quarta-feira, 16 de abril de 2014

Ainda é cedo para o eleitor decidir-se!

Muita gente se espanta com algo que vem acontecendo no cenário político, ou seja, ao mesmo tempo que cresce o pessimismo do brasileiro com a economia a Dilma se mantém razoavelmente como favorita para as eleições. Nesse quadro muitos passam a desacreditar em pesquisas etc. O que explica isso? Ora, simplesmente AINDA NÃO CHEGOU A HORA DO ELEITOR DECIDIR-SE. 


Apesar do pessimismo ser crescente o debate eleitoral ainda não chegou às ruas (talvez no facebook e alguns círculos mais restritos sim, mas nas ruas não!). Então, é absolutamente natural que o eleitor se comporte de forma conservadora, ou seja, diz que vai votar em que está no governo, em quem conhece mais, em quem, enfim, tem maior lembrança. À medida que o debate eleitoral for chegando às ruas, o eleitor começará a pensar mais seriamente em sua escolha e aí muita coisa pode mudar. "Poder mudar" não significa "mudar". Isso vai depender da capacidade do governo em blindar-se contra as críticas e da capacidade da oposição em colocar-se como alternativa. 

Mas, até lá tem muita coisa pra acontecer. Ainda é cedo pra mudanças significativas nas pesquisas eleitorais. É muito comum que, só após a entrada da TV (programa eleitoral) em cena, que o eleitor comece a pensar mesmo em quem vai votar. Por enquanto a "briga" entre governo e oposição é por espaço na mídia e na cabeça do eleitor!!! E isso é muito importante, muito mesmo!!!

(José Henrique P. e Silva)

terça-feira, 15 de abril de 2014

Baixa autoestima coletiva: Quando fazemos para "inglês ver"!

A baixa autoestima não é um problema só do indivíduo, pode ser coletivo. Estava lendo esta matéria (click no link para ler) de  um jornalista dinamarquês sobre a situação de Fortaleza às vésperas da Copa do Mundo e fiquei pensando que geralmente a gente fica indignado quando um estrangeiro vem aqui e fala mal de nossas coisas, afinal "roupa suja se lava em casa" né? Mas talvez o problema é que não lavamos bem a nossa roupa suja e andamos meio que maltrapilhos há muito tempo.


Bem, o fato é que, tendo excessos ou não, o depoimento desse jornalista só retrata bem aquele nosso típico comportamento de "beijar os pés" de estrangeiros (herança de um país colonizado que nunca lutou por sua liberdade e prefere "bajular" para obter reconhecimento e aceitação).

Ou seja, "maquiamos" a cidade, fazemos obras só onde os turistas vão passar, "embelezamos" pontos turísticos, "higienizamos" (retiramos das ruas) os mendigos, "combatemos" a violência com o Exército nas ruas...enfim...coisas de um país ainda muito infantilizado quando se trata de cidadania. Precisamos pensar sobre isto. Não adianta muito só termos autoestima quando estamos disputando uma copa do mundo...é muito pouco para um país e um povo serem respeitados. Essa frase do jornalista diz muito: 
"...Eu descobri que todos os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar...".
(José Henrique P. e Silva)

P.S. Foi divulgado que a matéria é falsa. Ok, muito normal em se tratando do facebook. Mas, mesmo sendo absolutamente falsa, nada invalida os argumentos acima. Ou estou falando de algo tão estranho assim?

O terrorismo e sua nova estética: todos estamos em risco

Esta semana completa 1 ano do atentado à maratona de Boston (EUA) e nunca é demais comentar um pouco sobre o tema. Este atentado me fez lembrar, à época, que talvez a era do terrorismo com "endereço certo" talvez já tenha mesmo acabado e Bin Laden talvez tenha sido seu último grande representante. Hoje o terrorismo está em qualquer lugar e não necessariamente em um país "miserável e ditatorial" da África ou da Ásia. Está em todo lugar e qualquer um de nós pode ser o seu alvo.

Aqueles dois jovens irmãos representam a face mais nova desse terrorismo. Não precisaram de muita coisa para fazer o estrago que fizeram, apenas um bom suporte "ideológico". Mais do que nunca são "pessoas comuns", como eu e você, que estão agindo assim. Por isso espanta a todos ouvir estórias do tipo: "eles eram bons garotos", "pareciam tão normais", "eram bons vizinhos e bons alunos". E o amadorismo deles (bomba caseira, despreocupação em serem filmados, fuga atrapalhada) só atesta esta tese. 

São pessoas comuns sim! E isso só nos deixa ainda mais preocupados. Fica fácil entender quando a população de Boston "comemorou" o fim da "caçada" à dupla de irmãos. É só isso que pôde resgatar um pouco mais da sensação de segurança por lá (aconteceu o mesmo quando Bin Laden foi morte e já havia acontecido também quando o WTC foi atacado). Nós por aqui, no Brasil, não sabemos e não temos elementos para avaliar e julgar isso corretamente. Então não podemos nos apressar em criticá-los, pois eles estão no olho do furacão e nós, nem de longe, sabemos o que isso significa na pele.

Mas, nada disso é tão novo assim. Sempre lembro, quando penso neste assunto, de um texto de Miguel Chaia, um ex-professor meu na PUC-SP¹. De acordo com Chaia, experimentamos, hoje, uma "estética da vulnerabilidade", traduzida na relação entre arte e guerra. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, autores de tragédias gregas, em seus “lamentos nascidos no dilaceramento da alma humana e na difícil sociabilidade” já apontavam para o significado que a violência tem sobre a sociedade e o destino das pessoas. Mais à frente, Shakespeare nos mostraria um novo tipo de tragédia onde o “ser” é também frágil diante de conflitos internos. Para ele, a história seria cíclica, num eterno continuum entre guerra e paz, com o outro e consigo mesmo. Segundo o professor Chaia, a política não detém a tragédia, afinal:
O campo social está permanentemente aberto às contingências e o pretenso controle que se objetiva alcançar politicamente com freqüência transforma-se em um inusitado descontrole social. O inesperado pode se abater a qualquer instante sobre os homens.
Ou seja,
a esfera do político, em vez de representar o controle do espaço público, deve ser compreendida como o lugar do confronto permanente entre o homem e seu destino, como o lócus dos conflitos intermináveis. Os riscos e as desgraças são inerentes não somente à vida, mas também às condições da ação política. Os acontecimentos trágicos são aqueles que reafirmam a conexão entre o (nosso) destino individual e o destino coletivo.
Ora, ninguém vive isolado no mundo, e é nesse encontro do homem com o mundo que a Arte aprofunda sua dimensão política, fazendo surgir uma nova estética essencialmente midiática. É assim que o terrorismo muda de face e entra neste círculo de visibilidade ganhando expressividade e mostrando que vivenciamos uma vida cada vez mais “trágica”, onde uma explosão é repetida mil vezes, nos trazendo essa mensagem: estamos sob risco, cada um de nós está em risco. É neste contexto de "medo" que engendramos uma nova sociabilidade cotidiana, marcada pela instabilidade, pela fragilidade da vida e pelas respostas violentas por parte da própria população (os "amarrados em postes" estão aí para evidenciar esta nossa "insegurança cotidiana").

E mais, nessa nova estética terrorista (que não é mais a da "guerra"), não temos mais a presença do Estado, dos campos de batalha, das ideologias, das utopias, dos novos homens. Não há mais como sonhar com a beleza, o igualitarismo, o progresso, enfim. Parece só ter restado mesmo a destruição coletiva.
A estética do terrorismo tem na imagem sua principal estratégia de disseminação. É no ato espetacular transmitido pelos canais midiáticos, como a internet, a televisão e a imprensa, que ele encontra sua eficácia e força. Basicamente, a cidade é o seu principal alvo, tornando as metrópoles mundiais as melhores caixas de ressonância de suas práticas violentas.
É esta nova estética que atinge nossa retina (e rotina também), formando nossa subjetividade, cada vez mais marcada pelo medo, e pela intolerância. É a partir desta nova estética que a estética da política vai se construindo no cotidiano, marcada pela inevitabilidade dos conflitos insolúveis e a “impossível” sociabilidade.

Dessa forma,
a estética da guerra foi superada, dando lugar à experiência do confronto entre sistema e bandos, que demonstraram que esse sistema não é impenetrável. Nessas condições, a cultura da violência encontra seu par complementar na cultura do ódio, a mídia do entretenimento tem continuidade na mídia em transe, e a irracionalidade das massas pontua-se pela mutilação individual e coletiva.
De uma forma, direta ou indireta, participamos do reality show, do espetáculo, ao vivermos cotidianamente a absorção destas novas estéticas do terrorismo e da política, seja como vítimas, seja como espectadores. Afinal,
Se o indivíduo não for atingido na rua, com certeza a eficácia política do terror o alcançará na rede da internet ou na rede de televisão. Assim é que a estética do terrorismo é dada na descoberta da instabilidade e da fragilidade da vida e na construção da insuficiência e da limitação da política.
Culpa dos meios de comunicação de massa? Não sei! Os terroristas buscam a mídia para o deleite dos resultados de seus atos, e nós a buscamos para deleite de nossas ansiedades e entender (ou manter) nossos medos. Não há glória alguma! Não há vencedores! Todos perdemos! Embora alguns ganhem (poder e audiência) com essa tragédia toda.
_______________

¹ CHAIA, Miguel. Arte, Política e Explosão. In: Revista Cult, n. 95, set/2005, ano 8, p. 59-63. O autor é professor do Departamento de Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e pesquisador do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP.

domingo, 13 de abril de 2014

Política: Tão próxima dos vícios...e distante das virtudes!

"Política é cálculo e oportunidade, paixão e frieza... É ação coletiva: carreiras solo dificilmente progridem e o companheirismo, as lealdades, as amizades pesam de forma determinante..." (prof. Marco Aurélio Nogueira, Caderno Alias do Estadão, 13.04.14)

Esta frase do prof. Marco Aurélio, de quem sou admirador, chama a atenção para algo virtuoso na política que é a capacidade de projetar o futuro num quadro de responsabilidades mútuas. Mas, como as melhores definições de política não encontram respaldo na realidade ou, quando encontram, é como farsa, o que seria essa "lealdade" ou "companheirismo" no dia a dia do mundo da política? Pra isso, recorro ao primeiro episódio da série "House of Cards" quando o político e protagonista Frank Underwood (Kevin Spacey) nos diz o seguinte: 
"...Sou apenas o líder da maioria da Câmara. Faço tudo funcionar num Congresso sufocado por mesquinharia... Meu trabalho é limpar os canos e fazer o lodo fluir, mas não vou ser encanador por muito tempo, já cumpri meu tempo e apoiei o cara certo...RECIPROCIDADE, bem vindos a Washington".
É nesse sentido que muito da legítima e necessária lealdade e companheirismo se transforma, na prática, em fisiologismo, oportunismo e vantagens pessoais. Este é o mundo "real" da política, sempre muito distante das virtudes e próximo dos vícios. Por isso é sempre recomendável nunca deixar de ler Maquiavel, ele nos ensinou mais sobre política que toda a filosofia e a ética.

(José Henrique P. e Silva)

O link abaixo é o do artigo (muito bom) do prof. Marco Aurélio.

A Felicidade, entre a descartabilidade e a persistência

Há pouco tempo, em uma dessas sessões nada monótonas na clínica, um adolescente me questiona: Como ser feliz? A pergunta veio direta e objetiva, como é a fala de um adolescente. O que exemplificava seu incômodo era o fato de gostar de música dos anos 70 e seus amigos desaprovarem a ideia. Sentia um mal-estar que o deixava, por vezes, retraído e solitário pois imaginava não ser aceito.


Depois, já em casa, a pergunta teimava em não me sair da cabeça. Ela falava de felicidade, música, moda, consumo, e me levou de imediato a lembrar de alguns trabalhos de G. Lipovetsky, filósofo francês da atualidade. Lembrei dele por sua ousadia em rediscutir alguns temas como o da felicidade e as "frivolidades" do consumo contemporâneo. E sua discussão é bastante contextualizada, ou seja, deixa a filosofia um pouco de lado e discute a felicidade no interior das relações que os indivíduos estabelecem, consigo mesmo e com os outros, e isso tudo no contexto maior do "consumismo". 

O que dizer sobre isso? Hoje, por exemplo, é muito comum que uma pessoa "pressione" outra a consumir algo específico em função da marca, do preço, da beleza ou do status que representará. E, portanto, é muito comum que também critique os que já possuem suas preferências razoavelmente consolidadas, e não tão sujeitas à moda. De outro lado, também é comum "sentir-se" pressionado, afinal, consumir o mesmo que o outro é uma possibilidade de aprovação, pertencimento, aceitação, reconhecimento.

Segundo Lipovetsky a "hipermodernidade" atual ("hiper" porque a ênfase está no "excessivo") está marcada pela tendência em se fazer da "mercadoria" e de seu "consumo" o próprio sinônimo de "felicidade". Nesse contexto, o que escapa de transformar-se em mercadoria? A felicidade também não escapa a isso, afinal não se costuma dizer que se o dinheiro não traz a felicidade ele, pelo menos, a compra? É nesse sentido que a felicidade passou a inserir-se, cada vez mais, em embalagens de produtos sempre novos e, portanto, sempre descartáveis.

O resultado disso já conhecemos bem: um consumo interminável, que não sacia nunca, que não preenche nunca, um excesso que transborda sem tapar nenhum buraco em nós mesmos. Não à toa os maiores rivais dos psicanalistas hoje em dia são as viagens, os salões de beleza, os carros novos, as cirurgias plásticas etc., soluções bem mais rápidas e, melhor, que evitam o penoso trabalho de lidar consigo mesmo.

Mas, o fato é que o aumento do consumo na atualidade não implica em aumento da felicidade, do contrário não viveríamos uma "era de ansiedades", uma época de profunda inquietude e insatisfação. Apenas estamos, freneticamente, comprando momentos de um prazer muito instantâneo, pouco resistente e duradouro. A "novidade" dos produtos e a aceleração da tecnologia respondem a este frenesi, pois o que consumimos agora já não nos serve amanhã. Precisamos de algo "novo" para manter nossa esperança de satisfação. É assim que funciona, em linhas gerais, o "consumismo", seja ele de que ordem for.

Ora, se depositarmos todas as nossas esperanças de felicidade no consumo de mercadorias da moda estamos fadados ao vazio do deserto, a uma inesgotável carência, a uma falta absoluta, de onde só pode resultar o sentimento de queda, de vazio, embora o tênis de primeira linha possa até trazer um alívio imediato para alguns que se esforçam em comprá-lo, ou até roubá-lo. Mas, é só um alívio imediato!

Ora, todos queremos bons produtos. Mas, resumimos nossa existência a isso? A comprar bons produtos e, ao abrir a embalagem, esperar que a felicidade seja desempacotada junto com a mercadoria? Onde está a "vontade de potência" nietzschiana? Onde está aquele desejo de potência que nos impele a ultrapassar, ir sempre mais distante em nossa existência mais ampla? E quando falo "mais ampla" é no sentido de "além do consumo". 

Ora, o consumo só ocupa este espaço absurdo que alcança na atualidade porque em outros campos (educação, profissão, arte, política, etc.) abdicamos de qualquer busca, abdicamos de buscar a felicidade por ali. O resultado é uma vida cada vez mais centrada e direcionada para a "mercadoria". Isso deve ser motivo de orgulho para alguém? Como preencher nossa vida com algo (mercadoria) que, cada vez mais, é descartável? Somente nos tornando, também, descartáveis. Esse será sempre o preço a pagar por uma vida de "excessos".

Como diz Lipovetsky, é preciso "relativizar o consumo", ou seja, fazê-lo perder a importância absoluta que adquiriu. Mas, como? Lutando para não preenchermos nosso vazio simplesmente com a mercadoria; olharmos para outras direções, outros prazeres, outras satisfações, principalmente as mais duradouras, aquelas que possuem uma "história" e que não sejam tão descartáveis.

Afinal, é em torno destes "objetos duradouros" que temos a chance de darmos o contorno para nós mesmos e reforçarmos nossa identidade. Mergulhar neste rio de consumo exacerbado é ficar à deriva. O consumo não pode ser nosso único ideal, onde fica nossa "riqueza" afetiva, intelectual, profissional?

O fato é que, para o adolescente de que falei no início, gostar de um ritmo musical de 40 anos atrás, certamente lhe traz problemas entre seus amigos, mas também lhe garante uma boa possibilidade de contorno psíquico e uma tremenda sensação de prazer e orgulho, sentindo-se, porque não, especial, diferente, marcado por sua individualidade... algo tão raro na atualidade descartável.

Pois é, essa descartabilidade não é fácil, nem para quem opta por ela, nem para quem resiste a ela, pois a pressão ocorre por todos os lados. Há alguém nos mostrando algo novo, alguém nos facilitando a compra, alguém nos dizendo que temos que ser felizes a todo custo. Cada vez mais sou levado a pensar, por tudo o que presencio, que a "felicidade que se compra" é a felicidade dos solitários e narcisistas. É preciso ir mais além, isto é muito pobre, psiquicamente falando.

(José Henrique P. e Silva)

sábado, 12 de abril de 2014

A psicanálise e o "pré-conceito"

Essa é uma das frases mais poderosas de Freud. Gosto porque é provocativa. Não fala somente da "psicanálise", fala de "PRE-CONCEITOS" ou seja, aquela atitude que teimosamente temos em, antes de conhecer algo, emitir juízos condenatórios e pejorativos.

Ou seja, quantas vezes nossas "antipatias" só servem mesmo para nos manter ignorantes em relação ao outro? No caso da psicanálise isso é muito comum. 

Só a respeita quem a conhece, e só a conhece quem não tem medo de reconhecer as próprias dores e de ver o homem como um sujeito psíquico, além de social e biológico.

(José Henrique P. e Silva)

Sobre a Psicanálise (Freud, 1913 [1911])

Em março de 1911, Freud recebeu um convite do Dr. Andrew Davidson, secretário da Seção de Medicina Psicológica e Neurologia para escrever, ler e publicar um artigo nas Atas do Congresso Médico Australasiano (Sidney, setembro/1911). Trata-se de um texto muito curto, mas bastante elucidador sobre o papel da psicanálise. Vejamos os principais pontos.

Freud nos diz que a psicanálise, como um método de pesquisas das neuroses e sua etiologia (causas), não é fruto de especulação e sim de experiências científicas que precisam ser continuadas. Tudo teria começado com as pesquisas sobre a histeria (Estudos sobre a Histeria, 1895 - Freud e Breuer) que tomaram impulso a partir dos rastros de Charcot (histeria "traumática"), Liébeault e Berheim (hipnose) e Janet (processos inconscientes).

Aos poucos a psicanálise foi recusando várias explicações limitadas às questões hereditárias e congênitas e foi acentuando a importância dos processos psíquicos na formação de doenças. Um exemplo foi mostrar que os sintomas histéricos são resíduos (reminiscências) de experiências traumáticas e afastadas do consciente através de um processo de "repressão" onde parte do material psíquico é mantido no inconsciente.

Trata-se de uma visão "dinâmica" pois encara os processos psíquicos como deslocamentos de energia psíquica que podem ser medidos pelo valor de seu efeito sobre os elementos afetivos (p. 226). Na histeria isto é muito presente pois a "conversão" cria os sintomas pela transformação de boa quantidade de impulsos mentais em inervações somáticas.

No início, os primeiros tratamentos foram feitos com o auxílio do hipnotismo, logo abandonado pela "associação livre' que permitia estender o método a mais pessoas. Mas, com isso, foi necessário desenvolver uma técnica de "interpretação" sobre o que era dito pela pessoa. A partir daí começou a ficar claro que as dissociações psíquicas surgiam de "conflitos" e eram sustentadas por "resistências internas" que mantinham a "repressão". Superar os "conflitos" seria fundamental para o tratamento.

Mais tarde, chegou-se à conclusão que os conflitos se davam sempre entre os instintos sexuais (no sentido amplo) e os desejos e tendências do restante do ego. Nas neuroses, por exemplo, esses instintos sucumbem à repressão e se tornam a base mais importante para o surgimento de sintomas (encarados, então, como substitutos das satisfações sexuais reprimidas).

Outro desenvolvimento importante da psicanálise foi acrescentar o fato "infantil" ao somático e ao hereditário, chegando à conclusão que inibições no desenvolvimento mental ("infantilismos") apresentam uma disposição à neurose. Ou seja, existe uma "sexualidade infantil". O instinto sexual, desde muito cedo, atravessa um complicado curso de desenvolvimento cujo desfecho deveria ser a sexualidade "normal" nos adultos. Isso nos mostra que, por exemplo:
As enigmáticas perversões do instinto sexual que ocorrem em adultos parecem ser inibições de desenvolvimento, fixações ou crescimentos assimétricos. Assim, as neuroses são o negativo das perversões (p. 227).
Mais um desenvolvimento importante da psicanálise foi perceber que o "desenvolvimento cultural" da humanidade é um forte fator que torna inevitáveis as repressões do instinto sexual, proibindo a satisfação da libido e exigindo sua supressão.

Na sequência, percebeu-se que o instinto sexual tem a capacidade de ser "desviado" dos seus objetivos sexuais diretos para metas mais elevadas ("sublimação") como as realizações sociais e artísticas, por exemplo. Dessa forma,
O reconhecimento da presença simultânea dos três fatores de "infantilismo", "sexualidade" e "repressão" constitui a principal característica da teoria psicanalítica e assinala sua distinção de outras visões da vida mental patológica (p. 227).
Ao mesmo tempo,
A psicanálise demonstrou que não existe diferença fundamental, mas apenas de grau, entre a vida mental das pessoas normais, dos neuróticos e dos psicóticos. Uma pessoa normal tem de passar pelas mesmas repressões e lutar com as mesmas estruturas substitutas; a única diferença é que ela lida com estes acontecimentos com menos dificuldade e mais sucesso (p. 227).
Não à toa a psicanálise enveredou pela investigação dos fenômenos psíquicos normais, como os sonhos, os pequenos erros da vida cotidiana, os chistes, os mitos e as obras da imaginação, sempre com o objetivo de obter maior compreensão interna (insight) da vida psíquica inconsciente.

Porém, apesar de todas estas conquistas, Freud denuncia a tendência nos círculos médicos a contradizer a psicanálise sem estudos reais ou aplicações práticas, talvez porque as premissas e a técnica da psicanálise estejam mais próximas da psicologia que da medicina. Mas, Freud questiona: O que os ensinamentos puramente médicos fizeram pela compreensão da vida mental?

O fechamento da comunicação de Freud é impressionante. Faz um alerta com uma força esplendorosa!
O progresso da psicanálise é ainda retardado pelo termo que o observador médio sente de ver-se a si mesmo em seu próprio espelho. Os homens de ciência tendem a enfrentar resistências emocionais com argumentos e, assim, satisfaze-se a si mesmos para sua própria satisfação! Quem quer que deseje não ignorar uma verdade fará bem em desconfiar de suas antipatias e, se quiser submeter a teoria da psicanálise a um exame crítico, que primeiro se analise a si mesmo (p. 228).
_________

FREUD, S. Sobre a Psicanálise. In: Obras Psicológicas Completas: Edição Standard Brasileira. Volume XII – O Caso Schreber, Artigos sobre Técnica e outros trabalhos (1911-1913) , pág. 221-229.

A psicanálise como procedimento científico

Esta frase de Freud foi dita em um pronunciamento seu, em 1911, em um Congresso de Neurologia e Psiquiatria na Austrália. A psicanálise dava seus primeiros passos, mas já era bastante discutida em várias partes do mundo. Ao inciar sua fala Freud já nos chama a atenção para este ponto: a psicanálise como um procedimento científico. 

Freud dedicou toda sua vida profissional a sustentar esta nova ciência. Teve desafetos, enfrentou a descrença da medicina, lutou contra os preconceitos da sociedade, teve seus livros queimados pelos nazistas, mas produziu e escreveu como poucos, nos deixando um legado que ainda está por ser plenamente entendido. 

Hoje em dia, quando a Neurociência, com todo o seu avanço tecnológico de "mapeamento das funções cerebrais" através de imagens, comprova praticamente todas as teses de Freud, isso não surpreende quem conhece Freud. Mas, insisto, é um erro acreditar que a Neurociência "prova" alguma coisa. 

O que Freud escreveu, na sua imensa maioria das vezes, foi fruto de sua experiência clínica e não de especulações. Foi a partir do estudo, observação e tratamento de seus pacientes que pôde nos deixar uma nova ciência. Cabe continuar o seu trabalho, e enfrentando-se a mesma ordem de resistências e preconceitos por parte daqueles que tentam ignorar ou minimizar a importância de nosso psiquismo. Freud fez ciência a todo instante, quem especula são aqueles que não o leram.

(José Henrique P. e Silva)

O encontro entre o meu olhar e o do abismo!

Esta frase de Nietzsche está em "Genealogia da Moral" (1887), que considero o mais instigante texto de Nietzsche. 

A frase é poderosa e nos lembra que que há um reconhecimento do "mal" em nós mesmos, afinal há um encontro de olhares entre o meu olhar e o do abismo, sempre permeado pela sedução e tentação, um encontro de olhares que fala de uma "atração irresistível" e que nos exige estar em "prontidão" sempre. 

Um bom filme que retrata bem o potencial desta frase é "Justiça a Qualquer Preço" (The Flock, 2007), onde um monitor de criminosos sexuais se vê confrontado com seus próprios limites a todo instante. O filme é interessante inclusive para se trabalhar de forma didática (em curso, seminário etc.) a "perversão".

(José Henrique P. e Silva)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Um desamparo que dilacera ("The Thin Ice", Pink Floyd)


"The Thin Ice" é uma música que compõe o álbum The Wall, do Pink Floyd (1979). Se eu tivesse que dividir o álbum em "atos" como em uma peça teatral (e fiz isso em um artigo há alguns anos atrás) diria que a música integra o Ato 2, nos falando de um desamparo dilacerante do personagem que está presente em todas as músicas do álbum. 

É neste momento inicial do álbum (a música é a faixa número 2) que o personagem, sentindo-se vazio pela perda do pai e pouco afeto da mãe, sente-se sempre sobre uma FINA CAMADA DE GELO, inseguro, incerto, assustado, sozinho, aflito, com medo, frágil, onde a qualquer momento tudo pode ruir e ele mergulhar em direção ao desconhecido. É um momento de angústia muito intensa. Preso à lembranças trágicas e ao vazio da impotência, só consegue ver-se sob aquela fina camada de gelo que, quando romper sob seus pés, lhe sugará, lhe fará perder toda a consciência. Mas nem assim estará livre de seus medos, que o seguirão por toda a profundidade, arrastando consigo suas dores.

A fina "camada de gelo" é daquelas representações a que nosso inconsciente recorre costumeiramente para nos lembrar que corremos o risco de perder a luta para nossos medos. Esta fina camada de gelo (assim como outras representações semelhantes) está em nossos pensamentos e em nossos sonhos, sempre que nos sentimos desamparados. Imaginarmo-nos sendo tragados por essa profundidade gelada, cortante, escura e silenciosa nada mais é que a própria visão que a vida pode assumir se não enfrentarmos este desamparo, que vez por outra, insiste em se manifestar.

Esta é a letra da música:

Momma loves her baby
And Daddy loves he too
And the sea may look warm to you Babe
And the sky may look blue
Ooooh Babe
Ooooh Baby Blue
Ooooh Babe
If you should go skating
On the thin ice of modern life
Dragging behind you the silent reproach
Of a million tear stained eyes
Don't be surprised, when a crack in the ice
Appears under your feet
You slip out of your depth and out of your mind
With your fear flowing out behind you
As you claw the thin ice

Abaixo o vídeo de "The Thin Ice" quando do show Live in Berlin (1990), interpretada por Ute Lamper e Roger Waters. A versão está maravilhosa, mas nada como assistir ao filme The Wall com todas as cenas de guerra e dor como pano de fundo para a angústia presente nesta música.



Opiniões e fantasias conspiratórias (Paranóia)

Querer que as opiniões tenham bons fundamentos em uma época como a nossa é complicado. Hoje as pessoas estão tomadas por comportamentos e pensamentos fundamentalistas (radicais) apegando-se à superficialidade, à imagem, à frases curtas e absolutamente "rasas". A tecnologia de comunicação não facilitou em nada os debates, pelo contrário, gerou a multiplicação de pensamentos simplistas e criticas absolutamente destrutivas. 

É só observar: emita uma opinião polêmica e crítica e, ao invés de você receber um comentário que aprofunde e discuta a questão, você recebe uma crítica cuja única intenção é dizer que tudo sempre foi assim e que todos agem assim. Nesse ponto já não existe debate, mas uma tentativa de fugir à resposta acusando o outro da mesma coisa. 

Isso cansa! É um comportamento paranóico baseado em uma ideia de conspiração. E, como todo comportamento paranóico, revela sempre um forte sentimento de culpa que ao invés de vir à tona para ser discutido, se revela na "acusação" ao outro. É o fim dos debates na nossa era paranóica. Boa sorte Armandinho!!!

(José Henrique P. e Silva)

Transferência (Laplanche e Pontalis)

De acordo com Laplanche e Pontalis (Vocabulário da Psicanálise) a transferência designa, 
o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada ... terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este.
O termo transferência implica em "movimento", "deslocamento" e, em psicanálise, nos fala da relação entre analista e paciente. Mas, o que nos diz Freud acerca desse fenômeno? 

A propósito do sonho, Freud nos falou de "pensamentos de transferência" como um deslocamento onde o desejo inconsciente se exprime e disfarça nos materiais fornecidos pelos restos do dia anterior, já presentes no consciente. É dessa forma, "disfarçada", que o inconsciente, então, manifesta-se no consciente. Surge uma espécie de "ligação" ou "conexão" que faz despertar o mesmo afeto que tempos atrás havia levado o paciente a rejeitar o desejo, visto como proibido. Assim, estamos falando do "deslocamento" de um afeto de uma representação que está no inconsciente.

Não à toa o analista, por vezes, é colocado na posição de figuras (protótipos, imagos) parentais, ou familiares, amadas ou temidas (em toda sua ambivalência). É aí que o analista entra na "série psíquica" já criada pelo paciente em sua vida. É esta relação anterior que é revivida na transferência. Foi assim que Freud falou de "Neurose de Transferência", uma "doença artificial" que substitui a neurose clínica, evidenciando que é com estas possibilidades de transferência que o tratamento se dá.

Para Freud, o mecanismo se desencadeia no momento em que conteúdos recalcados importantes ameaçam se revelar. É por isso que a transferência surge como uma forma de "resistência" à revelação do conflito inconsciente. Mas, justamente por isso, é uma maneira de o analista apreender, "a quente" os elementos do conflito infantil (fragmentos da vida sexual e do Complexo de Édipo), que se revela em sua atualidade. É por este fato que a transferência torna-se um poderoso instrumento terapêutico. Esta seria sua grande função na terapia. Estamos falando, então, de um compromisso entre as exigências da resistência (do Id) e as do trabalho terapêutico.

Quanto ao conteúdo da transferência, Freud já nos dizia que o doente não pode recordar-se de tudo o que está recalcado, nem mesmo talvez do essencial, mas é obrigado a revivê-lo no presente através de uma "atualização", de uma "repetição" de situações e emoções que exprimem a indestrutibilidade da fantasia inconsciente. Claro que não estamos falando de uma transferência literal, mas de "equivalentes simbólicos" do desejo inconsciente e suas fantasias conexas. No tratamento, as "construções" viriam para preencher as lacunas do passado infantil não revelado.

Reside aí, então, uma das mais fortes críticas e limitações ao processo de auto-análise, pois lhe faltaria uma relação interpessoal, onde o analista faz o papel de outro numa "comunicação" onde pode assumir, por exemplo, a posição de superego, revelando os mecanismos de identificação levados a cabo pelo paciente.

Outro aspecto interessante é que a transferência acrescenta uma outra forma de comunicação à forma tradicional que é a dimensão da palavra (verbalização das lembranças recalcadas, rememoração - talking cure). Trata-se da "atuação" ou repetição da experiência vivida.

É neste ponto, principalmente, que podemos apontar os limites da "auto-análise", pois lhe faltaria uma relação interpessoal. Sozinho o paciente não tem alguém (analista) que faça o papel de "outro" numa "comunicação". Daí a importância do analista perceber e facilitar o "ENLACE LIBIDINAL", ou seja, que o paciente se interesse pelo "objeto" analista, através da criação de um VÍNCULO. É isto que possibilita o tratamento. Não à toa dizemos que a transferência é o "motor" da análise. E não é à toa que se o paciente não sentir-se "confiante" nesta relação ele não continua o tratamento.

EM RESUMO: no vínculo analista-paciente determinados conteúdos recalcados ameaçam vir à tona e, como forma de resistência, surge a "transferência" revivendo estes conflitos infantis inconscientes e permitindo ao analista "enxergar" de forma mais clara o que foi vivido pelo paciente e que se tornou insuportável para ele.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Escolhas

Não há como evitar fazer escolhas. Elas, por vezes, são dolorosas porque acarretam consequências e responsabilidades. E não há outra forma de se estar vivo se não for fazendo escolhas. A questão é: estamos prontos para as responsabilidades e consequências? 

Mas, mesmo que estejamos prontos, como fazer as escolhas? Alguns nos dizem para seguir os cálculos da "razão", outros dizem para seguirmos os nossos "interesses", outros ainda nos pedem para pensar nos "outros", e há os que defendem que façamos escolhas seguindo o "coração". Ora, me parece que nenhum destes métodos é melhor que o outro, todos têm a sua função e o momento certo. 

O que é importante mesmo, no final das contas, é estarmos bastante cientes que só devemos escolher algo com o que possamos VIVER com aquilo depois, algo que possamos suportar.

(José Henrique P. e Silva)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Neutralidade na profissão de analista?

Um dos mecanismos psíquicos que colocamos em prática quando adquirimos algum conhecimento (diploma, curso, formação, profissão, experiência etc.) é o de nos colocarmos, teimosamente, e de modo bastante infantil, numa posição de "suposto saber" e, pior quando a ele logo colamos algo de "poder". Isso fascina a qualquer um, e muitas vezes é disfarçado através do "orgulho" e da "vaidade". 

É evidente que na atuação do psicanalista isso também ocorre (tanto por parte dele que se coloca com este saber-poder, quanto por parte do paciente que delega ao analista essa posição). No meio disso sobra a crença de uma suposta "neutralidade", como se ali, no consultório, existisse um "sujeito" (analista) e um "objeto" (paciente). Ora, isso não é tão simples assim, o que existe é um "par", um "vínculo", uma "relação" que é a principal responsável por todo o tratamento. Talvez este seja um dos grandes trunfos da ética psicanalítica (o que não significa que todos os profissionais a sigam).

Escrevi isso motivado por uma frase que ouvi ontem, mas que se repete sempre: "você não vai ficar lá só me ouvindo, fazendo hum rum e com um bloquinho nas mãos né?". Ora, isso nos fala de um estereótipo criado em torna da atuação do analista, mas que foi e é reforçado por muitos profissionais. E, por outro lado, fala de um forte pedido de "ajuda" por parte do paciente que quer e espera por intervenções de seu analista em prol de sua saúde. 

O fato é que, fazer análise, não é receber "conselhos" de alguém mais experiente ou que conhece mais, mas implicar-se com muita responsabilidade em um processo de transformação pessoal que se dá "na" e a partir "da" relação com o analista. E, nesse processo, é claro que o analista torce, e muito, pelo sucesso do paciente. Este é um vínculo afetivo que nenhuma suposta "neutralidade" terá capacidade de quebrar, sob o risco de perdermos boa parte de nossa capacidade de acolhimento e empatia.

Enquanto profissionais não podemos olhar no espelho e vermos algo diferente do que somos. Aliás, alguém deveria fazer isso? Talvez não... sob o risco de perder-se nas armadilhas do narcisismo!

(José Henrique P. e Silva)

A fantasia na relação com o Outro


Em um época onde o individualismo é tão enaltecido e muitos apostam que podemos ser "inteiros" e "únicos" é bom recordar a frase de John Donne. Acredito muito nisso, pois não me vejo como "um", ou muito menos "inteiro". 

Por mais que esteja me sentindo sozinho, isolado, afastado de todos e do mundo, ou mesmo, por mais que esteja me sentindo forte e autossuficiente, na pior das hipóteses, estou sempre repleto de FANTASIAS em relação ao "mundo" e aos "outros". Mesmo trancafiado em minha vida sempre trago o mundo e os outros para perto de mim mesmo em minhas fantasias. Jamais estamos sozinhos! 

De alguma forma, ainda que em nossas fantasias, estamos ligados ao mundo. Mesmo o psicótico, em seus delírios mais fortes e complexos, mantém suas fantasias a respeito dos outros e do mundo. O que isso significa? Que somos parte de algo maior, que a humanidade nos diz respeito, que o que acontece ao nosso redor nos atinge!

(José Henrique P. e Silva)

Progresso: Tecnologia ou Civilização?


Embora se possa dizer que Freud era um Iluminista, pois tinha a crença na capacidade humana de colocar o conhecimento a seu favor fez, talvez, a maior crítica que o pensamento iluminista poderia sofrer em toda a sua história, ao destacar o conceito de "inconsciente" e apontar que nossa capacidade "racional" não é tão inabalável quanto imaginávamos. 

Nesta frase, ele deixa claro um aspecto fundamental desse nosso "mal-estar" ao contrapor o desenvolvimento tecnológico (subjugação e controle da natureza) ao progresso nos assuntos humanos (capacidade de construir uma moral e viver em sociedade na civilização). Nesse aspecto Freud continua imbatível, pois apesar de contínuos avanços tecnológicos a humanidade ainda se arrasta em termos de avanço cultural e civilizatório deixando que sua agressividade e intolerância ainda sejam suas principais marcas e heranças. 

Ai de quem acredita que o progresso é ditado pelo avanço tecnológico. Isso pouco nos diz respeito enquanto humanidade, pois está longe de estar a seu serviço... muito longe!

(José Henrique P. e Silva)

segunda-feira, 17 de março de 2014

"Instinto": O papel da ilusão na ideia de "controle" e de "liberdade"

"Instinto" (1998) trata da história de um antropólogo (A. Hopkins) que, após ser dado como desaparecido, foi encontrado vivendo junto a gorilas e que, por matar e agredir guardas florestais, foi preso e colocado sob tratamento psiquiátrico. A avaliação inicial de sua agressividade é a de que sua convivência com animais o teria tornado um deles. O desafio, então, para levá-lo a julgamento, será obter uma avaliação mais completa de seu estado já que se recusa a falar com qualquer um.
 
Na instituição psiquiátrica (para pacientes psicóticos) em que se encontra preso é forte a sua identificação com os mais "fracos" e, apesar de estar fortemente medicado com Haldol (neuroléptico) seus médicos insistem que "ele não fala mesmo", reafirmando a visão dominante de que ele é um "selvagem" e seu silêncio é só uma demonstração dessa "violência contida". Mas, que silêncio é esse? Será que não quer dizer algo que acredita que não entenderão? O que gostaria de dizer? Mais tarde, uma das exigências para a continuidade de sua avaliação é a de que a medicação seja reduzida (decisão vital para o trabalho do terapeuta).
 
É somente ele (e não os médicos) que vai dizer que o momento de falar chegou, e para isso precisa sentir-se em algum "vínculo" (fundamental para o trabalho junto a psicóticos). As vezes um simples olhar já pode significar um forte "contato" e sua resposta, como o gesto de pegar algo ou dar atenção a algo que reconhece, já é uma demonstração de "contato". Assim, mostrar-lhe objetos, fotos etc, sempre com o intuito de estabelecer algum contato entre ele sua realidade passada, e entender que tipo de relação tinha com essa realidade, é sempre uma boa tática. Um dos fascínios que vai estar por trás dessa motivação do terapeuta é justamente a de poder estar muito próximo da condição mais "primitiva" (animalesca) de um homem e sua estratégia será a de "trazê-lo" de volta para o contato com a nossa "realidade". 
 
"...Descreva o que vê!" Pede o terapeuta diante de uma foto mostrada ao paciente. É uma boa forma de começar a entrar no delírio de um psicótico. O cuidado, entretanto, será sempre o de não permitir ser conduzido por ele nessa jornada. Nesse diálogo, então, deve-se ficar muito atento aos gestos do paciente pois é como se ele estivesse hipnotizado, vivendo outra situação que não expressará somente por palavras. Então, se ele para o olhar talvez seja porque esteja "vendo" algo de seu interesse ou realidade. Tudo bem que, apesar de ser tratado no filme como um psicótico, o que ocorre muito mais é um "mutismo voluntário" que surgiu em função de uma mudança de perspectiva vivida pelo sujeito que experimentou um afastamento muito intenso de nossa realidade. Mudança essa que significou uma recusa de determinados valores em troca de outros.
"fiquei feliz com minha lenta jornada ao encontro deles. Senti-me privilegiado. Senti-me como se estivesse voltando para algo que eu perdera há muito tempo e que só agora me lembrara. De repente aconteceu. Eu não estava mais fora do grupo. Pela primeira vez eu estava entre eles..." (A. Hopkins, descrevendo sua aproximação e aceitação na "família" dos macacos).
Com essa aceitação, ele passaria a experimentar uma afinidade, paz, segurança, que jamais conheceria em uma cidade, cercado por pessoas e violências. Trata-se da experimentação de uma verdadeira recusa do nosso "mal-estar", onde a loucura e a violência não encontram paralelo, e são assustadoras. Mas, o que estaria, de fato, por trás do "mutismo" do personagem?
"...Só temos que desistir de uma coisa. Nosso domínio. Não somos donos do mundo. Aqui não há reis nem deuses. Podemos desistir disso? Esse controle é tão precioso? Ser Deus é tanta tentação? ..." (A. Hopkins).
Então, segundo nosso personagem do que mais temos medo em perder? Nosso "controle"? Não! Nossa "liberdade"? Não! Nossas ILUSÕES! Afinal, o "controle" é somente uma ilusão, pois o que realmente controlamos? Da mesma forma, a "liberdade" é somente uma ilusão, pois somos mesmo livres? Nosso maior medo é mesmo o de perder nossas ilusões. Nesse sentido, a grande questão que intriga os avaliadores (é dos gorilas que vem a violência desse homem?) é uma falsa pergunta. Querem entender porque ele se tornou um assassino sem questionar as etapas desse processo de mudança e que o levou ao assassinato.
 
Um aspecto interessante no filme é que  descoberta de "verdades" dá ao nosso personagem certa arrogância para considerar qualquer um como um "idiota" da civilização. Onde estaria o problema? Na falta de confiança em relação a todos? Na sua ilusão de possuir a "verdade"? Ou na ilusão de acreditar em uma "verdade"? É assim que, nossa ilusão em sermos "superiores" nos impede de entender que fazemos parte, compartilhamos esse mundo. Essa "superioridade" (ilusão) nos impele ao "controle" (ilusão) e, para garantir a "liberdade" (ilusão), nos usamos da "violência" (real) como recurso necessário, justamente para manter as ilusões.
 
Onde entra, então, nosso tão forte desejo de "felicidade"? Para que ele surge? Porque dele temos necessidade? Ele vem para aplacar nossa angústia, sempre revelada quando diante da perda de nossas ilusões? Talvez só tenhamos que aprender a sentir e a viver, já que parece tão difícil escapar do jogo das ilusões. Talvez a felicidade seja vista como algo tão difícil porque sempre a colocamos do lado de fora das grades que nós mesmos construímos para uma suposta "proteção".

quarta-feira, 5 de março de 2014

Liderança "tarja preta": fenômeno antigo!

Em sua edição 174, a Revista Você S/A trouxe matéria com o título "Desempenho tarja preta", de onde busquei "inspiração" para o título deste post. O objetivo era mostrar o drama diário que muitos executivos enfrentam no ambiente de trabalho, tendo em vista melhor desempenho. A questão do (ab)uso de remédios calmantes e/ou estimulantes não é tão atual. Tem uma longa história, mas concordo que tem se tornado bem mais comum, não só pelo ritmo frenético da competitividade nas organizações, mas pela medicalização excessiva de qualquer dificuldade de lidar as questões psíquicas.

O que há por trás disso? cobranças, medos, obsessões pelo sucesso, impossibilidade de lidar com o "fracasso", ou o simples, cumprimento de metas. A muito já se fala do consumo excessivo de remédios antidepressivos e ansiolíticos, e no mundo corporativo não é diferente. Talvez até seja um pouco pior, dadas as exigências da competitividade. Por isso, concordo com a posição do psicanalista e colega Olivan Liger, citado na matéria da Você S/A. Segundo ele, o uso destas medicações no ambiente corporativo é simplesmente para tratar a competitividade.

Não se trata de combater o cansaço, o desânimo, a depressão etc., se trata de encontrar meios para superar obstáculos e se manter um sobrevivente no mundo corporativo. Quem não lembra dos filmes clássicos mostrando executivos terminando o dia com a cara enfiada em um copo de Whisky, tudo com muito glamour, é claro. Pois é, a coisa piorou um pouco mais.

O mundo, no dia a dia, por si só já se encarrega de nos apresentar diversas situações depressivas e que causam ansiedade. Mas, no mundo corporativo a situação se acelera um pouco mais. É isto que precisa ser observado pois não se trata apenas de um executivo que, por ventura diante de uma crise, tem que ser afastado, é um indivíduo que está prestes a perder sua saúde mental, sem falar no impacto que isso causa no meio e nas pessoas que o cercam.

Por isso, é bom sempre pensar. Por que estou tomando este remédio? Se for para um dia alcançar o "sucesso" no mundo dos negócios, esqueça! Não vai dar certo. E, se por acaso você chegar próximo disso, tenha certeza que o custo vai ser muito alto. Não existe mágica. Não dá pra se ter tudo. temos que fazer certas escolhas.

É claro que é mais fácil e simples imaginar-se que isso é um problema exclusivamente do indivíduo. Não é! Existe algo na cultura das organizações que acaba por potencializar essas situações. Sei que este apelo praticamente não encontra eco, mas não custa pensar sobre isso.

Também não adianta dizer que o sucesso é somente para os fortes ou mais preparados. Se assim for sou obrigado a perguntar: a felicidade é para quem mesmo?

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Exibicionismo e inveja!

Outro dia, ainda esta semana, assisti uma curta reportagem em um telejornal matutino sobre a inveja que a superexposição de momentos felizes nas redes sociais causa em algumas pessoas. Foi uma matéria curta e superficial, mas valeu pelo tema. É uma questão que pode ser vista voltando-se o olhar para quem busca essa superexposição exibicionista de momentos prazerosos, ou voltando-se o olhar para aqueles que não conseguem suportar estar diante de imagens de felicidade. Importante é perceber que são duas situações "extremas", compulsivas, e que se não tratadas nos adoecem.

Ora, existem pessoas que adoram ser "monitoradas" em sua vida (e por isso se "expõem"), e outras que adoram "monitorar" (e por isso "vigiam"). São personalidades que lidam com a PERFEIÇÃO FANTASIADA, ou seja, parecem só conseguir funcionar no quadro de uma situação em que sentem-se ou buscam ser "perfeitas". Por isso, uns projetam esta aparência de perfeição através do exibicionismo e outros através da inveja, por acreditarem que não são capazes de serem "perfeitas".

O problema é que todos nós temos muito mais problemas do que admitimos ter, então por que sempre achar que a vida do outro é melhor que a nossa? Uma família "perfeita", uma vida "perfeita", acabam sendo somente projeções de fantasias infantis que expressam nossos desejos e angústias (medos, inseguranças, falta de afeto) experimentados naqueles momentos iniciais e prolongados pela vida.

Olhar demais para a grama verde do jardim do vizinho pode só significar que ainda não tivemos a condição para plantar a nossa própria grama, ou que devemos olhar para a nossa grama e percebermos que somos felizes com ela daquela maneira. Da mesma forma, por outro lado, precisar que o outro olhe para a minha grama verdinha é um sintoma do quanto me sinto inseguro com o que sou e com o que tenho.

No fundo, só precisamos apreciar melhor e com muito respeito o que temos e o que somos, e também admirar com respeito o que os outros conseguiram conquistar para si. Em parte, minha vida adquire sentido pelo reconhecimento que o outro me dá... mas só em parte!!! Pois EU preciso também reconhecer o que sou e o que tenho, encontrar a felicidade nisto, e deixar que o outro seja feliz à sua maneira.

Somos interessantes porque somos diferentes! Embora eu goste de ler, posso ser feliz com alguém que adora passar horas no shopping. Embora eu goste de caminhar lentamente pelas calçadas contemplando os pequenos detalhes, posso ser feliz feliz com que adora estar em um carro simplesmente andando por lugares badalados. Embora em goste do silêncio, posso ser feliz com quem adora uma agitação desenfreada. Ou seja, EU SOU FELIZ PELO QUE GOSTO E TENHO, E PELO QUE O OUTRO GOSTA E TEM!!!

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Precisamos de respostas! (a angústia do desconhecido - texto 6)

Gosto de filmes de ficção científica! Mesmo contrariando alguns colegas que torcem o bico, como se eu só devesse gostar de filmes de Bergman, dos iranianos ou franceses. Não é o caso, pois em se tratando de cinema, não tenho preconceitos. Assisto aquilo que geralmente considero que possa ser interessante e não dou bola para nacionalidades, diretores, prêmios, publicidades, críticos, etc. Acho que tenho minha própria forma de avaliar se vale a pena comprar o ingresso. O fato é que adoro sair do cinema com a certeza de que algo ficou e não que fui lá à somente para passar o tempo (embora isto seja absolutamente legítimo, e necessário!). Claro que já entrei algumas vezes, quebrei a cara e saí na metade do filme. É um risco, mas já me surpreendi inúmeras vezes. E essas são as melhores.
Mas, por que mesmo falei tudo isso? Ah, só para dizer que também gosto de filmes de ficção científica. Sim, adoro! 2001, uma Odisséia no espaço foi o primeiro que me deixou marcas. Filme inteligente, em todos os aspectos. E quando Roger Waters compôs a música Perfect Sense achei que o filme tinha recebido uma bela homenagem, destacando que o “salto” que demos do passado para este futuro pode ter sido, tecnologicamente interessante mas, ainda deixa muito a desejar em termos de evolução moral e ética. Mas, onde mesmo quero chegar? A ficção científica, quando não é feita só de bichinhos estranhos e bonitinhos, ou só de batalhas com raio laser, pode revelar algo bem interessante e que diz respeito a algo muito íntimo nosso. Algo que dificilmente expomos para os outros. Pode dizer respeito à nossa necessidade e ânsia por respostas.

Mais uma vez o “sentimento oceânico” que nos inunda e nos faz mergulhar em um desejo de respostas vem à tona. É este sentimento que nos leva, finalmente, a abrir os olhos e perceber nosso real tamanho. Bem diminuto, por sinal. Mas, nem por isso, menos interessante. Mas, diminuto frente às perguntas que fazemos e não conseguimos oferecer respostas. É um sentimento que nos faz desejar respostas para obter segurança, algum conforto, uma espécie de proteção. E a ficção científica tem evoluído bem para essa direção, nos levando a pensar em algumas coisas. Uma direção em que mostra que uma de nossas maiores necessidades é a de “respostas” para aplacar algumas de nossas angústias.
O filme Prometheus (2012), por exemplo, segue esta linha. Aqui um parêntese. Nos anos 80, quando assisti Alien, o oitavo passageiro, o fascínio foi imenso. O filme já se tornou um clássico e, agora, Prometheus veio para oferecer uma espécie de "origem" àquele assustador "Alien". Naquele momento, com "Alien" sabia-se que havia algo "além", pois a criatura que tinha dizimado uma nave, agora atacava outra que viera em socorro na tentativa de encontrar sobreviventes. Mas, uma resposta nunca havia sido dada: de onde vinham tais criaturas?

Somente agora Ridley Scott, o diretor, começou a oferecer alguma explicação. A criatura seria uma criação, por parte de uma espécie (os "engenheiros"). Espécie que teria sido a responsável também, por nossa criação, enquanto humanos. O problema é que as criaturas (aliens) haviam sido criadas com o objetivo de destruição da espécie humana. Algo deu errado, entretanto, e os próprios "engenheiros" foram destruídos, antes, em seu "laboratório". Mas, por quê destruir a nossa espécie? É aí que o filme fica interessante em minha opinião. Inicialmente motivados pela ideia de encontrar nossos "criadores" uma equipe de exploração parte em sua busca tentando responder às eternas questões: de onde viemos? Quem somos? Questões filosóficas e científicas que as religiões tentam também oferecer algum tipo de resposta.

Mas, quando tal equipe se depara com a questão da possível destruição da nossa espécie, outra pergunta se sobrepõe: o que fizemos de errado para ter que encarar nossa extinção? Essa mesma questão já havia sido colocada por outro filme clássico da ficção científica, "O dia em que a terra parou" (que teve uma refilmagem recente). Mas, infelizmente essa polêmica só aparece de forma subjacente ao filme, embora fique bem nítida para mim, e acho que é o grande barato do filme. Desse modo, entendo que as questões filosóficas e científicas que sempre colocamos sobre nossa origem e destino perdem totalmente qualquer relevância diante de outra questão: o que estamos fazendo? O que está dando errado em nossa evolução?

Acredito que buscar explicações para nossa origem e destino pode ser legítimo e a expressão máxima de nossa racionalidade, mas poderão ser sempre questões sem resposta, como que fadadas a manter nossa racionalidade prisioneira de si mesmo. Entretanto, pensar sobre o que estamos fazendo com nossas oportunidades de vida também é legítimo e pode ter resultados concretos. Quantas vezes já não parei e pensei comigo mesmo diante de tantas barbaridades cometidas pelo ser humano: "nós não demos certo", "falimos enquanto espécie". Buscar respostas para nossa origem e destino, de forma racional, pode ser mesmo só um artifício que usamos para escapar à pergunta mais importante e que diz respeito, mais de perto, à nossa existência e nossas responsabilidades: o que estamos fazendo? Saber de onde vim e para onde vou pode me dar alguma ilusão em me acreditar importante, escolhido, mas é quando me deparo com a questão do que faço com minha existência é que sinto o peso da responsabilidade e a angústia cresce.

Talvez por isso eu tenha gostado tanto de Prometheus, pois nos lembra de nosso iminente "fracasso" enquanto espécie. Lembra-nos de nossa maior tragédia enquanto seres humanos: diante da possibilidade de paz, teimamos em fracassar, pois a solução agressiva e violenta sempre nos parece mais fácil e adequada. Não é assim no nosso dia a dia? Não é assim quando nos revelamos absurdamente preconceituosos e intolerantes com quem é diferente de nós mesmos? Não é assim quando acreditamos que somos sempre melhores que os outros e não lhes devemos nenhum tipo de obrigação? A raiva e a agressividade talvez sejam o maior símbolo de nosso fracasso. Arrefecê-las, é o sinônimo de nosso sucesso. Por que não apostar nisso e olhar para o outro como alguém de quem realmente necessitamos, para nossa sobrevivência e felicidade? Talvez seja impossível, mas estamos aqui para tentar provar o contrário! A raiva e a agressividade talvez sejam o maior símbolo de nosso fracasso. Arrefecê-las, é o sinônimo de nosso sucesso. Por que não apostar nisso e olhar para o outro como alguém de quem realmente necessitamos, para nossa sobrevivência e felicidade? Talvez seja impossível, mas estamos aqui para tentar provar o contrário!

Já que falei em "tragédia", numa hora dessas não há como esquecer a mitologia. “Prometeu” foi um titã que tentou dar a inteligência aos homens, e foi punido severamente por isto. Assim, talvez no fundo, ainda estejamos mesmo ainda buscando nossa maior inteligência: Não necessariamente saber de onde viemos ou para onde vamos, mas entender o que estamos fazemos a nós mesmos aqui, nesta vida. A ciência, a filosofia e a religião lutam para nos oferecer respostas e nos acalmar sobre nossa origem e destino, mas ainda suspeito que nossa principal fonte de angústia é nos depararmos com o real significado de nossa existência, no aqui e no agora, e com o que estamos fazendo! Esse talvez seja o maior “desconhecido”, aquele que mais nos assusta!

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Reunindo meus pedaços! (texto 5 - os contos de fada e a perfeição)

Todos somos, em algum grau, neuróticos. E sei que esta é uma frase que incomoda e assusta a algumas pessoas que temem, com isso, uma proximidade com a “loucura”. Mas, não se trata disso. A loucura está mais próxima de uma violenta dissociação com a realidade, que nos aliena e incapacita para a construção de laços de forma quase permanente. A neurose, por seu lado, traz alguns traços desse tipo, mas num grau quase sempre bastante atenuado. Estamos falando, então, de outra ordem de sofrimento, de outro tipo de defesa que nós buscamos para controlar nossas angústias. E que é um tipo de defesa muito mais comum do que imaginamos. 

Quando se diz, então, que a “normalidade” é neurótica é porque, em nosso processo de constituição psíquica, em algum momento, nos deparamos com “limites” (pais, leis, regras sociais, valores etc.) que restringem nossos desejos e acabamos por sofrer com isso. Mas, sem este processo, sem estes “limites” como poderíamos olhar para o outro e respeitá-lo? Como poderíamos construir laços sociais se não tivéssemos restrições em nossos desejos? É uma boa questão! E não está fechada. Ou seja, conscientemente, sabemos da necessidade de limites para a vida social, mas a questão é que inconscientemente nossos desejos tentam “escapar” e é a luta por bloqueá-los que nos leva ao sofrimento. A grande saída é algum tipo de sublimação, que faça com que nossos desejos inconscientes se realizem de outra forma, como num relacionamento amoroso, num trabalho que nos causa felicidade, numa atividade em que nos sentimos bem etc. 

A neurose, então, nos fala de uma “submissão” à regra, ao limite. E é o sofrimento daí gerado que leva a mecanismos de defesa como a obsessividade e a compulsividade, por exemplo. Sofrer pelo nosso próprio desejo não realizado, então, nos aprisiona a uma “dívida”, como se estivéssemos em “falha” permanente, em “culpa”. Um sentimento de que somos devedores de algo que não sabemos bem o que é, e nem sabemos ao certo quem é o nosso credor. O fato é que nosso desejo fica soterrado em meio às obrigações e temores de punição ou de limites. É uma dívida que temos, então, em sentido metafórico, com o pai, com a lei, com o limite, e isso nos leva, nos casos mais graves, à possibilidade de nos comportarmos como escravos e ficarmos paralisados, sem futuro, condenados a repetições e com pouca chance de crescer e sentir-se bem.

Madonna, há pouco tempo, dirigiu um filme (“W. E.”, 2011) que, com muita força, traz um exemplo digno de chamar a atenção. Aliás, o filme traz uma trilha sonora que, no seu romantismo angustiante, parece sempre estar à beira da revelação de uma tragédia da qual não se pode escapar. Algo que marca os medos do neurótico obsessivo. No filme, duas histórias correm em paralelo. O que as liga? O desejo de um pai e de uma mãe que, ao dar o nome de uma nobre inglesa à filha, depositam ali todo o desejo de que sua vida transcorra como um “conto de fadas”, bem ao estilo daquilo que as monarquias tentam nos mostrar com sua pompa, beleza e delicadeza.

Isso é complicado. Para desespero da criança sua história seria construída tendo como espelho a vida daquela família real, considerada “perfeita”, como num “conto de fadas”. Ela teria, então, que realizar-se na busca por seu próprio conto de fadas. Mas, ela só conhecerá tragédias. Ficará, portanto, aprisionada ao desejo dos pais, e não ao seu. Não é a sua história que terá que viver, e isso lhe causa dor. Livrar-se da obsessão, portanto, significaria livrar-se de uma pulsão de morte poderosíssima, que a impulsiona sempre ao fracasso. O desejo não era seu e sim dos seus pais, era a eles que estava “obedecendo” ao tentar manter-se na linha de conquistar o “conto de fadas” para a sua vida. Quantas vezes, não levamos um tempo demasiado para perceber que o que estamos fazendo não é para nossa satisfação, e sim de nossos pais, ou outras pessoas? Isso quando percebemos!

Quantos pais, nesse exato instante, não estão arquitetando o “futuro” dos seus filhos, organizando “agendas” de educação e atividades que lhes tiram a chance de serem crianças ou adolescentes? Não! Não é assim. Contos de fada e histórias e “sucesso” individuais são criadas para amenizar nossas tragédias, para nos trazer de volta a esperança. Mas não podem se transformar em rígidos modelos de identificação, em exemplos aos quais devemos seguir e sermos fiéis incondicionalmente. Quem, de fato pode ser um super-homem? Quem, de fato pode ser uma princesa? Isso é puramente ideológico, e perigoso, pois nos adoece. Pelo contrário, é em meio aos tropeços de nossas vidas que vamos delineando um caminho que, muitas, vezes, já é o nosso próprio "conto de fadas". Basta às vezes, olhar atentamente para os lados e perceber, sentir. Ao final, o conto de fadas pode até estar se realizando sim, mas não daquela forma idealizada. Reconhecer isto é que é difícil, pois nos espelhamos severamente em modelos quase que inalcançáveis.

São estes “modelos inalcançáveis” e “irrealizáveis”, como os dos contos de fadas, que podem fazer com que pais e crianças se envergonhem de suas “imperfeições”, daí a busca em tornarem-se “super-adultos”. Isto é um massacre ao psiquismo da criança, ainda não plenamente constituído, e que já é submetido a tal ordem de obrigações neurotizantes. É nesse processo que a relação afetiva vai dando lugar a um sistema de obrigações morais e “educativas” que proporcionam uma boa dose de tormento às crianças. Crianças assim, preparadas para serem “super-adultos” e realizarem seu conto de fadas a todo custo, acabam se revelando egocêntricas, narcisistas, ou estarão condenadas a um sofrimento por se sentirem sempre “pequenas”. Por isso a dificuldade em enxergar o outro na sua totalidade. Afinal, se a sua própria integridade está corrompida, como enxergará a integridade dos outros? Os outros serão apenas “pedaços” dos quais se aproveita para buscar uma ilusória “completude”. 

E essa completude tem um nome: “perfeição”. É isso que muitos buscam como forma de sentirem-se, finalmente, bem, sem divida, sem culpa, sem sofrimento. Nesse terreno, portanto, não suportamos lidar com nossas “imperfeições”. Buscamos corrigi-las a todo custo, e cada vez mais cedo. Ou as cirurgias plásticas estéticas, por exemplo, não estão cada vez mais disseminadas e em idade cada vez mais precoce? Que modelo é esse que buscamos seguir? Que perfeição é esta que nos fascina? Metaforicamente poderia dizer que é a perfeição dos contos de fadas, mas na concretude do dia a dia, a perfeição está identificada nas atuais “celebridades”, por exemplo. São estas celebridades que “denunciam” nossas imperfeições. Não seria melhor pensar que todos somos “diferentes”? Não seria um comportamento mais saudável e humano?

É nos sentindo sem integridade, despedaçados, que buscamos os lábios de uma, o cabelo da outra, as pernas de outra ainda, os seios de uma outra. Ou, o cargo do outro, a casa maravilhosa de outro, o carro mais moderno de outro ainda. E por aí se caminha, tentando-se construir a completude, a perfeição e, em última instância, a paz interna. É claro que é natural que busquemos no outro algo que nos agrade, mas isso às vezes se torna um comportamento obsessivo. Enxergar o outro como feito de “partes” acaba nos levando a nos enxergarmos como um jogo de quebra-cabeças onde cada parte tem que juntar-se necessariamente para compor um todo, preenchendo um vazio e dando ares de “normalidade” e “perfeição”. Difícil, então, em meio a tudo isto, as crianças aprenderem a lidar com as diferenças. Elas querem escondê-las a todo custo, corrigi-las de qualquer modo, sempre na esperança de completar a obra, o quebra-cabeças, a si mesmas. Um dia isso ocorrerá? Jamais! São heranças de obsessões, por vezes, paternas e maternas, às quais se somam as obsessões do mundo contemporâneo, e que nos tornam reféns desde muito cedo.

Voltando ao filme, vemos que o resultado é paradoxal. De um lado, nossa personagem se "liberta" de um "destino" traçado antes mesmo de seu nascimento. Ela não viverá para sempre com seu príncipe. Mas, é justamente essa libertação que a permitirá atuar sobre seu próprio destino, construindo-o com seus próprios desejos, e não os de seus pais. É um exemplo que nos mostra o "peso" gigantesco que o desejo dos pais pode ter sobre uma criança que, para defender-se, segue o caminho da patologia, da doença psíquica. Pior, tal desejo dos pais, herdado de forma incondicional, sem negociação, obscurece nossos próprios desejos e até a percepção de que já podemos estar vivendo nosso próprio conto de fadas, ao nosso modo, mesmo sem nos darmos conta disso. E, isso tudo ainda agravado pelo fato de, culturalmente, teimarmos em esperar que um suposto destino se revele esplendoroso sobre nossas vidas. Não dá! Esperança é importante, mas não a ponto de nos tirar a responsabilidade sobre a construção de nosso destino.

(José Henrique P. e Silva - out/2013)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Quero meu Rosebud! (texto 3 - Consumo e coisificação)

Talvez estejamos vivendo uma época em que o consumo atingiu um fim em si mesmo. Muda-se, troca-se, compra-se qualquer coisa sem nem mesmo saber ao certo sua verdadeira utilidade. Mas, alguém nos diz que este é o procedimento padrão e passamos a consumir de uma forma que beira a irresponsabilidade. O bom senso  foi embora há muito tempo.
 
Tudo bem, vivemos numa sociedade onde o consumo é mesmo seu ponto central. Mas chegamos a absurdos, e como pensar sobre isto? Quem somos, na verdade, quando consumimos desenfreadamente? Não quero falar de evolução tecnológica, muito menos da severa competitividade entre as empresas que leva a uma disputa acirrada por mercados e pelo desejo do próprio consumidor. Quero pensar um pouco sobre que tipo de homens e mulheres estamos falando e estamos nos tornando?
Qualquer coisa que seja duradoura está sofrendo um enfraquecimento hoje em dia. Alguns definem a época atual como “flexível”, outros como “líquida”. O fato é que a perenidade e a durabilidade das coisas sofre ataques diariamente, e nos impele a buscar o “novo”, a “novidade”, a qualquer custo. Permanecer com algo por um tempo a mais é incorrer em "erro", é ficar para "trás", é ser ultrapassado, é não ser “moderno”, é não estar “antenado”.
Bem, isso já dá muito pano para manga. O fato é que em uma sociedade marcada pelo individualismo egocêntrico, pelo narcisismo, difícil falar-se em comportamento solidário, em valorização do outro. Não à toa, boa parte das doenças psíquicas atuais enveredam pelo campo das psicoses, das psicopatias mais graves, das perversões, das fixações naquele estágio da vida onde o reconhecimento da lei se torna uma impossibilidade.
Estamos sendo chamados a ser fortes e insuperáveis. “Podemos tudo o que queremos”! O narcisismo está à solta, e com vigor. Não à toa, também, os comportamentos violentos e criminosos aumentam assustadoramente. E não só os crimes da rua, mas aqueles que violam regras básicas, valores básicos. Não queremos perder em nenhum momento. Não admitimos a derrota. Tiramos a bola de campo e a levamos para casa, mas não aceitamos outra regra que não seja a nossa.
Este parece ser um possível retrato desse sujeito contemporâneo, que não submete sua vontade à nada, que desvaloriza o outro, que quer ganhar a todo custo, e com o mínimo de esforço possível. Os “meios” perderam qualquer importância diante dos “fins”. Maquiavel venceu! Teria tido um bom campo de estudo se vivesse nos dias atuais.
Este é o ser humano “total”, completamente cheio. Parece não conhecer o vazio, nenhum buraco sequer. Nada por onde escapar suas fraquezas, suas dúvidas, seus instantes de dor e sofrimento. Ele parece vestir-se como um super-homem, adquire um ar de indestrutibilidade. Sente-se poderoso e só enxerga vilões à sua frente. Vilões a quem tem que enfrentar e destruir, tirando-os do seu caminho.
Mas, ele está “cheio” mesmo”? Está completo? Não precisa de mais nada? Inevitável aqui lembrar da interpretação de Orson Welles em Cidadão Kane (1941). Dizer que o filme é maravilhoso é chover no molhado, pois está sempre nas listas de "melhores filmes" já produzidos. Mas, porque eu o acho fantástico? Todos devem ter o seu motivo e eu também tenho o meu. Para me explicar melhor vou reproduzir um rápido diálogo de nosso personagem principal, Charles F. Kane e o seu "guardião" financeiro, o Sr. Bernstein.
 
… Sabe Sr. Bernstein, se eu não tivesse sido um homem tão rico eu poderia ter sido um grande homem…
O que teria gostado de ser?
Tudo o que você odeia!
Kane veio de uma infância pobre, com pais endividados, e construiu um império, acumulou riquezas e prazeres que nenhum mortal poderia sonhar. Mas, e aí? Ele passou a vida conquistando… e perdendo tudo, como em uma montanha russa. Sua insaciável busca, entretanto, não era pelo dinheiro. Não à toa, diz ao Sr. Bernstein: Não é difícil ganhar muito dinheiro… quando a única coisa que se quer é ganhar muito dinheiro.
Ao morrer, e pronunciar a palavra “Rosebud”, nosso personagem simplesmente mostrou que existem coisas de que precisamos e que não podemos simplesmente descartar nessa busca ensandecida por dinheiro e poder. Pior, essas coisas não podem ser "compradas", como querem acreditar aqueles que se entregam facilmente à crença de que "o dinheiro pode tudo". Foster Kane tentou comprar a tudo, mas o preço que pagava era sempre muito alto: sua infelicidade, sua ruína pessoal.
A incessante busca, mostrada pelo filme, para se desvendar o mistério do significado da palavra "Rosebud", dita por Kane quando de sua morte, revela a própria incapacidade da sociedade em perceber o beco sem saída em que cada vez mais estamos entrando: o da supervalorização da imagem e do sucesso, e o esquecimento de nós mesmos. Quanta infelicidade isso está gerando. A busca incessante pelo significado da palavra “Rosebud”, então, é a busca que fazemos todos os dias por reencontrar algo que "perdemos" ou "deixamos de lado" em troca de alguma coisa que consideramos ou que nos dizem ser importante.
Nesse sentido, a palavra “Rosebud” definia sim nosso personagem: Kane era um homem que tinha saudades de uma época em que fora feliz, quando criança, em sua família. Isso o atormentava, fazia de sua vida uma aparente felicidade, corroída por uma destrutividade interna silenciosa, mortífera. Mas, no momento de sua morte, ele foi sincero consigo mesmo e "agarrou-se" à sua melhor lembrança, o seu "Rosebud".

Todos temos o nosso pequeno trenó, ou nosso brinquedo, aquilo que nos lembra de uma felicidade absolutamente honesta… ou não? Só precisamos saber o que fazer com isso. Vamos descartá-lo? Ou vamos lutar para mantê-lo por perto, como uma lembrança e uma certeza de que a felicidade é possível, e está sempre nas coisas mais simples ao nosso redor?
(José Henrique P. e Silva - out / 2013)