sexta-feira, 31 de maio de 2013

"A Interpretação dos Sonhos" (Freud)

Algum tempo atrás o canal Discovery Civilization discorreu sobre o livro "A Interpretação dos Sonhos", de Freud, em sua série "Great Books". A intenção da série é levantar os principais aspectos de cada obra em questão. No caso deste livro de Freud os principais pontos comentados foram os seguintes.

De acordo com a série, haveria um lado obscuro onde se ocultam o medo, a luxúria, a raiva, desejos inconscientes que não repousam tranquilamente na psique humana e que, através do sonho poderiam ser acessados. O sonho seria aquele momento em que tais desejos inconscientes estariam em campo aberto e, com certa técnica psicanalítica poderiam ser desvendados em seus significados. 

O sonho é um terreno fantasioso onde as leis da lógica não se aplicam, mas o fato é que, depois de Freud, não foi mais tão fácil evitar nossa própria responsabilidade por nosso comportamento inconsciente. Não à toa a psicanálise se transformou em base de boa parte da cultura do século XX. Hitchcock, por exemplo, entre suas brilhantes obras, tentou mostrar um pouco disso em "Quando fala o coração" (Spellbound, 1945), com a lindíssima Ingrid Bergman. O trecho abaixo mostra um pouco dessa dinâmica da interpretação, em linhas muito gerais, evidentemente.


Dessa forma, os sonhos teriam forte papel na revelação de tramas ocultas no inconsciente e o procedimento técnico para essa revelação seria simples: lembrar do conteúdo manifesto do sonho e fazer associações de cada trecho com fatos conscientes, seguidas de interpretações - era a "livre associação" freudiana.

O "sonho de Irma" teria sido o sonho base de Freud que ilustrou este seu novo método, cuja formulação geral era a de que o sonho é a realização de um desejo. Foi isto que o teria inspirado a escrever "A Interpretação dos Sonhos", livro que, à época, vendeu muito pouco e deixou Freud acuado diante de boa parte dos médicos, que resistiam à nascente Psicanálise.

Sua interpretação dos sonhos, então, está totalmente baseada em sua concepção da natureza humana. Esta, para Freud, está sustentada em desejos reprimidos, procedimento necessário para a vida em sociedade, do contrário como sustentar o egoísmo total. É esta "repressão" que, incessantemente, alimenta nosso inconsciente.

Dessa forma, continua a série televisiva, Freud nos falaria, quando de sua análise do sonho, de uma parte da mente que chama de "censura". Parte essa, cuja função é a de impedir que sonhemos nossos desejos de forma literal, do contrário as angústias poderiam ser insuportáveis. Estamos no processo, então, de "elaboração" do sonho. Por isso os sonhos nos parecem tão "ilógicos" e "incompreensíveis".

Em seguida, com o recurso da "condensação", o sonho permitiria a combinação de múltiplos símbolos e imagens "aceitáveis" à censura. Ao final do processo, o ego trabalharia para dar um sentido aparente ao sonho. Desvendar esse sonho manifesto é que é fundamental para revelar o significado oculto latente. Como imaginar, a partir destas considerações que os sonhos ainda fossem mensagens divinas ou premonições? Não se trata, portanto, da mera interpretação de símbolos, mas da busca de seus significados.

Hoje, muitos já não consideram os sonhos tão importantes na psicanálise. pelo menos para aqueles que buscam respostas mais rápidas para acontecimentos mais correntes. Mas, os sonhos continuam a aparecer na clínica e, quando desvendados, auxiliam em muito os tratamentos.

O sonho, portanto, fala de nós mesmos, de nosso inconsciente. Nos fala daquilo que não tem data, mas que está presente e não nos deixa até que possamos lhe dar um significado. Conhecer a nós mesmos, portanto, passa, necessariamente, pela aventura que é buscar o seu próprio inconsciente. O sonho seria um dos caminhos mais interessantes para essa busca.

Como desconhecer o inconsciente? Só mesmo construindo uma versão de uma natureza humana completamente dominada pela razão. Muitos ainda tentam isto!

"Cidadão Kane": Todos temos o nosso Rosebud... ou não?

Depois de muitos anos, assisti novamente a Cidadão Kane (Orson Welles, 1941). Dizer que o filme é fantástico é chover no molhado. Está sempre nas listas de "melhores filmes" já produzidos. 
Mas, porque eu o acho fantástico? Todos devem ter o seu motivo e eu também tenho o meu. Pra me explicar melhor vou reproduzir um rápido diálogo de nosso personagem principal, Chales F. Kane e o seu "guardião" financeiro, o Sr. Bernstein.

  • Charles Foster Kane – … Sabe Sr. Bernstein, se eu não tivesse sido um homem tão rico eu poderia ter sido um grande homem…
  • Sr. Bernstein - O que teria gostado de ser?
  • Charles Foster Kane - Tudo o que você odeia!
Kane veio de uma infância pobre, com pais endividados, e construiu um império, acumulou riquezas e prazeres que nenhum mortal poderia sonhar. Mas, e aí? Ele passou a vida conquistando… e perdendo tudo, como em uma montanha russa. Sua insaciável busca, entretanto, não era pelo dinheiro. Não à toa, diz ao Sr. Bernstein: 
Não é difícil ganhar muito dinheiro… quando a única coisa que se quer é ganhar muito dinheiro.
Ao morrer e pronunciar a palavra “Rosebud”, nosso personagem simplesmente mostrou que existem coisas que precisamos e que não podemos simplesmente descartar nessa busca ensandecida por dinheiro e poder. Pior, essas coisas não podem ser "compradas", como querem acreditar aqueles que se entregam facilmente à crença de que "o dinheiro pode tudo". Foster Kane tentou comprar a tudo, mas o preço que pagava era sempre muito alto: sua infelicidade, sua ruína pessoal.
A incessante busca, mostrada pelo filme, para se desvendar o mistério do significado da palavra "Rosebud", dita por Kane quando de sua morte, revela a própria incapacidade da sociedade em perceber o beco sem saída em que cada vez mais estamos entrando: o da supervalorização da imagem e do sucesso. Quanta infelicidade isso está gerando. A busca incessante pelo significado da palavra é a busca que fazemos todos os dias por reencontrar algo que "perdemos" ou "deixamos de lado" em troca de alguma coisa.
Nesse sentido, a palavra “Rosebud” definia sim nosso personagem: Kane era um homem que tinha saudades de uma época em que fora feliz, quando criança, em sua família. Isso o atormentava, fazia de sua vida uma aparente felicidade, corroída por uma destrutividade interna silenciosa. Mas, no momento de sua morte, ele foi sincero consigo mesmo e "agarrou-se" à sua melhor lembrança, o seu "Rosebud".
Todos temos o nosso pequeno trenó (“Rosebud”), que nos lembra de uma felicidade absolutamente honesta… ou não? Só precisamos saber o que fazer com isso. Vamos descartá-lo? Ou vamos lutar para mantê-lo por perto, como uma lembrança e uma certeza de que a felicidade é possível, e está sempre nas coisas mais simples ao nosso redor?

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Escândalo do Mensalão VI - A investigação do "caixa 2" e o PT parte para a "purificação interna" (dias 29.06 a 19.07.2005)



O título de capa do dia 28/06 dá o tom do que virá a seguir nos rumos da CPI dos Correios: “PF e CPI focam investigação em Marcos Valério”. A partir daqui as investigações se aprofundam e ramificam. Mas, isso não significa que o escândalo iniciou uma fase de “esfriamento”. O governo, por exemplo, tenta criar na Câmara dos Deputados outra CPI, a CPI do Mensalão, com o objetivo de investigar não somente as acusações contra deputados da base aliada, mas investigar também a compra de votos para aprovação da emenda da reeleição em 1997. É uma clara reação do governo. Em contrapartida, os oposicionistas instalam a CPI dos Bingos no Senado.


Enquanto isso a negociação com o PMDB parece dar sinais de fracasso, o que leva o ministro Palocci a tentar estabelecer pontes com o PSDB, para evitar o que chamou de uma “pane política”, através da liberação de verbas para estados controlados pela oposição. Vejamos como o jornal, no dia 30, se posicionou com relação à crise[1].
Vai-se tornando mais difícil para o governo e a direção do PT sustentar que as denúncias do deputado Roberto Jefferson acerca do “mensalão” não passam de “mentiras inescrupulosas” visando a golpear a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva… Não é por acaso que, enquanto o presidente Lula renova suas promessas de “limpar a casa”, as forças governistas tentam empurrar o lixo para debaixo do tapete, tentando evitar que o “mensalão” se transforme no principal tema a ser investigado.
Mesmo sem que seja seu tema principal, o editoral acaba por mostrar que, se no campo discursivo e simbólico o presidente mostra intenções de resolver a crise “limpando a casa” (até mesmo porque Dirceu acabou de sair do ministério), no campo especificamente político a luta seria para empurrar a crise para baixo do tapete.

É evidente que o jornal ainda está sob impacto das fortes palavras do presidente em seu comprometimento com a ética, e não percebe que qualquer medida de resistência política inclui sempre uma ação e uma palavra. Talvez por isso tenha feito essa separação entre a intenção do presidente e a ação dos governistas. Nesse mesmo dia, o presidente faria um pronunciamento onde revelaria seu estado de preocupação[2].
Eu quero, aqui, dizer uma coisa meu querido Procurador, desculpe a intimidade de quem o está vendo pela segunda vez, mas eu quero te dizer o seguinte: você pode trabalhar com a sua consciência tranqüila. Eu sempre acho que em tudo na vida tem que ter equilíbrio, eu sempre fico muito magoado quando, muitas vezes, as pessoas são execradas antes, para depois provarem que são inocentes e não têm nunca o mesmo espaço para provar a sua inocência.
A “mágoa” sentida pelo presidente nada mais é que um reflexo de situações tipicamente midiáticas, até mesmo porque fala em “espaço”. Não está falando de si, mas de Dirceu e de Delúbio, e é mais um exemplo de como a saída de Dirceu vai se tornando fundamental para o sucesso do “descolamento” da imagem do presidente em relação à crise política. Dois dias depois de várias investigações e novos fatos trazidos à tona, em editorial, o jornal comenta a mais recente manifestação de Delúbio Soares[3].
Enquanto a sociedade brasileira acompanha perplexa o avolumar-se de indícios acerca de um amplo esquema de movimentação irregular de dinheiro para pagamento de “mesadas” a parlamentares, o tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, um dos principais suspeitos de operar o chamado “mensalão”, decidiu se manifestar. E fê-lo de maneira imprudente, para insistir na surrada tese, que já parecia abandonada por seus “companheiros” de legenda, segundo a qual “a direita vai querer fazer o impeachment do presidente” … o tesoureiro, que chegou às lágrimas, acusou alguns veículos de comunicação, entre os quais esta Folha, de publicar mentiras em favor dos interesses “dos setores conservadores que querem voltar ao poder”… Abandonado pelo próprio Planalto, que, segundo se noticia, pediu sua cabeça ao PT, o tesoureiro tenta invocar fantasmas com o intuito de responsabilizá-los por situações que ele próprio criou ou ajudou a criar.
É mais um episódio do embate simbólico em torno da tese do “golpismo das elites e da imprensa”. Tese que o jornal quer ver sepultada, mas que insiste em vir à tona nos diversos pronunciamentos governistas. Entretanto, no dia seguinte, 03/07, um novo pronunciamento do presidente, mas sem maiores novidades[4].
A democracia veio, no nosso país, para se consolidar. E vocês, que são visitantes, companheiros que estão preocupados com as notícias que têm saído no Brasil, tenham consciência de uma coisa: seria impensável que eu fosse governar este país quatro anos e não tivesse problemas. Seria impensável, ou seja, nós já conseguimos o máximo, ou seja, nós já conseguimos fazer com que o FMI fosse embora sem precisar dar nenhum grito… Na política, o que está acontecendo eu encaro como uma certa turbulência, mas que só existe efetivamente num processo que vai se consolidando fortemente, da democracia. Eu quero que vocês saibam e voltem para os seus países com a certeza de que eu entendo que a corrupção é uma das desgraças do nosso continente…
A fórmula é repetida. A corrupção é uma “desgraça” que persiste na história, mas que pode ser combatida. E o governo já estaria fazendo isso, teria capacidade para isso, só precisaria de mais tempo. Nesse momento, a insistência do presidente em repetir que a corrupção é uma “desgraça” e é “histórica” é fundamental para tirar qualquer denúncia de seu “colo” e colocá-la como “alvo a ser atacado”.

Trata-se de uma estratégia que pode ser chamada de “passivização”, onde os atores e a ação em si são apagados e surgem, em seus lugares, processos que parecem atemporais e a-espaciais, ou seja, somem os corruptos do presente e a corrupção reaparece como uma entidade etérea, pairando por sobre a história, e com potencial de contaminar a todos, indistintamente.

Voltemos a alguns fatos políticos. Como foi dito, José Dirceu não tem boa acolhida no Congresso. Não são poucos os que cogitam sua cassação. É nesse contexto que, temendo que a situação piore, o presidente Lula, seguindo os passos já iniciados por Palocci, tenta reabrir um canal de conversação com FHC e o PSDB.

E, segundo o jornal, numa conversa entre Márcio Thomaz Bastos e FHC teria ficado acordado que a economia deveria manter-se a salvo de um eventual contágio por parte da crise política (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0307200518.htm). Palocci e Bastos estariam tentando fazer com que Lula “acenasse” em direção a uma conversa formal com o PSDB em prol da economia do país, mas é evidente que, eleitoralmente, tal aceno poderia se revelar muito arriscado. E, realmente, tal aceno não ocorre.

Enquanto isso, Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, antecipando-se a uma possível decisão da Executiva Nacional do partido, se afasta do cargo. Em sua capa o jornal noticia como: “Crise causa 1ª baixa na cúpula do PT”. A decisão de Sílvio Pereira contraria o plano de protelar maiores decisões no partido, decisão sempre defendida por José Genoíno, principal responsável pela defesa do partido na crise.

É um momento muito complicado para Genoíno que se imagina “abandonado” no partido. Sua permanência na presidência do partido já é questionada. Não há dúvida que, neste momento, no partido, o que passa pela cabeça da maioria é: “morremos todos afogados?”. No dia 04/07, dia seguinte, Genoíno, que dizia apostar suas fichas na entrevista do Programa Roda Viva, chora no ar negando qualquer envolvimento com as denúncias.

Ao final da dura entrevista ainda lembrou que o PT, quando era oposição, nunca fez oposição radical, raivosa e extremada. Genoíno está na berlinda. Não há como negar que a saída de Dirceu criou a necessidade de outros afastamentos, até mesmo para responder melhor à crise. No dia seguinte, 05/07, é Delúbio quem pede afastamento, dois dias depois de Sílvio Pereira.

Novas frentes de batalha se abrem. De um lado, o governo consegue a aprovação da CPI mista do Mensalão, e sugere ligações entre Marcos Valério e Fernando Henrique, ao mesmo tempo em que avança para um acordo com o PMDB envolvendo pastas ministeriais, de outro lado, Roberto Jefferson diz que o esquema de caixa dois comandado pelo PT teria conexões com a morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André, e a oposição aprofunda os questionamentos sobre os investimentos de milhões de reais que a Telemar teria feito na empresa do filho do presidente.

Enquanto isso, e indo em busca da “paz”, Palocci e Thomaz Bastos seguem na direção do PSDB e do PFL com um novo tema na pauta: o fim da reeleição. Mas, mais uma vez Lula reage mal à ideia, e não era para menos, pois seria sua confissão de culpa.

No dia 09/07 mais um título de capa desastroso para o governo: “Petista é preso com R$ 437 mil em notas”. A Polícia Federal teria detido, no aeroporto de Congonhas, um assessor parlamentar de um deputado estadual do PT-CE, irmão de José Genoíno. Eram R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil na cueca. Previsível que no dia seguinte, 10/07, o título fosse: “crise tira Genoíno da presidência do PT”. Tasso Genro ficaria em seu lugar.

Cada vez mais o Planalto avança seu controle sobre o partido e faz valer a estratégia de afastar aqueles que estão mais diretamente envolvidos e se transformaram em alvos prediletos da imprensa. A manchete do dia seguinte, 11/07, retrata bem esse clima: “PT vai investigar ações de ex-dirigentes”. O momento é o de abandono de qualquer negação da crise e, mais que isso, de fazer alguns “reparos éticos”. Tenta-se confinar a crise ao PT e ao próprio PT caberá investigá-la. Numa reunião com sindicalistas, onde foi fortemente apoiado, o presidente desabafa[5]:
nós temos que ser honestos, porque isso simboliza, na verdade, os exemplos e as experiências que podemos passar para os nossos filhos, para os nossos netos e para os nossos bisnetos. Entretanto, no meio do caminho, sempre alguém pode cometer desvios, alguém pode cometer erros, alguém pode cometer desacertos. E isso acontece na nossa própria família, isso acontece na vila em que a gente mora, na rua em que a gente mora, na cidade. Eu, um dia desses à noite, peguei o telefone, 10 horas da noite, para ligar para o Pelé, para prestar solidariedade a ele por conta do acontecimento com seu filho, porque, certamente, uma figura extraordinária, uma figura excepcional como o Pelé, que tem as atividades que tem pelo mundo inteiro, de repente vê a notícia de que o seu filho está envolvido nessa coisa de tráfico, e chorar o tanto que ele chorou na televisão, pra quem é pai, sabe o quanto isso pesa e o quanto é importante a gente estender a mão e dizer: companheiro, nessa eu estou solidário a você. Apesar de ele ter feito muitos gols contra o meu Corinthians mas, de qualquer forma, nós temos que ser solidários na dor de um companheiro… Mas eu gostaria que vocês voltassem para casa com a certeza, com a mesma fé que vocês têm em Deus, de que não haverá, da nossa parte, nenhuma precipitação, nem para inocentar e nem para condenar… Eu nunca, na minha vida, fui de falar bem ou falar mal da imprensa. Eu quero que a imprensa seja livre, quero que a imprensa possa dizer o que ela bem entender, da mesma forma que eu acho que todo mundo tem que viver o que bem entender. Isto é democracia. A única coisa que eu quero é que todos nós sejamos responsáveis porque, se depender do Presidente da República, nós não vamos jogar fora esta oportunidade extraordinária que o Brasil tem, ao conquistar a respeitabilidade internacional, ao conquistar a respeitabilidade interna, e a começar a provar que é possível as coisas irem acontecendo no nosso país.
Mas, em seguida, o jornal comenta o episódio envolvendo indiretamente Genoíno e aproveita para insistir na questão do fim do patrimônio ético do PT, indo diretamente de encontro ao discurso de Lula no dia anterior[6].
Dando razão à máxima pessimista de que tudo pode piorar, a detenção, na sexta-feira, do assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil presos ao corpo, adicionou uma gota tragicômica à enxurrada de evidências de que o Partido dos Trabalhadores movimenta de maneira desassombrada recursos sem origem definida… A realidade é que o PT, tal como se apresentou ao país nos últimos anos, está liquidado. Já não existe aquele partido que, a despeito de divergências quanto às suas concepções ideológicas, conseguia sensibilizar o eleitor por parecer honesto. O máximo a que muitos em suas fileiras aspiram neste momento é demonstrar que o antigo campeão da moralidade não é o único a administrar recursos de caixa dois, alimentar o comércio parlamentar e se apropriar da máquina pública.
No dia 16/07, novo título de capa imperativo: “PT trabalha com caixa 2, diz Delúbio”. Diante de tantas acusações e, principalmente, com o vir à tona das malas de dinheiro, vai ficando muito claro que é praticamente impossível negar o uso de recursos não declarados para transações as mais diversas. 

E, nesse sentido, Marcos Valério e Delúbio, ambos, em depoimentos na Procuradoria Geral da República, admitiram que as empresas de Valério (DNA e SMPB) foram usadas como caixa 2 do PT. Valério divulgou uma nota, e também concedeu entrevista ao Jornal Nacional, afirmando que Delúbio era o responsável pelas operações, negou o mensalão e isentou Lula de qualquer conhecimento. No dia seguinte, Delúbio confirmou a versão de Valério e disse que todas as campanhas do PT operaram com caixa 2, menos a de Lula. O PT também se manifestou dizendo partir para a apuração imediata de todos os fatos.

A declaração do partido foi em rede nacional, de rádio e TV. Era mais uma tentativa de canalizar a crise. Ela já havia sido confinada ao PT, e agora, tratava-se de uma questão específica a ser apurada: o “caixa 2″. Nesse aspectos, todos concordaram e agiram simultaneamente. 

A declaração: (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1607200506.htm):
O Partido dos Trabalhadores vem dar satisfações à sociedade brasileira, aos seus eleitores e aos milhares de filiados de todo o Brasil. O PT é o resultado do sonho e da dedicação de muitos daqueles que desejam fazer do Brasil um país mais justo, mais democrático e mais ético. Por isso mesmo, a crise atual nos atinge seriamente. O PT só terá futuro se todos os fatos e denúncias que eventualmente envolvam o partido e alguns de seus militantes forem investigados até o fim, punindo-se os culpados com o maior rigor. E esse é o compromisso que assumimos publicamente. O Partido dos Trabalhadores vai tomar atitudes para garantir maior transparência para todos os seus atos e decisões. Assim como a maioria absoluta de seus filiados, o PT não teme a verdade. Ao contrário, só com a verdade iremos reencontrar o caminho original da ética, da justiça e da honestidade, que sempre foram a base de nossa história e do nosso sonho.
O PT assimila o golpe e inicia uma “agenda positiva”, como no exemplo de buscar soluções para o pagamento de suas dívidas. Surge uma espécie de varredura no partido, feita pelo próprio partido. As vozes governistas agora, vão no sentido de uma espécie de necessária “purificação” interna. A partir daí Delúbio e Valério passam a falar a mesma língua, a do uso de recursos não declarados para financiar despesas eleitorais. O fato é que a tese do caixa 2 vai ganhando espaço na luta simbólica e o título do jornal, no dia 17/07 é: “CPI suspeita de nova ‘Operação Uruguai”.

O próximo passo, nesse embate simbólico é se partir para declarações no sentido de que o uso de caixa 2 é “comum” nos processos eleitorais. Um exemplo está na declaração do então deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP): “Essa afirmação [do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares] só revela que em todo o sistema eleitoral e político brasileiro há uma grande hipocrisia. Ou seja, é sabido que o uso de caixa dois em campanhas eleitorais é uma situação usual, infelizmente” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1707200517.htm).

É uma declaração que pode ser o exemplo de uma nova fase que se inaugura na disputa simbólica. Passa-se não mais a discutir se as denúncias eram fantasiosas ou não, e assume-se que há um fato a ser investigado, circunscrito à questão do caixa 2. Nessa estratégia discursiva não há espaço para se discutir o suposto “mensalão”.

Nesse sentido, no mesmo dia em que Delúbio confirmou a declaração de Valério quanto ao uso de caixa 2 e que o PT divulgou sua “auto-crítica”, o presidente Lula, em Paris, concede uma entrevista que foi ao ar no Programa Fantástico, dia 17/07. Trata-se de um discurso emblemático e que marca definitivamente a nova fase da disputa[7]. Na apresentação da entrevista o programa da TV Globo faz ressalvas de que não teve interferência na escolha das perguntas e que comprou os direitos de exibição da entrevista.


Jornalista: Infelizmente, o Brasil atravessa uma nova crise política. Nós já atravessamos outras crises no passado, ligadas à corrupção. Eu queria saber o que você acha. Quando é que o Brasil vai se livrar definitivamente dessa doença, qual é a cura definitiva? Presidente: … tem um problema grave, porque toda vez que você combate a corrupção, ela aparece mais na imprensa e passa para a sociedade a impressão de que tem mais corrupção exatamente porque você está combatendo… as últimas pesquisas mostraram que o governo teve um crescimento na opinião pública. Isso significa que o povo brasileiro está sabendo distinguir bem o que é denúncia verdadeira, o que o governo está apurando e o que é peça de discurso de pessoas que querem fazer discurso… O Congresso Nacional tem uma CPI que vai funcionar até outubro, portanto, até outubro nós vamos ter ainda muita gente sendo ouvida, muita denúncia. Algumas serão verdadeiras, porque terão nomes, e aí você terá como investigar. Outras serão ilações que você, muitas vezes, não tem como investigar. Depois que a CPI terminar o trabalho dela, vai ter que mandar isso para o Ministério Público e o Ministério Público então vai decidir o que fazer com o resultado…

Jornalista: O senhor acredita que há males que vêm para o bem? Presidente: A minha tese é que nós precisamos aproveitar esse momento que está acontecendo no Brasil para sermos mais duros, para criarmos mais mecanismos de proteção do Estado brasileiro e vamos fazer. Goste quem gostar, doa a quem doer, nós vamos continuar sendo implacáveis na apuração da corrupção…

Jornalista: O senhor foi criador do Partido dos Trabalhadores. Impossível não associar a sua imagem à imagem do Partido. Hoje, ele comemora 25 anos e, infelizmente, está envolvido em todas essas denúncias de corrupção. Eu queria saber onde foi que o pai, Lula, errou? Presidente: … a minha tese é que o PT tem que explicar para sociedade brasileira que erros cometeu. Na medida em que o PT trocou a Direção, agora, tem uma nova Direção, e essa nova Direção está fazendo uma auditoria interna no PT, e o Tarso Genro tem esse compromisso, de explicar para a sociedade onde o PT errou, por que o PT errou, e como é que vai fazer para consertar aquilo que foi o erro cometido pelo PT. O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente. Eu acho que as pessoas não pensaram direito no que estavam fazendo porque o PT tem, na ética, uma de suas marcas mais extraordinárias. E não é por causa de um erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção. Eu acho que a nova direção do Partido saberá explicar para a sociedade o que aconteceu com o PT e o que vai acontecer daqui para a frente com o PT.

Jornalista: Mas Vossa Excelência estima que tem alguma culpa nessa crise do PT e do país? Presidente: Não. Já faz tempo que deixei de ser presidente do PT. Fui presidente durante três anos. Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar das direções do PT, não pude mais participar das reuniões do diretório do PT, e o PT tem muita autonomia com relação ao governo. E o governo tem mais autonomia ainda com relação ao PT. Eu acho que o PT teve um problema que é a questão da Direção…
O que sobressai dessa entrevista, claramente, é o seu roteiro perfeito. Perfeito no sentido das perguntas da jornalista serem absolutamente encadeadas de uma forma que permitiu ao presidente Lula expor sua posição de forma clara e organizada.

Aqui a “narrativização” enquanto estratégia de construção simbólica visando uma “legitimação” atinge seu ponto máximo. Ou seja, o presidente constrói uma versão completamente distinta do que vem sendo divulgado pela mídia. E, nessa sua versão, há uma “estória” a contar.

Por exemplo, a corrupção é naturalizada na história do Brasil; o governo em questão luta como nenhum outro contra esse mal; o presidente detalha como deve ser o procedimento das instituições: o Congresso apura e depois o Ministério Público decide o que fazer com o resultado; independente de tudo isso, o governo vai promover e mudanças necessárias para o aperfeiçoamento institucional; a culpa é do PT, mas não do partido, e sim da direção do partido; a direção do partido errou e tem que se explicar; errou em que? em fazer aquilo que sempre se fez no Brasil, mas como o PT é um partido ético ele tem que assumir o erro e explicar-se para a sociedade; o que o presidente tem a ver com tudo isto? Nada! A narrativização está completa, e o presidente inicia sua descolagem em relação ao PT.

Certamente o presidente não conseguiria uma entrevista assim em nenhum lugar do país. Poderia ter sido um discurso? Sim. Um pronunciamento em rádio ou TV? Sim. Mas a entrevista tem o dom de humanizar e de dar maior transparência ao entrevistado.

Nesse sentido, a entrevista funcionou como uma perfeita dupla de ataque funcionaria, ou seja, com três ou quatro toques, um passando a bola para o outro de primeira, até que a bola entre no gol. A escolha do presidente foi perfeita, tudo saiu correto, até a Globo decidiu comprar o material e exibi-lo nacionalmente, mas e seu impacto? No dia 19/07, em seu editorial, o jornal vem com uma pesada crítica ao governo[8].
As recentes declarações do publicitário Marcos Valério e do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, bem como a entrevista que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu em Paris, estão sendo recebidas por analistas e políticos de oposição como o que de fato são: peças de uma linha de defesa orquestrada com vistas a circunscrever o escândalo de corrupção envolvendo membros do governo e de seu partido a um crime eleitoral.
O que o jornal denuncia é que todas estas declarações fazem parte de algo muito bem “orquestrado” para transformar crimes de corrupção em “crimes eleitorais” e com culpados bem localizados: a direção do PT, com o auxílio de Marcos Valério. O que estamos vendo é uma estratégia governista muito incisiva no que diz respeito a impor uma discursividade. Fica muito claro o embate simbólico com o jornal.


Continua...

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[1] ”A cada dia mais grave”, 30/06, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3006200501.htm
[2] Discurso do Presidente da República na cerimônia de posse do Procurador Geral da república, Antônio Fernando Barros e Silva, 30/06/2005, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[3] ”Fantasias do tesoureiro”, 02/07/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0207200501.htm
[4] Discurso do Presidente da República no ato político de celebração aos 15 anos do Foro de São Paulo, 02/07/2005, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[5] Discurso do Presidente da República no encontro com sindicalistas, Palácio do Planalto, 11/07/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[6] ”Danos irreversíveis”, 12/07/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1207200501.htm
[7] Entrevista do Presidente da República à jornalista Melissa Monteiro (TV Francesa) em Paris, Paris-França, 15/07/05 e exibida no Programa Fantástico em 17/07/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[8]“Verdade e Mentiras”, 19/07/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1907200501.htm

O Escândalo do Mensalão V - Dirceu cai e Lula vai em busca do apoio do PMDB (dias 16 a 28.06.2005)

Apesar de José Dirceu ter sido lançado ao centro do escândalo, o governo consegue o “controle” sobre a CPI. Sobre isso o jornal se posicionou da seguinte maneira[1].
Depois do depoimento do deputado Roberto Jefferson no Conselho de Ética da Câmara ... veio a ser finalmente instalada a CPI dos Correios. E o foi à feição do governismo, que conseguiu conquistar a presidência e a relatoria da comissão. Sendo assim, aumentaram as chances de que se instaure no Legislativo um inquérito chapa-branca – ou seja, circunscrito às conveniências do governo ... [mas] Por mais que o governismo pretenda amesquinhar as apurações, parece muito difícil impedir que durante o inquérito o caso dos Correios se encontre com o do “mensalão”. Talvez por confiar em sua capacidade de controlar a situação no jogo miúdo da CPI, o governo reaja como se estivesse em outro planeta … Reações desse tipo, em tudo dissociadas do clima de perplexidade que toma o país, não ajudam o governo a recobrar sua credibilidade. 
Para o jornal, não basta mais que a CPI se confine a seu objetivo primário que era a investigação de corrupção nos Correios, afinal, novas denúncias surgiram com Jefferson e a secretária de Marcos Valério. O pior, entretanto, para o jornal, é que o governo parece não acompanhar o clima de “perplexidade” que toma conta. O jornal, portanto, se utiliza de um argumento de que o país está perplexo para exigir um comportamento de tipo diferente por parte do governo. Ou seja, busca reforço numa ideia de "totalidade", para pressionar o governo no sentido de apoiar a CPI.

Mas, em que pese declarações governistas de naturalidade e calma, na realidade, o impacto sobre o governo foi muito forte. Ainda no dia anterior o presidente se reunira com o ministério para avaliar a situação que ficou ainda mais grave. Enquanto isso, no Senado, buscando uma medida política de impacto na mídia, a bancada do PT pede o afastamento de Delúbio Soares. Seria uma tentativa de preservar o partido e o presidente Lula dos efeitos da crise. Por seu turno, o presidente deu a seguinte declaração[2]:
Nós já dissemos aqui, inúmeras vezes, que fomos eleitos para criar um novo ciclo de desenvolvimento para este país. Eu sei que isso deixa muita gente nervosa, porque tem gente que gostaria que as coisas não tivessem dado certo e que o Brasil estivesse hoje totalmente quebrado como esteve duas vezes antes de nós assumirmos… Eu tenho dito, todo santo dia ... eu quero que o meu governo seja aferido a partir do dia em que ele terminar. Aí, podem fazer comparação com todos os outros que vieram antes de nós.
No discurso, sempre quando agradecia a alguns companheiros mais importantes para a aprovação da MP, referia-se a Dirceu como um deles. Não há dúvida que, de alguma forma enaltecia o Ministro pelos serviços prestados tentando colar sua credibilidade em José Dirceu. Mas, sem dúvida, destaco aquilo que passaria a ser algo sempre presente nos discursos do presidente, principalmente nos contextos eleitorais: as comparações com o governo de Fernando Henrique.

Além disso, é sintomático o “pedido” que o presidente faz em só ser julgado ao final de seu mandato. Claro que estava se referindo à recente pesquisa do Datafolha sobre sua popularidade mantida em bons níveis, mas implicitamente o recado é outro: “não me coloquem no meio dessa crise”.

Dessa forma, então, no discurso presidencial o que vemos é o recurso à “diferenciação” (sua em relação ao governo FHC), seguida de uma tentativa de “universalização”, ou seja, de apelar a uma atuação (do próprio governo) que estaria se dando em prol de “todos”. Daí o editorial do jornal falar em “dissociação” do governo em relação à realidade, justamente pelo fato do discurso governamental não responder de forma direta ao acontecido e preferir “desviar” e falar de algo que lhe enaltece e diferencia.

É essa dissociação que marcará boa parte dos discursos presidenciais a partir daí, tendo sempre como base um “chamado” à comparação entre o governo Lula e o governo FHC. Com essa estratégia dominante, nestes momentos iniciais, o governo tenta se dissociar da realidade, ou melhor dizendo, da crise política instalada pelas denúncias de Roberto Jefferson.

No Congresso, o governo, por votação apertada, consegue a presidência e a relatoria da CPI. Mas, se no “jogo político” com os oposicionistas na CPI o governo vai obtendo “pequenas vitórias”, no confronto com as acusações vindas de Roberto Jefferson é flagrante a derrota do governo. No dia 17/06, dois dias depois de Jefferson intimar José Dirceu a deixar o cargo, o ministro cai. O título de capa é: “Mensalão derruba José Dirceu”, na mesma página uma evidência da preservação de Lula. Outra manchete anunciava: “Nova denúncia não piora avaliação de Lula”. Ainda não havia chegado o pior momento para o presidente. Vejamos como o jornal comentou a saída do ministro[3].
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou ontem o período de discursos, evasivas e tiradas futebolísticas para, finalmente, tomar decisões com vistas a enfrentar a crise política. Foi anunciado o pedido de demissão do ministro da Casa Civil, José Dirceu, que passará a atuar na Câmara dos Deputados … Com a demissão, o Planalto dá início a um necessário rearranjo de sua face política. 
Com a aceitação da renúncia de Dirceu pelo presidente o jornal avalia como positiva a medida no sentido dela efetivamente atender à realidade. E, como o presidente ainda mantém razoável credibilidade junto à opinião pública, o jornal espera que ele realmente parta para medidas concretas como uma reforma ministerial no sentido de recompor-se diante da crise.

Mas, o que significou a saída de Dirceu? Não se trata de uma simples saída de um ministro. É algo bem maior. José Dirceu foi sempre o principal estrategista da corrente interna do PT que levou Lula ao poder, seja defendendo uma inflexão ao centro seja criando pontes com diversos outros atores políticos. A raiva de Roberto Jefferson e a ironia quando intimou Dirceu a sair do ministério tinha um sentido muito claro. Dirceu foi o engenheiro responsável pela engrenagem responsável por conquistar e manter uma base aliada no Congresso Nacional. Era preciso chegar até ele.

E foi o que Jefferson fez. O ministro agora volta para a Câmara dos Deputados, e por lá a disposição para uma boa recepção praticamente não existem. E, por seu lado, o presidente realmente não fica parado. Ele já inicia conversas no sentido de promover mudanças no ministério. O primeiro passo, e mais natural, diz respeito à Casa Civil, e já no dia seguinte, 18/06, o título de capa do jornal afirma: “Lula convida Dilma para a Casa Civil”, e o jornal se posiciona assim[4]:
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria inclinado a nomear alguém com características mais gerenciais do que de articulador político … É possível que a mudança ministerial venha também a extinguir a pasta da Coordenação Política, tarefa que seria transferida para o Congresso, a “planície”… Certo é que neste “novo” governo o PT perderá força e o PMDB ganhará mais espaço – em mais uma clássica operação na qual essa legenda, verdadeiro condomínio fisiológico de agrupamentos políticos, é convocada para assegurar a “governabilidade” de um Executivo em crise. Trata-se simplesmente de administrar a crise, esperando que a CPI dos Correios não venha a produzir novos escândalos – que poderiam ser fatais. Mais do que nunca, as perspectivas do governo para 2006 ficarão na dependência de bons resultados econômicos. 
Este editorial é muito significativo, pois antecipa alguns rumos que se revelariam decisivos muito em breve. Realmente a troca na Casa Civil significou uma inflexão na mobilidade política do governo junto ao Congresso Nacional. Algo como, um recuo tático da figura do Executivo sobre o Legislativo. Isso era necessário para manter-se razoavelmente afastado dos focos principais da crise.

Mas, no futuro, esta inflexão será compensada por uma espécie de “monopólio” da política nas mãos do próprio presidente. O recurso ao apoio do PMDB também é antecipado pelo jornal e sabemos como o apoio do partido foi gradativamente decisivo para Lula, a ponto de indicar o vice-presidente na chapa da atual presidente do país, Dilma Rousseff. Por outro lado, o editorial também fala da importância da política econômica, e veremos, mais tarde, como o debate sobre a política econômica do governo e o papel específico de Palocci terão um significado muito interessante para o “esfriamento” do escândalo do mensalão.

Então, qual o significado de Dilma na Casa Civil? De início, menos política e mais gerenciamento. Foi um “choque de gestão” nas palavras de Lula. O presidente também dá indícios de que a Coordenação Política poderá ser extinta. O momento é de grande inflexão “política” para o Executivo. A política do Executivo está sob ataque e será preciso repensar os modelos que, até então, vinham sendo testados. Neste momento, Jefferson está se licenciando da presidência do PTB e voltou a se referir a Dirceu como o comandante do “maior esquema de corrupção” dos últimos anos.

Em resposta, por exemplo, a ex-prefeita Martha Suplicy engrossa o coro dos que apontam para uma “conspiração” e disse haver uma tentativa de “linchamento” do partido, um clima de “macartismo”. Mas, o fato é que denúncias proliferam por todos os lados e o partido, na impossibilidade de oferecer respostas tão rapidamente às acusações parece reunir tudo sob o guarda-chuva da tese da “conspiração”. Gradativamente, estamos vendo a postura de “negação”, por parte do governo, e chamada de “dissociação” pelo jornal, começar a dar lugar a uma resposta concreta e cada vez mais preponderante: “golpismo”.

No PT, entretanto, a manutenção de Delúbio, que vinha sendo criticada, foi mantida, tentando-se evitar uma espécie de “efeito dominó” que desse força a um suposto conluio da direita (PSDB e PFL) contra o governo Lula. No dia 19/06 o título de capa vai nessa direção: “Dirceu evita expurgo na cúpula do PT”. Na realidade, essa postura da cúpula do PT é um desafio aos próprios críticos internos do partido. Delúbio e Sílvio Pereira foram bancados por José Dirceu na reunião do Diretório Nacional. Paralelamente, o jornal segue na sua postura investigativa, seguindo, principalmente, a linha que leva às operações de Marcos Valério.

Ainda neste dia o jornal trás a posição de vários intelectuais petistas sobre a crise. Há uma provocação inicial: “onde estão os intelectuais petistas?” questiona a reportagem[5]. De acordo com a matéria predomina um “silêncio” a respeito da crise. Na palavra de alguns dos entrevistados sobressaem as palavras “mal-estar instalado” (Olgária Matos), “incômodo” (Francisco de Oliveira), “dispersão” (Cesar Benjamin), “decepção” (Aziz Ab’Saber). De fato, a reportagem é uma mistura de constatação e provocação.

Nesse momento, o governo Lula já trabalha com a ideia de não só dar um perfil gerencial à Casa Civil, como também dar maior sustentabilidade à sua base de apoio atraindo o PMDB para perto. A ideia é uma mini-reforma ministerial para acomodar o partido.

Como já sabemos o PMDB, na realidade, nunca é tão coeso enquanto partido, então, já existe uma ala governista capitaneada por Renan Calheiros, presidente do Senado, e José Sarney, só esperando um aceno de Lula para ir em busca da ala oposicionista no PMDB. Seria uma aliança, na visão do governo, já com o objetivo de manter o partido forte para as eleições de 2006. O PMDB já possui as pastas das Comunicações (Eunício Oliveira) e da Previdência (Romero Jucá) e a intenção do governo é dobrar esse espaço.

No dia 21/06, em editorial, o jornal reage à tese de “conspiração” (golpismo) que começou a ser difundida pelo governo e pelo PT[6].
Na reunião de seu diretório nacional, no último sábado, o PT aprovou um documento em que tenta se defender das acusações de corrupção e manifesta solidariedade ao ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu … Mas, em seu empenho em atribuir a crise a uma “inescrupulosa campanha” que visa a desmoralizá-lo, o documento é mais um indício da desorientação com que os dirigentes petistas têm reagido à crise. O documento sustenta que as denúncias são fruto de uma “campanha patrocinada por setores da oposição e pela direita”. Adiante, anuncia que não aceitará acusações de setores ansiosos por “desmoralizar a esquerda, seus valores e seu projeto histórico”… Em que pese o delírio da suposição, o fato de o PT corroborá-la exige que se reforce o óbvio. Ou seja, em primeiro lugar, que as invectivas partiram de um aliado do governo, e não da oposição. Se Jefferson é representante de uma direita retrógrada, ninguém sabia disso melhor que o PT. Em segundo, não faz sentido pensar numa conspiração da “classe dominante” por um motivo simples: nenhum de seus interesses foi contrariado. Ao contrário, o PT repete a política econômica da gestão anterior e tem recebido renovados elogios do sistema financeiro. Por fim, lideranças do PSDB têm procurado, como o PT não desconhece, evitar que a crise se traduza em desestabilização do governo.
O jornal está num claro acompanhamento das ações do governo e diz que a tese de uma suposta “conspiração” é um dado da irrealidade com que vários setores governistas tratam a questão, e levanta argumentos.

O fato é que, seguindo a estratégia governamental e do PT algumas entidades e movimentos sociais, como o MST, a UNE e a CUT, lançam a chamada “Carta ao Povo Brasileiro” denunciando o “golpismo” de setores da direita contra o governo Lula, dado o caráter “vazio” das denúncias. A CNBB é consultada mas não assina a carta, e vários intelectuais ouvidos pelo jornal, por outro lado, rejeitam o “clima de golpismo” como se fosse uma ideia exclusiva do PT.

Uma tese parece ser comum a todos esses intelectuais (Luiz Werneck Vianna, Fernando Limongi, Maria Dalva Gil Kinzo, Leôncio Martins Rodrigues): o PT está ameaçado pelas denúncias e se blinda criando a tese de conspiração, afinal de contas, críticas e denúncias fazem parte do jogo político, como bem o mostrou o caso de Collor, cujo impeachment foi menos o resultado de investigações que de pressões populares e críticas da imprensa.

Este é o jogo político, portanto, jogado na arena dos conflitos pela conquista do espaço político e pelo capital simbólico. É nesta dupla arena que se dá o embate. O “golpismo”, portanto, é uma estratégia discursiva que serve bem como uma das principais munições nesse estágio de uma guerra que é, a cima de tudo, simbólica.

De fato, até este momento, o que se percebe no comportamento da oposição, principalmente quando o clima “esquenta” demasiadamente é por “panos quentes” em certas apurações e críticas. Talvez mesmo pressentindo o quanto levantar o tapete do jogo político pode significar um desastre bem maior do que as aparências indicam.

Afinal, durante as investigações vários foram os indícios e depoimentos no sentido de que a prática da “compra” de parlamentares e de partidos é bem antiga, e de forma alguma restrita ao plano federal. Neste caso, já saímos do terreno do jogo pelo poder político (criou-se uma espécie de “limite” para o embate) e entramos no terreno da luta pelo capital simbólico, onde a publicização e as palavras adquirem uma importância demasiadamente maior que qualquer fato ou investigação. Daí a importância dos discursos midiático e político, principalmente o presidencial.

Mais à frente, veremos como foi decisivo para Lula, ir, cada vez mais, para a linha de frente do embate, na tentativa de contrapor ao discurso midiático investigativo e da oposição o seu discurso governista. Assim, é neste terreno da luta simbólica que o presidente Lula e o PT disputam arduamente quando levantam a tese da “conspiração”. A questão central passa a ser a sobrevivência do partido e do governo.

No dia 22/06 o jornal estampa em seu título de capa: “Ninguém é mais ético que eu, diz Lula”. Certamente uma resposta ainda mais forte do presidente à crise política que já chegou à sua ante-sala. Vejamos alguns pontos deste discurso presidencial decisivo para trazer Lula para ainda mais perto do centro do campo de batalha[7].
Eu quero dizer para vocês que, de vez em quando, você é pego de surpresa com notícias que nenhum brasileiro gostaria de ser pego, sobretudo quando se trata de corrupção. De vez em quando eu fico me perguntando se é isso mesmo que as pessoas querem, porque se as pessoas querem combate à corrupção, as pessoas deveriam estar, todas, sobretudo as que estão acusando, aplaudindo o governo. Porque na história republicana ... nenhum governo fez, contra a corrupção, 20% do que estamos fazendo. Nenhum governo fez… Verdade. E a imprensa cumpre um papel extremamente importante em denunciar as possíveis mazelas que existem em qualquer lugar do país ... O que não pode é o governo ficar correndo atrás de denúncia vazia. Se tem denúncia contra a atuação do Congresso, é um problema do Congresso Nacional … Que criem quantas CPIs quiserem criar. Agora, o que não pode é, por conta de insinuações ou ilações, você deixar de cumprir com o papel do próprio Congresso Nacional, que é votar as coisas que o Brasil tem interesse … Eu digo uma coisa para vocês, meus companheiros, eu digo todo dia isso, já disse na televisão, que é o seguinte: eu sou filho de uma mãe analfabeta e pai analfabeto. Minha mãe morreu sem saber escrever um “o” com um copo. E determinadas coisas a gente não aprende na universidade, a gente não aprende na política, a gente não aprende na rua, a gente aprende dentro de casa. Vergonha na cara a gente aprende é dentro de casa… e, se é para fazer, ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que eu para fazer o que precisa ser feito neste país.
É uma fala “dura”, onde o presidente mais uma vez marca posição em colocar-se como o governo de maior combate à corrupção, enaltece o papel investigativo da imprensa, mas diz que não pode ficar parado esperando que uma CPI comprometa o pleno funcionamento do Congresso Nacional. Se, portanto, o governo ver com maus olhos a CPI é porque ela “atrapalha” a votação daquilo que é “importante” para o país.

Além disso, o presidente traz à tona aquele que seria o seu maior patrimônio: a autoridade moral e ética. Este é um momento decisivo, pois é mais um passo em direção ao seu descolamento em relação à crise, pois, se há crise e há corrupção, o que o presidente tem a ver com isso? Esse é o raciocínio, simples e que tem grande possibilidade de introjeção nas camadas mais populares.

Aqui, neste discurso os recursos à “narrativização” são extensos. “Estórias” são contadas, personagens do cotidiano surgem, enfim, apelos bastante populares são utilizados para reforçar um sentimento de “pertença”, uma ligação estreita entre o presidente e o homem comum. É nesse enredo que o presidente conta a história da corrupção no Brasil, e delimita aquilo que seria a sua maior defesa contra as acusações: a história de pobreza, preocupação com o trabalho, e honestidade de um homem comum.

Enquanto isso, as sessões da CPI começam com os depoimentos. Gradativamente, tais sessões vão se transformando em um espetáculo à parte dada sua visibilização. Mas, gradativamente, também, a população irá perdendo o interesse pela disputa neste terreno, o da disputa pelo poder político, o da investigação, o dos depoimentos e busca de provas. Gradativamente, a população irá se concentrando, cada vez mais, no terreno da luta simbólica. Afinal, é um terreno de alcance maior, mais facilmente assimilável e, onde, de fato, a política se constitui quando quer o apoio da população para alguma finalidade. A palavra e o discurso ainda são decisivos para o jogo político.

Neste novo contexto simbólico onde o presidente está “chamando a briga” para si surgem situações muito interessantes. De um lado, o presidente inicia uma “agenda positiva” junto a artistas, movimentos sociais e outras personalidades, sempre em busca de aumentar seu capital simbólico (respeitabilidade, credibilidade).

Ao lado disto, o presidente vai dando sinais de que precisa chamar o PT para uma “conversa”. E, paralelamente, temos discursos, como o do ex-presidente Fernando Henrique dizendo que o presidente deve manter as investigações justamente para “saber com quem andava” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2306200528.htm).

Parece ficar claro que não há um interesse real em que a crise chegue a um ponto de efetivamente ameaçar o poder de Lula. Setores da oposição já vinham dando sinais nesse sentido, como no caso em que o STF já havia fornecido condições para a reabertura da CPI dos Bingos, mas a oposição no Senado acordou com o governo para enterrar tal possibilidade.

Mas o que se quer, então? O que fica mais claro é um desejo de enfraquecimento do capital simbólico de Lula, ferindo-o através de sua estreita vinculação com o PT, já bem machucado até então. Fazer o presidente “curvar-se” seria uma estratégia bem mais interessante para a oposição que não tem cacife para bancar uma movimentação popular para uma possível retirada do presidente, e nem se interessa em ficar com o ônus de ter ameaçado “tirar” o presidente do poder.

Não podemos esquecer que algumas pesquisas de opinião foram feitas e a popularidade de Lula não despencou como muitos esperavam. Pelo contrário, está ganhando fôlego, está aprendendo a ir ao campo de batalha “sozinho”. Em mais um discurso, o presidente reforça sua perplexidade com a situação, e o tema não poderia ser mais direto: corrupção[8].
o corrupto deve ser sempre punido, e sempre de forma exemplar. Seja ele quem for, venha de onde vier, seja adversário ou aliado. Como todos sabemos, a corrupção é uma doença antiga. Mas … se tem um governo que tem sido implacável no combate à corrupção, desde o primeiro dia, é o meu governo… Isso pode até dar a falsa impressão de que a corrupção tem aumentado, quando, na verdade, o que aumentou, e muito, foi o combate à corrupção e, em decorrência disso, aumentou naturalmente a quantidade de prisões e ações da polícia federal, que aparecem quase todos os dias na televisão e nos jornais … O Brasil tem maturidade para corrigir seus próprios erros. Além disso, feliz do país que tem uma imprensa livre e democrática que a tudo pode acompanhar, fiscalizar e investigar. Sou daqueles que acreditam que a verdade sempre prevalece, mais cedo ou mais tarde… Tenho apenas dois anos e meio de governo, dois anos e meio, e durante esse pouco espaço de tempo, muita coisa já mudou neste país. A economia está em ordem, as exportações continuam crescendo, o risco Brasil continua caindo, o comércio e a indústria continuam empregando, e uma grande quantidade de projetos sociais se estende por todo o território nacional… O meu objetivo é claro: fortalecer o país, proteger os brasileiros mais pobres e fazer crescer a economia.
O pronunciamento é uma síntese de discursos e falas que vinham sendo divulgadas nos últimos dias, e o eixo do discurso não se altera: um homem do povo chega ao poder e tem grandes tarefas, como o combate à corrupção e a proteção aos mais pobres. A novidade neste discurso é o surgimento da ideia de “proteção” aos pobres que, mais tarde, com a expansão dos programas sociais e a ascensão do tema ao lugar máximo no discurso presidencial vai proporcionar bons debates acerca de um possível caráter populista do presidente.

Mais uma vez, também, o presidente faz a defesa da liberdade de imprensa. Chegou a dizer: “feliz do país que tem uma imprensa livre e democrática que tudo pode acompanhar, fiscalizar e investigar”. Mas, a direção maior do discurso é clara: descolar a imagem do presidente de qualquer problema político. Já não se trata sequer de negar a existência de crise política, mas sim de dizer que esta crise não é do presidente. É do Congresso, dos corruptos.

Mas, esse clima de fortalecimento simbólico não contamina o ex-ministro José Dirceu, que passou a “inflamar” a animosidade de militantes e movimentos sociais, falando em uma “inescrupulosa campanha” para derrubar o presidente Lula e, indo na contra-mão do discurso presidencial, associa a mídia como aliada das elites no “golpe branco” contra o governo de esquerda.

Ainda é um momento em que cabe ao PT “bater” e levantar a tese do “golpismo”, enquanto ao presidente cabe descolar-se e, com isso, confinar a crise no menor espaço político possível. Quanto à essas instigações, o editorial do jornal, no dia seguinte, 24/06, vai se posicionar da seguinte maneira[9]:
Na noite de terça-feira, uma equipe de reportagem da TV Globo foi agredida por três homens em frente à sede do PT, no centro de São Paulo. Segundo a polícia, um deles teria sido responsabilizado criminalmente pela depredação da fachada do Congresso Nacional, em agosto de 2003, durante os debates da reforma da Previdência ... o episódio inspira uma reflexão acerca do ambiente de animosidade que se vai fomentando com algumas reações equivocadas de militantes e dirigentes do PT às denúncias de corrupção. Coube ao deputado José Dirceu, ao ver-se obrigado a sair da Casa Civil, reavivar um vocabulário de combate e soar os tambores da mobilização dos movimentos sociais contra o que parte do petismo quer caracterizar como uma “inescrupulosa campanha” para derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao conclamar a militância às ruas, Dirceu, escoltado pela direção do partido, endossou a tese estapafúrdia de que a “mídia”, aliada a representantes das elites, estaria envolvida num “golpe branco” contra um governo “de esquerda”. A mensagem, conveniente e de fácil assimilação no tosco universo do baixo clero petista, é um inadequado e perigoso estímulo ao confronto. Mais grave ainda, a disseminação da idéia de que a imprensa patrocina tal espécie de trama é uma inaceitável tentativa de desqualificar o trabalho jornalístico e criar um clima intimidativo ao exercício da liberdade de expressão.
Como se vê, o jornal reage muito duramente não só às agressões físicas mas, principalmente, às agressões morais que sofre a “mídia”, associada às “elites” num suposto “golpe branco” contra a esquerda. Mesmo sem discutir o assunto, o editorial traz um tema relevante neste momento e que permeia grande parte dos discursos do PT: a ideia de que o golpe é contra a chegada ao poder de um partido de esquerda.

É um tema, certamente, que não resiste às análises, pois como já vimos no início o Lula e o PT que chegam ao poder não são o mesmo de seu início. Eles já têm a benção do chamado grande eleitor médio brasileiro. Não haveria razão de ser para este discurso. Mas, ao mesmo tempo, para a militância e os movimentos sociais e sindicais, ele tem uma força aglutinadora, pela identificação histórica. A prova disto é que nenhum grande movimento popular veio à tona neste momento, configurando mesmo a batalha política dentro dos limites da luta simbólica.

Neste mesmo dia, uma notícia que já a alguns dias se aguardava. No título de capa do jornal “Lula negocia reforma com o PMDB”. A conjuntura se revela muito interessante. Lula não está enfraquecido. Cancela viagens e chama o PMDB para conversas. Planeja fazer uma ampla reforma ministerial. Não quer saber de ministros que serão candidatos em 2006. Não quer a politização da política econômica.

No dia seguinte, o título de capa dá continuidade ao tema: “Lula oferece 4 ministérios ao PMDB”. Ora, como nem só de capital simbólico vive um presidente, a intenção de uma reforma política no ministério começou a dar frutos essencialmente políticos. Foram 4 ministérios de peso oferecidos ao PMDB: Minas e Energia (pedido pessoal de Sarney), Integração Nacional, Saúde e Cidades. O PMDB pediu alguns dias para pensar.

O fundamental nesta estratégia é aumentar a proteção do governo no Congresso Nacional onde o jogo político, no sentido estrito, se dá. Foi significativo o depoimento de José Genoíno, tentando minimizar críticas pela aliança, ao dizer que a aproximação com o PMDB não fere as ligações do PT com os movimentos sociais e faz parte do jogo democrático. Para alguns críticos seria o início da “sarneyzação” do governo Lula para muitos militantes da esquerda, seria uma “despetização” do governo. O que dá mais ou menos no mesmo. Sobre este tema, o jornal, no dia 27/06, trás o seguinte em seu editorial[10]:
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com o presidente do PMDB, Michel Temer, e com o senador Renan Calheiros para definir a participação da legenda no governo. Em entrevista coletiva, Temer declarou que o presidente fez um “apelo” para que o PMDB continuasse colaborando com a “governabilidade” ... O presidente do partido condicionou a participação na reforma a uma manifestação de Lula sobre a necessidade da aliança (o “apelo” a que se referiu Temer), pediu os quatro ministérios já prometidos, voz ativa nas decisões do governo e mais consideração aos pleitos de seus governadores. Além disso, a sigla não quer que o Planalto interfira em seus assuntos internos, especialmente na definição da candidatura para 2006. Ontem, no entanto, governadores e caciques como Orestes Quércia colocaram obstáculos à proposta de “coalizão” do Planalto. Com isso, o governo pode ser forçado a ampliar as suas concessões, tornando-se ainda mais refém de forças conservadoras. Essa parece ser a única perspectiva para melhorar suas condições políticas num momento em que precisa reduzir as áreas de atrito a fim de se defender das denúncias de corrupção. Cada vez mais, o governo petista se parece com outro qualquer.
Em outro editorial, no dia 29/06, o jornal comenta outros aspectos da relação do governo com o PMDB[11].
O naufrágio do que seria uma “coalizão” com o PMDB para governar o país, poucos dias depois de o presidente da República ter prometido ministérios e posado ao lado de caciques do partido, evidencia mais uma vez o desastre da articulação política do governo e sua inépcia quando se trata de tomar decisões importantes em tempo adequado. Desorientado e lento, o Planalto deixa-se atropelar pelos acontecimentos, (...) Não tardou para que governadores e líderes do PMDB recusassem a oferta, enterrando a “coalizão”. Antes de expor-se ao fiasco, o presidente Lula precisaria ao menos ter obtido mais garantias sobre as perspectivas da negociação com o PMDB (…) Ás vezes tem-se a impressão de que Lula acredita que sua figura e suas palavras possuem poderes encantatórios, capazes de transformar a realidade sem a necessidade de que nela se exerça a ação humana do trabalho.
O jornal levanta a tese da “fragilidade política” do governo, sua incapacidade e falta de inteligência em recompor sua base. Mas, traz algo que se revelaria profético: a denúncia de que o presidente Lula acredita que sua figura e suas palavras encantariam a ponto de transformar a realidade. Mas, é justamente isso que vai se revelar após o pior da crise do mensalão passar.

Gradativamente, os temas internos oriundos das investigações e depoimentos na CPI vão ganhando espaço na mídia. É o momento em que outros personagens, mais próximos ao núcleo “político” da crise vão se sobressair, como veremos a seguir. Os principais "lances" desse momento podem ser resumidos assim:

CONTRA-ALEGAÇÃO (governo)

Acuado, o governo não assiste passivo à queda de Dirceu. O presidente fala, de imediato, em uma reforma ministerial. O alvo principal é o PMDB, e o objetivo maior, fortalecer sua posição no Congresso Nacional. Simbolicamente, o que busca é mostrar capacidade de dar continuidade ao governo. O primeiro exemplo vem com a escolha de Dilma para a Casa Civil. Lula fala em “gestão técnica”, como se quisesse “tirar a política da 1ª cena”. Há uma inflexão da política, numa tentativa de se “escapar” à ela neste momento.

Incremento da contra-alegação - Em seu discurso, no PT, Dirceu atribuiu os ataques às “forças políticas sociais e conservadoras da direita”, sem dúvida uma conclamação à união do partido diante dos adversários. O partido resiste a “entregar” Delúbio e Sílvio Pereira. O governo e o PT lançam a tese da “conspiração” da direita, um “golpismo branco”.

NOVAS ALEGAÇÕES

O jornal avança nas investigações sobre as operações de Marcos Valério e trás uma forte matéria que aponta para um ”abandono” do PT por parte de sua “intelectualidade”. O PT, mais do que qualquer nome em específico, parece agora estar no centro das atenções.

Incremento da contra-alegação - Lula praticamente “chama a briga para si” e entra em cena a questão “ética” – o maior patrimônio acumulado historicamente pelo PT e pelo presidente. Fala de “bobagens” e desqualifica as acusações. E traz o clima de reeleição para o jogo, dizendo que a oposição está com medo de perder novamente. A oposição, por seu lado, também não avança em sua “sede” de atingir o presidente. Lula oferece mais 4 ministérios ao PMDB na busca de apoio político para sair da crise.

Continua....

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[1] ”CPI Chapa Branca”, 16/06/05, dicponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1606200501.htm
[2] Discurso do Presidente da República na cerimônia de assinatura da MP de Desoneração Tributária e de Estímulo ao Desenvolvimento e ao Investimento, Palácio do Planalto, 15/06/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[3] ”A Queda de Dirceu”, 17/06/05. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1706200501.htm
[4] ”O “Novo” Governo”, 18/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1806200501.htm
[5] ”O Silêncio dos Inocentes”, 19/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1906200518.htm
[6] ”Fantasia Conspiratória”, 21/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2106200501.htm
[7] Discurso do Presidente da República na abertura do Congresso da União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária, Luziânia-GO, 21/06/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[8] Pronunciamento à nação do Presidente da República em cadeia de rádio e TV sobre medidas do governo para o combate à corrupção, 23/06/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/
[9] ”Agressões Perigosas”, 24/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2406200501.htm
[10] ”Nos Braços do PMDB”, 27/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2706200501.htm
[11] ”Desastre Político”, 29/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2906200501.htm

O Escândalo do Mensalão IV - Nova entrevista de Roberto Jefferson coloca o PT no centro do escândalo e a crise chega no colo de José Dirceu (12 a 15.06.2005)



No dia 12/06, o título de capa da Folha de S. Paulo anuncia: “Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de estatais e empresas, diz Jefferson”. Em nova entrevista ao jornal, a segunda, na noite de sexta-feira, o deputado Roberto Jefferson revelou mais detalhes sobre o funcionamento do esquema do mensalão. Ele já havia falado das mesadas de R$ 30 mil a deputados da base aliada, e agora diz que o dinheiro vinha de estatais e de empresas privadas. 

Fala em “malas” que eram distribuídas em ações comandadas pelo tesoureiro do PT Delúbio Soares que, por sua vez, contava com a ajuda de “operadores”, como o publicitário Marcos Valério e José Janene (PP-PR). Na entrevista, ele aproveita para negar que tenha algo que comprometa diretamente o presidente Lula, mas não isenta o PT de nada, principalmente nas figuras de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira. 

Conhecido por frases impactantes, o deputado, sentindo-se cada vez mais ameaçado, e sozinho, daí talvez a razão principal desta sua segunda entrevista, diz: “se fizerem algo comigo, cai a República” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1206200508.htm).

Em nenhum momento Jefferson apresenta provas, mas seu relato é muito forte, contundente e direto, faz acusações, dá novos nomes, como o de Marcos Valério, e explica o funcionamento do esquema. Talvez tenha sido esta sua veemência que levou o jornal, através de editoriais, comentaristas e debatedores, a tecer fortes críticas ao governo. Foram dois os editorias, somente neste dia, tratando do mesmo assunto. No primeiro editorial o jornal comenta a disposição do presidente Lula com relação à reforma política.
Ao reagir às denúncias sobre casos de corrupção em seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recolocou na agenda nacional a reforma política, que chamou de “palavra mágica”. Não há dúvida de que o sistema político-partidário brasileiro precisa de correções. O Planalto, porém, parece inclinado a ver no debate da reforma uma ocasião para desviar as atenções, transferindo responsabilidades do governo e do PT para as deficiências institucionais do país. A verdadeira “mágica” que se pretende encenar é transformar culpados em vítimas. O ilusionismo consiste em criar a idéia de que falhas do arcabouço político devem responder por decisões de indivíduos cientes do que estavam fazendo (...) A sociedade brasileira elegeu o candidato Luiz Inácio Lula da Silva com a esperança de que o PT demonstrasse no poder o mesmo grau de exigência moral e republicana que pregava na oposição. Se esse compromisso deixou de ser cumprido, a culpa não é apenas do sistema político[1].
Neste editorial o jornal continua dando o crédito necessário ao presidente e seu diagnóstico sobre a falibilidade das instituições políticas no Brasil, mas o que era uma “suspeita” (a dissimulação), para o jornal, se transforma em fato, ou seja, acusa o governo de, com o debate da reforma política, tentar desviar as atenções e transferir as responsabilidades para essa deficiência institucional brasileira. Pior, o jornal é ainda mais duro quando cobra do presidente e do PT a mesma “exigência moral e republicana” dos tempos em que eram oposição. Parece estar acabando a tolerância com o governo, e essa questão vai ser aprofundada em outro editorial, no mesmo dia.
A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai se revelando um dos maiores estelionatos eleitorais da história democrática do país. Todas as bandeiras que um dia caracterizaram o Partido dos Trabalhadores foram conspurcadas. Até mesmo o que se afigurava como o último baluarte petista, uma relação diferenciada com a ética e a coisa pública (...) Era presumível que uma legenda forjada em duas décadas de oposição – e que reunia em seus quadros importantes nomes das mais diversas áreas – tivesse projetos sólidos para a educação, a saúde e a segurança (…) A partir de um dado momento, só o que importava passou a ser a “governabilidade” e a reeleição de Lula. Foi nesse contexto que veio o golpe devastador contra a imagem do partido, e justamente no campo da ética, a faceta mais característica do petismo (...) Galgado ao comando do país, o partido enredou-se na trama do fisiologismo e da corrupção. Suas virtudes transmutaram-se em vícios. O despreparo, a ambição e o oportunismo derrotaram a esperança[2].
Segundo o jornal, o PT, ao chegar ao governo, abandonou de forma tão intensa suas bandeiras que se torna avalista de uma política econômica mais ainda subordinada à lógica financista que na época do PSDB. E isso para mostrar que o abandono da ética foi ainda mais fácil para o partido. De fato, o jornal se posiciona duramente e ataca o partido naquilo que é seu coração: sua história de lutas e apego à ética republicana. O editorial parece mais um obituário da postura ética do PT.

A reação governista é, também, muito forte. José Dirceu e José Genoíno, principalmente, negam qualquer possibilidade de verdade no discurso de Jefferson. De qualquer forma, novas avaliações da crise, por parte do governo, começam a surgir. Teria sido um equívoco, para o senador Aloizio Mercadante, por exemplo, a permanência de Delúbio Soares e mais ainda a sua entrevista onde foi “blindado” pela direção do PT. Na realidade, o que podemos afirmar é que se a estratégia se revelou equivocada foi pelo surgimento de fatos novos na entrevista de Roberto Jefferson. O impacto é tão forte que, mesmo entre governistas da base aliada é praticamente certo que a CPI não vai limitar-se a investigar o fato determinado (Correios).

No dia seguinte, 13/06, a Folha de S. Paulo trás como título de capa: “Governo tenta desqualificar acusações”. Para o governo, Roberto Jefferson não tem provas, é uma pessoa que está sendo acusada de corrupção e está atacando a todos. Faltam-lhe fatos e o que teria feito seria uma peça de ficção, acima de tudo irresponsável. Oficialmente, em nota divulgada na noite anterior, o PT diz que vai processar o deputado pelas falsas acusações. Enquanto isso, o Ministro José Dirceu dá declarações de que está “tranquilo”. No mesmo dia, em seu “Café com o Presidente”, o presidente faz a seguinte declaração[3]:
A política é feita de coisas boas e de coisas ruins. É importante saber que a questão da corrupção no Brasil não é uma coisa nova. E quanto mais se combate a corrupção, mais ela aparece na imprensa. E nós estamos combatendo a corrupção como jamais foi combatida neste país (…) Ora, quando a denúncia envolve partidos e envolve o Congresso Nacional, o Congresso tem mecanismos para fazer a investigação. Eu conversei com o presidente Severino, conversei com o presidente Renan. É preciso apurar tudo. Agora, é preciso que a gente tome cuidado para não deixar que o Congresso fique só cuidando disso e não aprove as coisas que têm que ser aprovadas, de interesse do Brasil. 
Neste discurso o presidente parece esquecer um pouco da história para se concentrar mais na conjuntura presente, embora continue mostrando certa “naturalização” (a corrupção não é coisa nova; a política é feita de coisas boas e más) dos fatos. Ele passa a trabalhar sobre as denúncias e sua forte visibilidade na imprensa e diz que isto só acontece porque o governo está agindo.

Mas, em termos de estratégia de construção simbólica, aqui parece ocorrer um recurso à “narrativização”, ou seja, o presidente constrói um raciocínio que leva a entender-se que se há denúncias na imprensa é porque há combate à corrupção. E, em seguida, transfere para o Congresso a total responsabilidade pela investigação de seus membros. É um reforço da tentativa de descolamento do presidente em relação à crise. Mas, há algo aí que também reforça a suspeita de “dissimulação”: o presidente lembra que é preciso que o Congresso apure, mas não se perca a ponto de deixar de lado as coisas que “interessam” ao Brasil.

No dia seguinte, em novo editorial, o jornal insiste na apuração do caso[4], motivado, principalmente, por essas declarações do Presidente.
Esta Folha, em mais de uma oportunidade, já destacou o que todos sabem – a corrupção é um problema que aflige o país de longa data (...) Nada disso, porém, exime o governo de fornecer explicações sobre as denúncias envolvendo os Correios, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e o suposto “mensalão”. O presidente Lula … reafirmou seu compromisso de investigar as denúncias. São palavras auspiciosas, mas que contrastam com as primeiras reações à nova entrevista do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson. Representantes do governo trataram de imediato de desqualificar o autor das denúncias, por ser suspeito de envolvimento no caso dos Correios e afirmar que não possui provas. Tratar-se-ia de um acusado querendo passar por vítima. Ora, o próprio deputado, já em sua primeira entrevista à jornalista Renata Lo Prete, na qual denunciou o esquema das “mesadas”, foi claro quanto aos sentimentos que o animavam. “Percebo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido”, disse ... No domingo, acrescentou às suas denúncias anteriores nomes de supostos operadores do “mensalão”, referiu-se à origem do dinheiro e afirmou que o ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do PT, José Genoino, participavam da distribuição de cargos. Reuniões com este fim teriam ocorrido numa sala situada no Palácio do Planalto ... Seus relatos parecem reunir material mais do que suficiente para justificar uma profunda investigação.
O editorial segue a linha que o jornal já vem assumindo, ou seja, a de expor as contradições entre o discurso do presidente e as ações concretas nesse caso específico, reforçando a tese de “dissimulação” já levantada pelo jornal.

Ainda neste dia a expectativa maior é pelo depoimento de Roberto Jefferson no Conselho de Ética da Câmara, em processo movido pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, acusado anteriormente por Jefferson. Além disso, a CPI estará escolhendo presidente e relator. Interessante notar que, no dia, 14/06, o título de capa do jornal trás um dado novo: “Deputada relata oferta de dinheiro”.

Está ficando claro que a estratégia do jornal, como de todo jornalismo investigativo, é justamente a de, primeiro, não deixar o tema “esfriar” e, segundo, e para isso, “alimentá-lo” com novos fatos. Trata-se da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) que teria sido assediada por aliados do governo (R$ 40 mil por mês e R$ 1 mi por ano de bônus) para trocar de sigla. Ela teria relatado o caso ao governador de Goiás, Marconi Perillo que, por sua vez, teria repassado ao presidente Lula, ainda em 2004. E ele confirmou toda a reportagem do jornal.

Mas, como não poderia deixar de ser, a repercussão é centrada no depoimento de Jefferson na Câmara. Um depoimento de mais de 6 horas de duração. Segundo o jornal, Jefferson teria confirmado, sob juramento, tudo o que havia dito à Folha. Ressaltou que Lula desconhecia o esquema de pagamento a deputados organizado por Delúbio, e centrou sua “carga verbal” contra José Dirceu, dizendo: “Dirceu, se voce não sair daí rápido, voce vai fazer réu um homem inocente, o presidente Lula”.

Esse “sai daí Zé”, foi de uma intensidade marcante no seu depoimento e justificou bem o fato do Congresso ter, praticamente, parado neste dia. Certamente foi um golpe duro para o governo e para o PT. Não se toca no assunto, entretanto, sobre uma possível saída de Dirceu, a não ser que seja para negá-la.

Algo muito interessante nesta fala de Jefferson foi quando se referiu à fábula do sapo e do escorpião para falar do PT e sua relação com aliados. Segundo ele, o PT (escorpião) fecha um acordo para atravessar o rio nas costas dos aliados (sapo), mas lança seu veneno e diz que não pode ir contra sua natureza, e ambos morrem afogados. Certamente Jefferson falou em tom de ameaça: se continuarem as picadas por parte do PT, todos morrerão. Aí está um bom tema para se discutir o presidencialismo de coalizão no governo Lula.

“Jefferson poupa Lula e culpa Dirceu” é o título da capa do dia 15/06. Não há como negar que o jornal está “rondando” Lula, ou seja, não desperdiçando oportunidade para mostrar que o nome do presidente está no centro dos acontecimentos e, por que não, das denúncias. Em editorial, o jornal reforça ainda mais a tendência denuncista[5].
Na defesa verbal que apresentou ontem ao Conselho de Ética da Câmara, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, reafirmou o conteúdo das entrevistas concedidas a esta Folha ... O deputado declarou que o “mensalão” era amplamente comentado na Câmara e insistiu que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, recebera informações acerca do esquema. Ao comentar a doação de dinheiro do PT a seu partido, o PTB, o depoente insinuou que o ministro José Dirceu atribuíra o não-pagamento de uma parcela a dificuldades em trazer recursos do exterior. São denúncias que devem ser tomadas com cautela, mas que não podem de forma alguma ser descartadas, como gostariam alguns. 
Neste editorial percebe-se bem o quanto a estratégia de investigação da Folha de S. Paulo está centrada nas palavras de Roberto Jefferson e, segundo o próprio jornal, suas palavras são de uma intensidade de tal ordem que, no mínimo, precisam ser investigadas. É a postura de “não investigar” profundamente, pelo governo e pelo Congresso, que reforça o clima de “desconfiança” geral, inclusive sobre o presidente Lula.

É nesse momento, Jefferson praticamente inaugura os ataques à imprensa dizendo, em seu depoimento, que ela “investiga, julga e pune em uma semana”. Chegou a dizer que teria havido “dedo” do governo na matéria inaugural da revista Veja sobre a corrupção nos Correios, assim como qualificou as organizações Globo como veículos “oficiais”. Mas, no seu depoimento, é mesmo a questão do caixa dois levado a cabo pelo PT que ganha repercussão e vai marcar boa parte dos noticiários e da própria CPI durante um bom tempo. Disse, a esse respeito, por exemplo, que o partido teria repassado ao PTB cerca de R$ 4 mi, “com etiquetas do Banco Rural e do Banco do Brasil”.

Também começa a surgir no cenário da crise, a personagem Fernanda Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério na SMP&B Comunicação. Ela teria dito à revista IstoÉ Dinheiro que Valério tinha contatos com Dirceu e Sílvio Pereira e que viu circular “malas de dinheiro”. Ela já havia sido entrevistada pela revista em setembro de 2004. Ela também falou bastante das ligações de Valério com o Banco Rural. Muitos caminhos já começavam a ser delineados para a investigação a ser realizada pela CPI dos Correios.

Não há dúvida que Jefferson ao colocar Dirceu no centro da discussão colocou ainda mais combustível nas investigações da imprensa. Até este momento, podemos dizer, com segurança, que é a partir destas denúncias de Jefferson que a imprensa vem exercendo sua função investigativa. Até o momento o governo está claramente na defensiva e, pior, tendo seu principal ministro, José Dirceu, agora como foco central das críticas. É a crise chegando ainda mais próxima do presidente Lula.

Em uma tentativa de síntese, podemos dizer que os principais passos, nesse momento, foram:

CONTRA-ALEGAÇÃO (governo)

Vendo a crise chegar ao PT, na figura de seu Tesoureiro, Delúbio, o governo opta por “blindá-lo” e parte para o ataque: Lula fala em “reforma política”. São as instituições que precisam ser corrigidas. Ao mesmo tempo, circulam no Congresso “ameaças” com o objetivo de limitar a investigação ao caso dos Correios. Palocci, por sua vez, mostra-se preocupado com o estado de ”tensão” que a crise política gera na economia.

NOVA ENTREVISTA

Em nova entrevista à Folha de S. Paulo, Roberto Jefferson fornece ainda mais detalhes sobre o funcionamento do esquema do mensalão, insistindo nas figuras-chave do PT e seu envolvimento nas ações.

Incremento da contra-alegação - O governo sente o impacto da entrevista, percebe que o PT foi, definitivamente, envolvido na crise, e surgem declarações de arrependimento pela “blindagem” de Delúbio. A estratégia governista e do PT é a de não ceder espaços ou entregar os seus aos opositores, mas isso parece estar motivando ainda mais Jefferson a fornecer detalhes e mais detalhes das operações. O governo ataca desqualificando Jefferson como “mentiroso”, “fantasioso” e fala em “processá-lo por falta de provas”.

NOVAS ALEGAÇÕES

Incrementando a pressão sobre o governo, a oposição tenta abertura de CPI na Câmara de Vereadores de SP para apurar indícios de mensalão na gestão de Martha Suplicy. Serra, em seguida, seguindo a linha central de "não colocar gasolina no fogo", passaria a desestimular tal ideia dos oposicionistas em SP.

Incremento da contra-alegação - O presidente Lula fala que “corrupção não é coisa nova no país”, enfatiza que está na linha de frente para combatê-la, mostra-se “indignado” e “preocupado” em apurar tudo, mas teme que o Congresso acabe ficando “paralisado” e deixe de votar aquilo que é importante para o país. No Congresso, Valdemar C. Neto chama Jefferson de “chantagista”.

DEPOIMENTO DE JEFFERSON NA CÂMARA

Em depoimento no Conselho de Ética da Câmara Jefferson parte ainda mais para o ataque, fornece ainda mais detalhes, falando em lavagem de dinheiro e caixa dois, e centra o fogo em José Dirceu, intimando-o a sair do governo para não prejudicar o presidente, a quem poupa de críticas. Dirceu vai para o centro do escândalo.

Continua...

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[1] ”Sem Mágica”, 12/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1206200501.htm
[2] ”Adeus às Ilusões”, 12/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1206200502.htm
[3] Programa de Rádio “Café com o Presidente”, Rádio Nacional, Brasília, 13/06/05, disponível em: http://www.info.planalto.gov.br/ -
[4] ”Denúncias a apurar”, 14/06/05, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1406200501.htm
[5] ”Denúncias de Jefferson”, 15/06/05, disponível: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1506200501.htm