pronunciamento seu, em 1911, em um Congresso de Neurologia e Psiquiatria na Austrália. A psicanálise dava seus primeiros passos, mas já era bastante discutida em várias partes do mundo. Ao inciar sua fala Freud já nos chama a atenção para este ponto: a psicanálise como um procedimento científico.
Freud dedicou toda sua vida profissional a sustentar esta nova ciência. Teve desafetos, enfrentou a descrença da medicina, lutou contra os preconceitos da sociedade, teve seus livros queimados pelos nazistas, mas produziu e escreveu como poucos, nos deixando um legado que ainda está por ser plenamente entendido.
Hoje em dia, quando a Neurociência, com todo o seu avanço tecnológico de "mapeamento das funções cerebrais" através de imagens, comprova praticamente todas as teses de Freud, isso não surpreende quem conhece Freud. Mas, insisto, é um erro acreditar que a Neurociência "prova" alguma coisa.
O que Freud escreveu, na sua imensa maioria das vezes, foi fruto de sua experiência clínica e não de especulações. Foi a partir do estudo, observação e tratamento de seus pacientes que pôde nos deixar uma nova ciência. Cabe continuar o seu trabalho, e enfrentando-se a mesma ordem de resistências e preconceitos por parte daqueles que tentam ignorar ou minimizar a importância de nosso psiquismo. Freud fez ciência a todo instante, quem especula são aqueles que não o leram.
(José Henrique P. e Silva)
O encontro entre o meu olhar e o do abismo!
Esta frase de Nietzsche está em "Genealogia da Moral" (1887), que considero o mais instigante texto de Nietzsche.
A frase é poderosa e nos lembra que que há um reconhecimento do "mal" em nós mesmos, afinal há um encontro de olhares entre o meu olhar e o do abismo, sempre permeado pela sedução e tentação, um encontro de olhares que fala de uma "atração irresistível" e que nos exige estar em "prontidão" sempre.
Um bom filme que retrata bem o potencial desta frase é "Justiça a Qualquer Preço" (The Flock, 2007), onde um monitor de criminosos sexuais se vê confrontado com seus próprios limites a todo instante. O filme é interessante inclusive para se trabalhar de forma didática (em curso, seminário etc.) a "perversão".
(José Henrique P. e Silva)
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Um desamparo que dilacera ("The Thin Ice", Pink Floyd)
"The Thin Ice" é uma música que compõe o álbum The Wall, do Pink Floyd (1979). Se eu tivesse que dividir o álbum em "atos" como em uma peça teatral (e fiz isso em um artigo há alguns anos atrás) diria que a música integra o Ato 2, nos falando de um desamparo dilacerante do personagem que está presente em todas as músicas do álbum.
É neste momento inicial do álbum (a música é a faixa número 2) que o personagem, sentindo-se vazio pela perda do pai e pouco afeto da mãe, sente-se sempre sobre uma FINA CAMADA DE GELO, inseguro, incerto, assustado, sozinho, aflito, com medo, frágil, onde a qualquer momento tudo pode ruir e ele mergulhar em direção ao desconhecido. É um momento de angústia muito intensa. Preso à lembranças trágicas e ao vazio da impotência, só consegue ver-se sob aquela fina camada de gelo que, quando romper sob seus pés, lhe sugará, lhe fará perder toda a consciência. Mas nem assim estará livre de seus medos, que o seguirão por toda a profundidade, arrastando consigo suas dores.
A fina "camada de gelo" é daquelas representações a que nosso inconsciente recorre costumeiramente para nos lembrar que corremos o risco de perder a luta para nossos medos. Esta fina camada de gelo (assim como outras representações semelhantes) está em nossos pensamentos e em nossos sonhos, sempre que nos sentimos desamparados. Imaginarmo-nos sendo tragados por essa profundidade gelada, cortante, escura e silenciosa nada mais é que a própria visão que a vida pode assumir se não enfrentarmos este desamparo, que vez por outra, insiste em se manifestar.
Esta é a letra da música:
Momma loves her baby
And Daddy loves he too
And the sea may look warm to you Babe
And the sky may look blue
Ooooh Babe
Ooooh Baby Blue
Ooooh Babe
If you should go skating
On the thin ice of modern life
Dragging behind you the silent reproach
Of a million tear stained eyes
Don't be surprised, when a crack in the ice
Appears under your feet
You slip out of your depth and out of your mind
With your fear flowing out behind you
As you claw the thin ice
Abaixo o vídeo de "The Thin Ice" quando do show Live in Berlin (1990), interpretada por Ute Lamper e Roger Waters. A versão está maravilhosa, mas nada como assistir ao filme The Wall com todas as cenas de guerra e dor como pano de fundo para a angústia presente nesta música.
Opiniões e fantasias conspiratórias (Paranóia)
Querer que as opiniões tenham bons fundamentos em uma época como a nossa é complicado. Hoje as pessoas estão tomadas por comportamentos e pensamentos fundamentalistas (radicais) apegando-se à superficialidade, à imagem, à frases curtas e absolutamente "rasas". A tecnologia de comunicação não facilitou em nada os debates, pelo contrário, gerou a multiplicação de pensamentos simplistas e criticas absolutamente destrutivas.
É só observar: emita uma opinião polêmica e crítica e, ao invés de você receber um comentário que aprofunde e discuta a questão, você recebe uma crítica cuja única intenção é dizer que tudo sempre foi assim e que todos agem assim. Nesse ponto já não existe debate, mas uma tentativa de fugir à resposta acusando o outro da mesma coisa.
Isso cansa! É um comportamento paranóico baseado em uma ideia de conspiração. E, como todo comportamento paranóico, revela sempre um forte sentimento de culpa que ao invés de vir à tona para ser discutido, se revela na "acusação" ao outro. É o fim dos debates na nossa era paranóica. Boa sorte Armandinho!!!
(José Henrique P. e Silva)
Transferência (Laplanche e Pontalis)
De acordo com Laplanche e Pontalis (Vocabulário da Psicanálise) a transferência designa,
o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada ... terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este.
O termo transferência implica em "movimento", "deslocamento" e, em psicanálise, nos fala da relação entre analista e paciente. Mas, o que nos diz Freud acerca desse fenômeno?
A propósito do sonho, Freud nos falou de "pensamentos de transferência" como um deslocamento onde o desejo inconsciente se exprime e disfarça nos materiais fornecidos pelos restos do dia anterior, já presentes no consciente. É dessa forma, "disfarçada", que o inconsciente, então, manifesta-se no consciente. Surge uma espécie de "ligação" ou "conexão" que faz despertar o mesmo afeto que tempos atrás havia levado o paciente a rejeitar o desejo, visto como proibido. Assim, estamos falando do "deslocamento" de um afeto de uma representação que está no inconsciente.
Não à toa o analista, por vezes, é colocado na posição de figuras (protótipos, imagos) parentais, ou familiares, amadas ou temidas (em toda sua ambivalência). É aí que o analista entra na "série psíquica" já criada pelo paciente em sua vida. É esta relação anterior que é revivida na transferência. Foi assim que Freud falou de "Neurose de Transferência", uma "doença artificial" que substitui a neurose clínica, evidenciando que é com estas possibilidades de transferência que o tratamento se dá.
Para Freud, o mecanismo se desencadeia no momento em que conteúdos recalcados importantes ameaçam se revelar. É por isso que a transferência surge como uma forma de "resistência" à revelação do conflito inconsciente. Mas, justamente por isso, é uma maneira de o analista apreender, "a quente" os elementos do conflito infantil (fragmentos da vida sexual e do Complexo de Édipo), que se revela em sua atualidade. É por este fato que a transferência torna-se um poderoso instrumento terapêutico. Esta seria sua grande função na terapia. Estamos falando, então, de um compromisso entre as exigências da resistência (do Id) e as do trabalho terapêutico.
Quanto ao conteúdo da transferência, Freud já nos dizia que o doente não pode recordar-se de tudo o que está recalcado, nem mesmo talvez do essencial, mas é obrigado a revivê-lo no presente através de uma "atualização", de uma "repetição" de situações e emoções que exprimem a indestrutibilidade da fantasia inconsciente. Claro que não estamos falando de uma transferência literal, mas de "equivalentes simbólicos" do desejo inconsciente e suas fantasias conexas. No tratamento, as "construções" viriam para preencher as lacunas do passado infantil não revelado.
Reside aí, então, uma das mais fortes críticas e limitações ao processo de auto-análise, pois lhe faltaria uma relação interpessoal, onde o analista faz o papel de outro numa "comunicação" onde pode assumir, por exemplo, a posição de superego, revelando os mecanismos de identificação levados a cabo pelo paciente.
Outro aspecto interessante é que a transferência acrescenta uma outra forma de comunicação à forma tradicional que é a dimensão da palavra (verbalização das lembranças recalcadas, rememoração - talking cure). Trata-se da "atuação" ou repetição da experiência vivida.
É neste ponto, principalmente, que podemos apontar os limites da "auto-análise", pois lhe faltaria uma relação interpessoal. Sozinho o paciente não tem alguém (analista) que faça o papel de "outro" numa "comunicação". Daí a importância do analista perceber e facilitar o "ENLACE LIBIDINAL", ou seja, que o paciente se interesse pelo "objeto" analista, através da criação de um VÍNCULO. É isto que possibilita o tratamento. Não à toa dizemos que a transferência é o "motor" da análise. E não é à toa que se o paciente não sentir-se "confiante" nesta relação ele não continua o tratamento.
Para Freud, o mecanismo se desencadeia no momento em que conteúdos recalcados importantes ameaçam se revelar. É por isso que a transferência surge como uma forma de "resistência" à revelação do conflito inconsciente. Mas, justamente por isso, é uma maneira de o analista apreender, "a quente" os elementos do conflito infantil (fragmentos da vida sexual e do Complexo de Édipo), que se revela em sua atualidade. É por este fato que a transferência torna-se um poderoso instrumento terapêutico. Esta seria sua grande função na terapia. Estamos falando, então, de um compromisso entre as exigências da resistência (do Id) e as do trabalho terapêutico.
Quanto ao conteúdo da transferência, Freud já nos dizia que o doente não pode recordar-se de tudo o que está recalcado, nem mesmo talvez do essencial, mas é obrigado a revivê-lo no presente através de uma "atualização", de uma "repetição" de situações e emoções que exprimem a indestrutibilidade da fantasia inconsciente. Claro que não estamos falando de uma transferência literal, mas de "equivalentes simbólicos" do desejo inconsciente e suas fantasias conexas. No tratamento, as "construções" viriam para preencher as lacunas do passado infantil não revelado.
Reside aí, então, uma das mais fortes críticas e limitações ao processo de auto-análise, pois lhe faltaria uma relação interpessoal, onde o analista faz o papel de outro numa "comunicação" onde pode assumir, por exemplo, a posição de superego, revelando os mecanismos de identificação levados a cabo pelo paciente.
Outro aspecto interessante é que a transferência acrescenta uma outra forma de comunicação à forma tradicional que é a dimensão da palavra (verbalização das lembranças recalcadas, rememoração - talking cure). Trata-se da "atuação" ou repetição da experiência vivida.
É neste ponto, principalmente, que podemos apontar os limites da "auto-análise", pois lhe faltaria uma relação interpessoal. Sozinho o paciente não tem alguém (analista) que faça o papel de "outro" numa "comunicação". Daí a importância do analista perceber e facilitar o "ENLACE LIBIDINAL", ou seja, que o paciente se interesse pelo "objeto" analista, através da criação de um VÍNCULO. É isto que possibilita o tratamento. Não à toa dizemos que a transferência é o "motor" da análise. E não é à toa que se o paciente não sentir-se "confiante" nesta relação ele não continua o tratamento.
EM RESUMO: no vínculo analista-paciente determinados conteúdos recalcados ameaçam vir à tona e, como forma de resistência, surge a "transferência" revivendo estes conflitos infantis inconscientes e permitindo ao analista "enxergar" de forma mais clara o que foi vivido pelo paciente e que se tornou insuportável para ele.
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