O ciúme não é uma exclusividade das relações amorosas, a experiência profissional mostra que está presente nas mais diversas interações em organizações, instituições, e no quadro geral de nossas relações sociais. Ou seja, faz parte do nosso dia a dia. Talvez seja por isso que o senso comum diz: "uma pitada de ciúme sempre faz bem a qualquer relação". Porém, a coisa não é tão simples assim. O que se vê no cotidiano é uma dificuldade em se saber qual o tamanho exato dessa "pitada" e, quando se extrapola, não são poucos os tormentos que surgem: narcisismo, masoquismo, sadismo, inveja, silêncio, enfim, muito sofrimento.
Em quase todos os casos, então, o que surge é um estado extraordinário marcado pelo "sofrimento ansioso" decorrente da ideia fixa de perder a pessoa querida. E quem vai negar que esta é uma de nossas desrazões mais corriqueiras? Uma autora que trata este tema com bastante propriedade é a psicanalista francesa Marcianne Blévis, autora de "O ciúme - delícias e tormentos", publicado por aqui pela Editora Martins Fontes, em 2009. Em seu livro, apresenta diversas situações concretas onde a patologia foi observada e tratada e, ao longo de suas exposições vai nos oferecendo uma ampla abordagem psicanalítica sobre o "ciúme". Vamos lá.
Em primeiro lugar, quem é o(a) ciumento(a)? Antes de mais nada, um "isolado" em seu pavor, um "inquieto" que sabe que, mais cedo ou mais tarde, vai ser traído e, por isso, ele vasculha os pequenos sinais de desamor. Se, em algumas vezes, sua profecia se realiza, ele erra quando não se enxerga como o principal responsável pelo seu infortúnio.
Mas, a sua regra é não romper, não conseguir separar-se, não realizar a "profecia", ficando sempre num clima de "suspensão". Nesse sentido, o ciúme é uma "droga", cujo vício, as vezes, é até compartilhado pelo parceiro (que torna-se dependente da vigilância, ou tão ciumento quanto). Uma droga sustentada pela necessidade de um vínculo fusional, violenta, que acaba por impedir o próprio amor, em troca de uma satisfação em ter a "posse de seu objeto". Vigiar, portanto, é uma forma de apaziguar o sofrimento, provocando uma excitação que substitui o erotismo. É por isso que é preciso, apreender suas causas, em vez de negar seus tormentos: o ciúme não está ligado apenas à perda efetiva daquele ou daquela a quem se ama, porém antecipa essa perda. E assim se confirma a total insegurança que corrói os ciumentos (p. 19).
Assim, o ciumento, em grande parte, se sente indigno de amor e constrói uma relação objetal equivocada onde sempre se coloca como não portador de algo que só outros possuem e por isso tanto teme. O que o psicanalista pode fazer? não acatar ao pé da letra as queixas do analisando e lhe apontar perguntas de uma forma que lhe permita remontar às origens de seu ciúme. Como é que sua mãe amou o menino que ele foi, desde sua chegada ao mundo? O pai deu-lhe apoio ou o abandonou, sem lhe dar a possibilidade de sentir qualquer orgulho? Ele pôde buscar ajuda com irmãos e irmãs? Cercou-se dessa preciosa família adotiva que são os colegas e os amigos? Em todo caso, por que ele não buscou, fora da posição de vítima, a solução para suas verdadeiras feridas? (p. 22).
Dessa forma, há uma clara questão envolvendo o amor-próprio, e suas próprias qualidades e virtudes. Ou seja, sua "doença" tem origem numa perda que ele não consegue expressar em palavras nem imaginar. Naquele a quem atormenta com seu amor, ele procura um bem que perdeu; enquanto o indizível sofrimento decorrente disso não for situado, ele não parará de temer as infidelidades futuras (p. 23).
Seja como for, o que o ciumento nos diz é que existe um "outro(a)" que lhe ameaça a ponto de retirar a pessoa amada. Quem é este outro(a)? Será que é alguém a quem ele deseja mesmo destruir ou pode ser uma espécie de "irmão", um "outro eu", por exemplo? Nesse caso, o(a) "outro(a) seria odiado justamente por ser amado demais. Assim, desalojado de um lugar do qual espera a restauração, e não a consideração de seus limites, o ciumento quer fundir-se com o objeto de sua paixão e exige, eternamente nostálgico, que o "envoltório volte a ser perfeito". Ele quer esquecer que há na origem de seu ciúme a estranheza inquietante do confronto com um outro diferente dele e, ao mesmo tempo, igual a ele (p. 25).
Um dos grandes desafios da psicanálise seria, justamente, o de devolver-lhe a linguagem amorosa da infância, despreocupada e livre, deixando-o mais apto para o amor. Claro que existe muito mais a ser dito pela psicanálise sobre o ciúmes, mas é um bom começo.
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