Esta semana completa 1 ano do atentado à maratona de Boston (EUA) e nunca é demais comentar um pouco sobre o tema. Este atentado me fez lembrar, à época, que talvez a era do terrorismo com "endereço certo" talvez já tenha mesmo acabado e Bin Laden talvez tenha sido seu último grande representante. Hoje o terrorismo está em qualquer lugar e não necessariamente em um país "miserável e ditatorial" da África ou da Ásia. Está em todo lugar e qualquer um de nós pode ser o seu alvo.
Aqueles dois jovens irmãos representam a face mais nova desse terrorismo. Não precisaram de muita coisa para fazer o estrago que fizeram, apenas um bom suporte "ideológico". Mais do que nunca são "pessoas comuns", como eu e você, que estão agindo assim. Por isso espanta a todos ouvir estórias do tipo: "eles eram bons garotos", "pareciam tão normais", "eram bons vizinhos e bons alunos". E o amadorismo deles (bomba caseira, despreocupação em serem filmados, fuga atrapalhada) só atesta esta tese.
São pessoas comuns sim! E isso só nos deixa ainda mais preocupados. Fica fácil entender quando a população de Boston "comemorou" o fim da "caçada" à dupla de irmãos. É só isso que pôde resgatar um pouco mais da sensação de segurança por lá (aconteceu o mesmo quando Bin Laden foi morte e já havia acontecido também quando o WTC foi atacado). Nós por aqui, no Brasil, não sabemos e não temos elementos para avaliar e julgar isso corretamente. Então não podemos nos apressar em criticá-los, pois eles estão no olho do furacão e nós, nem de longe, sabemos o que isso significa na pele.
Mas, nada disso é tão novo assim. Sempre lembro, quando penso neste assunto, de um texto de Miguel Chaia, um ex-professor meu na PUC-SP¹. De acordo com Chaia, experimentamos, hoje, uma "estética da vulnerabilidade", traduzida na relação entre arte e guerra. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, autores de tragédias gregas, em seus “lamentos nascidos no dilaceramento da alma humana e na difícil sociabilidade” já apontavam para o significado que a violência tem sobre a sociedade e o destino das pessoas. Mais à frente, Shakespeare nos mostraria um novo tipo de tragédia onde o “ser” é também frágil diante de conflitos internos. Para ele, a história seria cíclica, num eterno continuum entre guerra e paz, com o outro e consigo mesmo. Segundo o professor Chaia, a política não detém a tragédia, afinal:
O campo social está permanentemente aberto às contingências e o pretenso controle que se objetiva alcançar politicamente com freqüência transforma-se em um inusitado descontrole social. O inesperado pode se abater a qualquer instante sobre os homens.
Ou seja,
a esfera do político, em vez de representar o controle do espaço público, deve ser compreendida como o lugar do confronto permanente entre o homem e seu destino, como o lócus dos conflitos intermináveis. Os riscos e as desgraças são inerentes não somente à vida, mas também às condições da ação política. Os acontecimentos trágicos são aqueles que reafirmam a conexão entre o (nosso) destino individual e o destino coletivo.
Ora, ninguém vive isolado no mundo, e é nesse encontro do homem com o mundo que a Arte aprofunda sua dimensão política, fazendo surgir uma nova estética essencialmente midiática. É assim que o terrorismo muda de face e entra neste círculo de visibilidade ganhando expressividade e mostrando que vivenciamos uma vida cada vez mais “trágica”, onde uma explosão é repetida mil vezes, nos trazendo essa mensagem: estamos sob risco, cada um de nós está em risco. É neste contexto de "medo" que engendramos uma nova sociabilidade cotidiana, marcada pela instabilidade, pela fragilidade da vida e pelas respostas violentas por parte da própria população (os "amarrados em postes" estão aí para evidenciar esta nossa "insegurança cotidiana").
E mais, nessa nova estética terrorista (que não é mais a da "guerra"), não temos mais a presença do Estado, dos campos de batalha, das ideologias, das utopias, dos novos homens. Não há mais como sonhar com a beleza, o igualitarismo, o progresso, enfim. Parece só ter restado mesmo a destruição coletiva.
A estética do terrorismo tem na imagem sua principal estratégia de disseminação. É no ato espetacular transmitido pelos canais midiáticos, como a internet, a televisão e a imprensa, que ele encontra sua eficácia e força. Basicamente, a cidade é o seu principal alvo, tornando as metrópoles mundiais as melhores caixas de ressonância de suas práticas violentas.
É esta nova estética que atinge nossa retina (e rotina também), formando nossa subjetividade, cada vez mais marcada pelo medo, e pela intolerância. É a partir desta nova estética que a estética da política vai se construindo no cotidiano, marcada pela inevitabilidade dos conflitos insolúveis e a “impossível” sociabilidade.
Dessa forma,
a estética da guerra foi superada, dando lugar à experiência do confronto entre sistema e bandos, que demonstraram que esse sistema não é impenetrável. Nessas condições, a cultura da violência encontra seu par complementar na cultura do ódio, a mídia do entretenimento tem continuidade na mídia em transe, e a irracionalidade das massas pontua-se pela mutilação individual e coletiva.
De uma forma, direta ou indireta, participamos do reality show, do espetáculo, ao vivermos cotidianamente a absorção destas novas estéticas do terrorismo e da política, seja como vítimas, seja como espectadores. Afinal,
Se o indivíduo não for atingido na rua, com certeza a eficácia política do terror o alcançará na rede da internet ou na rede de televisão. Assim é que a estética do terrorismo é dada na descoberta da instabilidade e da fragilidade da vida e na construção da insuficiência e da limitação da política.
Culpa dos meios de comunicação de massa? Não sei! Os terroristas buscam a mídia para o deleite dos resultados de seus atos, e nós a buscamos para deleite de nossas ansiedades e entender (ou manter) nossos medos. Não há glória alguma! Não há vencedores! Todos perdemos! Embora alguns ganhem (poder e audiência) com essa tragédia toda.
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¹ CHAIA, Miguel. Arte, Política e Explosão. In: Revista Cult, n. 95, set/2005, ano 8, p. 59-63. O autor é professor do Departamento de Política e da Pós-Graduação em Ciências Sociais e pesquisador do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP.