Um das coisas que gosto na psicanálise é que ela me permite não só o atendimento clínico, mas olhar para o social e enxergar alguns fenômenos sob um outro ponto de vista, geralmente mais crítico. Crítico no sentido de não se contentar com a superficialidade dos conceitos e tentar ir à raiz da questão. Por isso, manter-se em dúvida é fundamental. É uma estratégia necessária para se conhecer melhor, a si mesmo e às coisas.
Outro dia me fizeram uma colocação bem direta: "Preciso me tornar uma liderança a todo custo, e bem rápido, você me ajuda?". Não costumo mesmo tomar nada, a princípio, como tão verdadeiro. Mas foi inevitável lembrar que essa exigência de ser "líder" é uma das fortes na atualidade, principalmente no mundo corporativo. É mais do que normal, então, muitos considerarem que tornar-se líder é algo realmente bom, que é algo que, a princípio, todo mundo quer, afinal, significa promoção, oportunidade, ter uma equipe. Mas, é isso mesmo? Temos mesmo que enveredar por esse caminho? Temos mesmo que fazer com que nossos filhos pensem isso a todo instante? O oposto ao "líder" é algo assim tão "fraco" mesmo?
Antes de falar sobre o "outro lado" da liderança, é preciso lembrar que assumir um posto assim significa iniciar um período de transição que é uma descontinuidade em relação ao que se vivia antes. E isso é muito importante pois, até então, todo o sucesso dependia exclusivamente do próprio empregado e seus esforços. Agora não! Depende de sua equipe. Isso, por si só, significa perda de controle e advento de tensões. E, num momento tão competitivo, isso beira o mais profundo dos desgastes. O resultado só pode ser um: o novo líder vai enfrentar questões emocionais severas. Como gerenciar esta nova posição? Alguns defendem que não há o que fazer para auxiliá-lo neste momento, e que tudo está por sua própria conta. Não acho! É evidente que existem ajudas, suportes terapêuticos, que o auxiliarão a se conhecer melhor e a descobrir suas potencialidades... e fraquezas, ou limites! Com isso em mãos ele poderá tomar algumas decisões sobre seu futuro. Mas, como o campo da administração não gosta muito de se relacionar com o campo psíquico, o líder acaba ficando á deriva, à sorte de suas próprias escolhas dentro da organização da qual faz parte.
Mas bem, falamos, então de uma "transição". E isso precisa ser enfatizado pois, já que ninguém nasce líder, ninguém também se "forma" líder a partir de treinamentos. Esta é uma opinião muito particular, apesar da proliferação de cursos de formação de lideranças. É aí que entra em cena a experiência. Ser líder é vivenciar a liderança, e isso requer experimentação na posição de líder. É desta vivência que vem a "possibilidade" de, efetivamente, se ter um líder. É daí que vai perceber se "quer" e se "pode" realmente ser um líder. Não à toa os momentos de transição na carreira são decisivos, pois é aí que o empregado se mostra mais disposto a aprender e, portanto, encontrar oportunidades de avançar em seus projetos pessoais.
Mas, e quanto à questão inicial que coloquei, é realmente bom ser líder? Ora, isto não é para todos. Dizer que todos podem ser líderes é uma postura essencialmente ideológica, fantasiosa e, por vezes, manipuladora. Primeiro porque não há espaço para todos e, segundo, porque nem todos querem ou se vêem nesta posição, justamente pelo severo gerenciamento que vão ter que fazer de sua vida psíquica e social. Não são poucos os casos de absoluto desmoronamento emocional não só de líderes, mas de suas famílias, que sofrem os efeitos imediatos de suas novas tensões. Não, definitivamente, ser líder não deve ser visto como o "topo" a ser conquistado. Ser líder, não tem nada a ver, diretamente, com sucesso e, muito menos, com felicidade. É preciso pensar, e repensar, sobre isso. Há algo tanto aquém, quanto além, da "liderança" e que pode nos tornar muito mais felizes. Então, cuidado, não acredita tão facilmente que ser "líder" te tornará uma pessoa mais feliz. São duas coisas que podem ser bem diferentes, no final das contas.
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