Hoje, grande parte do cinema está tomado pelo gênero "comédias românticas", geralmente leves e bobinhas, que não exigem maiores esforços de compreensão, nem causam qualquer maior identificação, mas que ajudam a relaxar um tempinho. O filme Outono em Nova York (EUA, 2000) não segue bem esta linha e apresenta uma temática bem interessante.
- Só posso lhe oferecer o que temos agora, nada mais.
- Como sabe? Estamos juntos a tão pouco tempo! Os sentimentos mudam. Você nem me conhece direito.
- Pode ser, mas eu me conheço!
Este é o diálogo inaugural que mostra Will terminando um relacionamento como de costume. Will Keane, é um empresário cinquentão, bonitão e sedutor. Não precisa fazer muito esforço para “colecionar” seus relacionamentos, sempre fortuitos e jovens.
Certo dia, porém, seu olhar se desvia e se fixa, por alguns instantes, em uma linda jovem cujas feições são melancólicas. É isso que atrai Will? Houve alguma identificação? A quem ele vê quando fixa seu olhar na linda e triste Charlotte? De qualquer forma, após serem apresentados formalmente por uma velha amiga, Will parece seguir o seu “ritual” de sedução e faz contato. Claro que ele tem um pretexto. Quer que ela lhe faça um chapéu para a namorada. Charlotte está encantada, como se fosse sua primeira paixão. As vezes até se comporta como uma adolescente. Uma espontaneidade que parece encantar ainda mais a Will. De novo, o que teria Will visto neste comportamento tão espontâneo, generoso e encantador, que tanto contrasta com sua frieza?
Um passeio a dois, um local bonito e ela praticamente se oferece para um beijo. Mas, algo rompe o “ritual”. Will, por alguns instantes, recusa, parece sentir-se ameaçado, desconfortável. Ele passa a observá-la como quem "contempla" e não como quem simplesmente “olha”. Há algo nela que o faz fixar-se, mas de forma diferente do seu ritual de conquista que serve a todas as mulheres. Mas quem disse que é tão simples romper um ritual? Mais tarde, ele tenta uma “conversa séria”, é o momento em que seu ritual continua, com a “sedução” dando lugar à “advertência”:
Eu podia dizer isso depois, mas gosto mesmo de você. Quero ser bem claro para que não haja problema depois. Quero lhe dizer que o que posso lhe oferecer é isso, o que temos agora. Nada mais. Somente isso. Até terminar. O que quero dizer é que não temos futuro.
“Eu sei… eu estou doente”, ela responde. E seu olhar volta àquela melancolia inicial. Mas, só por alguns instantes, pois seu espírito alegre e brincalhão logo se impõe. Charlotte, em suas brincadeiras sobre a ausência de um futuro coloca Will diante de seus próprios “truques”. Ela diz, por exemplo, que logo será uma bela história triste para ele usar em suas cantadas. Isso começa, de alguma forma, a abalar Will. Parece estar diante de algo muito “real” sobre si mesmo e que o incomoda agora. Ela insiste em ser só um tempo “presente”, sem futuro, mas isso, ao contrário do que se poderia esperar, não deixa Will mais à vontade.
Se Will é um sedutor daqueles que "parte para cima" com seu charme, Charlotte tem o dom de “encantar”, com a verdade e a sua simplicidade – aliás, coisas bem distintas na sedução. Não à toa Charlotte nos presenteia com uma frase de Emily Dickinson, poeta americana que, apaixonada e melancólica disse: “A esperança é um pássaro que se empoleira na alma”. Mas, no fundo, Charlotte recusa a esperança. Ela sabe que vai morrer!
Aos poucos a curiosidade de Charlotte em saber mais da antiga amizade de Will com sua mãe vai fazendo-o relembrar situações que parecem ter sido muito especiais para ele. Talvez mesmo uma antiga e verdadeira paixão. Mas, Will resiste em sua promessa de jamais voltar a se apaixonar. Quando Will a trai com uma antiga ex-namorada, Charlotte lhe questiona: “E o amor?”… “E o amor?”. Por que Will a traíra? Ela não aceita e lhe questiona: “E o amor?”, mas ele não tem respostas. Ela o deixa.
Este é o momento em que se instala em Will um terrível combate em torno de sua promessa e seu medo de amar, e ele diz: “Ah, vou voltar a ser como eu era!”. Mas, não é mais tão simples assim. Nesse ínterim, Will reencontra sua filha (de um caso fortuito de antes). Na verdade, é ela quem o está “rondando”. Queria lhe falar que estava grávida e que ele ia ter um neto. Ela sempre fantasiou uma reaproximação, um pedido de desculpas do pai.
São dramas que correm em paralelo, como se um “reforçasse” o outro. Will vai até Charlotte e pede para que ela o deixa amá-la, “tentar outra vez”. Parece estar em curso uma “reconciliação” de Will consigo mesmo, um “reencontro”. Ele passa a lutar cada vez mais para que Charlotte aceite ser operada, como numa última tentativa.
E mais uma vez reencontra-se com Lisa, sua filha. Lhe pede perdão. E ela se torna sua parceira em buscar encontrar um médico para Charlotte. São laços afetivos sendo reconstituídos lentamente na vida de Will. Charlotte tenta fazer Will lembrar do “amor”, e ele tenta mostrar-lhe a necessidade da “esperança”. Lisa, em meio a tudo isto, quer resgatar sua “história” e fazer Will voltar os olhos para a sua também, tendo que trabalhar com outros “tempos” que não só o presente, mas também o passado (enquanto "pai") e o futuro (sozinho?).
Entretanto, em um momento de intensa felicidade Charlotte tem sua crise que parece definitiva. Não é assim que sonhamos morrer?… felizes! Enquanto se prepara para a cirurgia, Will diz que ela o matou para outras mulheres, pois está apaixonado, mas ela diz o que seria a frase-síntese deste filme: “eu o salvei para as outras mulheres”. Sim, ele poderia voltar a amar. Sua tristeza e sua dor precisavam vir á tona. Eram a demonstração mais clara de que estava vivo e pronto para novos encontros, mais verdadeiros. Um belo filme!
Nenhum comentário:
Postar um comentário