Está certo, vamos lá! A vaidade e a beleza sempre foram trunfos para a autoestima da mulher. Hoje, não há como negar, os homens parecem também se deixar seduzir por este caminho mas, francamente, ainda é um território predominantemente feminino. E é só olhar para os lados que enxergamos todos os esforços que a indústria da saúde e da beleza fazem para entregar às mulheres uma garantia de que serão sempre saudáveis e belas.
Ok, bem razoável e estimulante que se siga essa estrada mas, e quando percebermos que não é possível deter a marcha do tempo? O que acontece? Vamos insistir numa batalha feroz resistindo com todas as forças aos efeitos que o tempo causa em nosso corpo?
Não ouso, em nenhum momento, emitir juízos de valor sobre essa questão mas, observo muito os efeitos que essa persistente "batalha contra o tempo" causa em algumas cabecinhas. E não são efeitos nada agradáveis, pois estão repletos de ansiedades e perda de autoestima, criando, muitas vezes, uma necessidade de se repensar toda uma identidade.
Por isso sempre me questionei: Não há beleza nas rugas em um rosto de mulher? Cito a mulher porque sou homem e é para ela que dirijo meu olhar. Não há beleza? Difícil responder a essa pergunta nos tempos atuais onde as diferenças entre o que o corpo nos mostra como "real" e a imagem que fazemos dele como "ideal" são gritantes.
Mas, ouso insistir na pergunta: Não há beleza nas rugas em um rosto de mulher? Por que decidimos estabelecer como verdade a crença de que a "beleza" está na juventude? Por que insistimos em ver na simetria algo "perfeito"? Por que o nosso medo tão intenso de uma pele mais flácida, de um andar mais leve, de formas que parecem não mais caber nos manequins das belas vitrines? Não vamos reagir a isso? Vamos ficar assistindo calados e, pior, acreditando nisso?
Não, nada disso tem a ver com beleza, com perfeição, com juventude, com força! Nada disso! Vivemos uma era de consumo exacerbado. Os produtos buscam diversificar-se para oferecer mais do mesmo, buscam novos consumidores, e cada vez mais jovens. De uma hora para outra, nossos ícones estão cada vez mais jovens. Deixamos de admirar nossos ídolos dos anos 60 e 70, por exemplo, para seguir filhos e netos na sua admiração por Justin Bieber! E quando percebemos estamos lá, nos portando iguais a eles. Ok, um bom sinal de jovialidade. Mas, é só isso mesmo? O que queremos com isso?
Volto à pergunta: Não há beleza nas rugas de um rosto de mulher? Vivemos como se fossemos passar, como num passe de mágica, da bela juventude para a morte. Puro engano, pura ilusão! Desde que nascemos, vivemos em uma longa e dura transitoriedade, estamos de passagem oras! Amadurecemos, envelhecemos, não dá pra aceitar isso? Se não der é porque precisamos acertar algumas contas conosco mesmo! E talvez a conta principal a ser acertada seja a da nossa tradicional "exigência de imortalidade". Ufa!!! Tema difícil este!
O que precisamos fazer? Trazer o conceito de beleza para seu lugar original. Aquele lugar onde nossas emoções lhe deram um significado um dia. Não quero que a indústria da beleza me diga o que é bonito. Quero que minha memória, minhas lembranças e minhas experiências me digam onde está a beleza das coisas e das pessoas. Se amei uma pessoa a 30 anos atrás e ela continua do meu lado por que não a achar linda?
Mas, só conseguiremos fazer isso se descolarmos o conceito de beleza do corpo, daquilo que é físico. O que vamos fazer com nossas lembranças, vamos jogar no lixo? Elas não servem mais para nos dizer que a razão pela qual amamos uma pessoa está muito além da simetria de suas formas, de sua aparente juventude ou da ausência de rugas em seu rosto?
Parece fácil escrever sobre isto. Sei que a sociedade é cruel, exigente, dominadora. Mas, nós é que resolvemos aceitar essas regras. Nós é que abdicamos de nossa crítica, de nossa segurança interna e nos colocamos como subservientes à este modelo cultural. Sim, é só um modelo cultural, porém devastador, inimigo da autoestima e produtor de patologias as mais diversas.
Vamos envelhecer e ver envelhecer as pessoas que amamos? Vamos perder as pessoas que amamos? Vamos! Mas, por isso vamos perder nossa capacidade de amar e de contemplar a beleza aquela beleza que é fruto de nossos sentimentos e que depositamos em quem está do nosso lado? Não! Decididamente não!
Não me interessa se um dia vou chegar aos 80 anos e vou estar com uma mulher da mesma idade ao meu lado, com todas as marcas do tempo. Aliás, torço para isto todos os dias. E o que me fará feliz neste dia? A beleza de sentar à sua frente, fixar os olhos em seu rosto e, com a ponta dos dedos, percorrer cada um daqueles leves traços nos seus olhos e nos seus lábios.
Sim, traços de uma vida repleta de lembranças a serem compartilhadas e revividas a cada momento. Afinal, há um tempo em que a pressa pelo futuro desacelera, o presente nos convida a sentar um pouco, e o passado ressurge, desfilando em meio à nossas lembranças e nos fazendo dizer um ao outro que tudo valeu a pena!
Sim, existe muita beleza nas rugas de um rosto de mulher!
(José Henrique P. e Silva)