terça-feira, 23 de julho de 2013

Mídia e Poder (Dossiê - Revista Cult)

A edição n. 154, fevereiro 2011, da Revista Cult trouxe um dossiê sobre a relação entre Mídia e Poder e algumas colocações me chamaram bastante a atenção e sobre elas gostaria de fazer alguns comentários.

Olgária Matos (prof. de filosofia da Unifesp), em seu texto “A democracia moderna e a estética da moeda“, destacou o fato da sociedade atual se ver atravessada, numa visibilidade sem paralelos, de figuras da corrupção.

Para exemplificar, a autora nos diz que com a institucionalização da sociedade de consumo aquela busca por símbolos culturais que antes a burguesia fazia para “aristocratizar-se” foi sendo abandonada, fazendo com que, hoje, a ideologia do “novo rico” prescinda de qualquer verniz cultural.

Esta é a ideologia dominante, onde se conhece o preço de tudo mas não o seu “valor”. É uma cultura que atrofia a sensibilidade e o pensamento, o conhecimento e a ética. Estaríamos vivendo em uma sociedade panóptica em que tudo se pauta pela exibição midiática, onde desaparece qualquer pudor e de moral social levando, por conseguinte, a uma flexibilização do sentimento de culpa na consciência moral. Segundo Olgária,
O fim da autoridade paterna e o “pai humilhado” coincidem com a sociedade infantilizada em que não se reconhece mais a diferença entre gerações, entre pais e filhos, masculino e feminino, bom gosto e mau gosto. Em tempos comandados pela ideologia “novo rico”, tudo pode ser dito e mostrado; cada um de nós é chamado a apresentar em público atos e sentimentos como se fossem ideias (p. 57).
É este contexto de ampla visibilização que, segundo Olgária, favorece a desconfiança de todos contra todos, como forma de sociabilidade, e a delação, por exemplo. E isto está se tornando cada vez mais reconhecido como uma espécie de “compensação” pelas impunidade. Num ambiente assim, proliferam a demagogia e a difamação no espaço público. O delator, hoje, surge como uma espécie de “delator público” com a missão de “proteger” o espaço comum (uma figura criada na Grécia antiga).
Resta saber se o recurso à delação voluntária mediante recompensa em dinheiro não induz à corrupção – dadas as oportunidades que se oferecem para quem procura desembaraçar-se de um adversário indesejado ou então para aquele que se deixa comprar por ele – e, ainda mais, quando vai se tornando um meio para o funcionamento da justiça (p. 57).
Assim, a estética da moeda, dando um preço a tudo (e retirando seu valor) vai transformando a esfera pública num ambiente onde a culpa não tem espaço.

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Em ”Mídia e Poder na Sociedade do Espetáculo“, Cláudio Novaes Pinto Coelho, prof. da Faculdade Cásper Líbero, nos diz que um dos equívocos sobre a sociedade contemporânea é o de que os meios de comunicação são uma instituição poderosa. Para ele, Guy Debord definiu o termo “sociedade do espetáculo” como o conjunto de relações sociais mediadas pelas imagens, e ela corresponderia a uma fase específica do capitalismo marcada pela interdependência entre o acúmulo de capital e o acúmulo de imagens, daí a onipresença do marketing.

Todas as relações sociais, nessa fase, estariam mercantilizadas e envolvidas por imagens. Ou seja, predomina o caráter cotidiano da produção de espetáculos e seu vínculo com a produção e consumo de mercadorias em larga escala, fazendo com que as imagens sejam cada vez mais fundamentais para legitimar as mercadorias e seu consumo.

É nesse sentido que a sociedade do espetáculo é um entrave para a emancipação humana (onde o indivíduo perde o controle sobre sua vida) e não simplesmente um conceito acadêmico. Cláudio Novaes nos lembra que, mais tarde, em 1988, Debord diria que a Sociedade do Espétaculo só se intensificou e espalhou por toda a sociedade, tomando conta de toda a vida social, fazendo surgir algo como um “poder espetacular” cada vez mais integrado.

Debord faz ainda uma ligação entre a expansão desse poder e o triunfo do neoliberalismo em escala mundial. É um momento em que se fortalecem os conglomerados comunicacionais e a indústria cultural transforma-se no porta-voz ideológico do capitalismo desqualificando as outras visões como “ultrapassadas” e promovendo o “pensamento único”.

Mas e o contexto brasileiro? Ele nos diz que, em que pese a diminuição das desigualdades sociais o marketing continua em franco crescimento. Mas, tanto a vitória de Lula em 2006, como a de Dilma, em 2010, mostram um eventual declínio da influência dos grandes conglomerados comunicacionais na formação na opinião pública, como foi no caso do alcance limitado das denúncias de corrupção.

O quadro ainda pode se acirrar, segundo o autor, pois pelo passado de Dilma é de se esperar uma postura ainda mais conservadora da mídia, caso ela realmente venha a romper com o neoliberalismo e diminuir o uso do marketing político.

Nesse ponto gostaria de fazer um comentário. É certo que nas duas eleições setores da mídia deram muito espaço a denúncias de corrupção e facilitaram um eventual segundo turno. Mas, o resultado final não seguiu esta linha. Isto, para o autor, mostra a relativização do poder da mídia, o que está correto.

Mas, o que foi que deu a vitória, nos dois casos, ao governo? A simples atitude ativa da opinião pública? Não necessariamente. Aí também entra o uso intenso do marketing político em uma guerra simbólica onde o governo foi muito mais competente que a oposição. Só acredito em um poder de influência forte do meio de comunicação se for sobre um consumidor passivo e em condições de ausência de disputa simbólica. Fora disso, sobra complexidade na formação da opinião pública.

Outro aspecto que gostaria de comentar é que nem Lula e nem, muito menos, Dilma fizeram qualquer sinal no sentido de rompimento com o neoliberalismo. Pelo contrário, o governo Lula marcou-se pela consolidação de políticas econômicas neoliberais e o de Dilma já está sendo marcado pelo melhor “gerenciamento” destas questões.

Por outro lado, que governo foi mais “espetacular” que o de Lula? Ele foi o “espetáculo” em si. E, quais as chances para Dilma assumir a “ideologia” e abandonar o “marketing político”? Nenhuma. É a ideologia perdendo força, a cada dia, diante do espetáculo. Mas quem disse que o espetáculo também não é ideológico? O que não dá pra fazer é criar um confronto entre “ideologia de esquerda” X “espetáculo”, isso seria simplismo e ingenuidade.

Será preciso, cada vez, um esforço gigantesco para escapar a essa ideologização total da sociedade através do espetáculo, e isso não é um privilégio da esquerda e sim daqueles que possuem forte senso crítico, e auto-crítico.

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Bem, em ”Indústria Cultural e Manutenção do Poder“, Rafael Cordeiro Silva, prof. na UFU, relembra que Tocqueville viu na busca pela igualdade uma perigosa tendência para a uniformização das pessoas, uma ameaça à liberdade individual. Liberdade e igualdade não eram vistas como valores complementares por Tocqueville.

Adorno e Horkheimer vão retomar esta questão e falam de uma dominação pela igualação e homogeneização que atua no inconsciente (aquilo que para Tocqueville era a “alma”). Domesticar desejos revelou-se mais eficaz que a sujeição física, e se realiza sob a aparência de total liberdade.

Esta é a indústria cultural. Para eles, isto não é arte. A indústria cultural é mais afeita ao gosto mediano das massas e está fortemente vinculada aos meios técnicos de produção e difusão da cultura padronizada, como o cinema, o rádio e a TV. Ela sacrifica a autonomia, a singularidade, a diferença, a autenticidade, a crítica. Por outro lado, é um fator de coesão social. Ela reforça as relações de poder estabelecidas e a passividade diante da realidade.
Depois de uma jornada dedicada à reprodução do capital nas fábricas e nos escritórios, nada mais salutar do que a necessidade de descanso e relaxamento que a diversão proporciona. O ciclo está completo! (p. 65).
No meio disto tudo, a publicidade tentando estabelecer uma identificação entre produto e consumidor, tentando realizar o indivíduo como tal quando, na realidade, o que ela faz é castrar a individualidade.
Não se define o indivíduo pelo incremento de sua capacidade de consumo; indivíduo e consumidor não são termos sinônimos. Na verdade, a publicidade sacrifica o indivíduo, porque reitera sua dependência em relação ao mundo das mercadorias. Em vez de fomentar as autênticas capacidades e qualidades humanas, a publicidade representa a conquista da alma (p. 65).
Aqui, também, gostaria de fazer um comentário, só para relembrar que é nesse sentido que levando a discussão para o terreno da política enxergo a mesma oposição só que entre “cidadão” e “consumidor” e aí uma boa pergunta seria: O que significa essa apologia do consumo entre as classes populares? Algo que Lula repetiu algumas vezes, e com muito orgulho. Que cidadão está nascendo? um cidadão emancipado? Mas, em que bases? Exclusivamente materiais? É um belo tema para se discutir.

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Em “Da Aldeia Global à Teia Global“, Vinícius Andrade Pereira, prof. de comunicação da UERJ, nos relembra que uma das mais comentadas “previsões” de McLuhan era a de que o mundo se transformaria em uma em uma “aldeia global”. Ele teria dito isso pensando na TV e seus satélites que fortaleceriam a cultura de massa e seus produtos.

É inegável que ele estava preocupado com a identidade canadense, espremida entre o gelo e a força descomunal da cultura norte-americana. Para ele, as novas tecnologias provocariam uma “crise de identidade” nas diversas culturas. Mas, isso se justifica hoje em dia? Para isso, Vinícius sugere explorar melhor sua ideia de “aldeia global”.

À esse termo sugere outro: “teia global”. Assim, em que aspectos a aldeia global ajuda a entender a teia global da atualidade? O termo aldeia global traz um paradoxo, pois ao mesmo tempo que evoca a ideia de uma cidadezinha do interior propõe um sentido global. A ideia expressa o fato de uma notícia de uma pequena cidade alcançar, de imediato, todo o mundo.

É um conceito que fala de um único emissor, de uma comunicação de tipo massiva, de uma pequena quantidade de notícias que ganham o mundo, e de um imenso público consumindo a mesma notícia. McLuhan, portanto, ao falar de aldeia global trabalhava com as categorias da comunicação de massa. Essa é a mesma dinâmica da teia global?

A teia trabalha, entretanto, com o modelo “todos para todos”, no qual a comunicação se dá de forma multidirecional, acentrada e conversacional, já que todos podem estar conectados à rede. O público, então, também é produtor de mensagens e as mensagens, portanto, são as mais variadas.
Isso significa ainda que, quanto mais houver gente se conectando à teia global, mais vozes e mensagens entrarão em cena, tornando progressiva e paulatinamente mais variada e complexa a rede de mensagens circulantes (p. 73).
Isso se manifesta claramente na pulverização das audiências. Mas, isso não significa desqualificar as ideias de McLuhan, pelo contrário, o importante é sair da figura e ir para o fundo da reflexão, ou seja, a velha questão da crise de identidade cultural que se experimenta diante do impacto de novas tecnologias. Nesse sentido, é extremamente atual e pertinente a preocupação de McLuhan,
pois, sua obra nos convida a estarmos atentos para os possíveis efeitos que as tecnologias digitais (meios) podem estimular nos aparatos perceptivos e cognitivos com os quais percebemos o mundo (a mensagem) (p. 73).
Esta, portanto, é a principal mensagem da reflexão de McLuhan, ou seja, não podemos esquecer que os meios, ainda que de forma sutis, continuam sendo as mensagens, seja na aldeia, seja na teia global.

Como se vê, as relações entre mídia e poder são um terreno escorregadio, mas fecundo em possibilidades de análise.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O Estranho Apelo do Ciúme - M. Blévis

Este texto é uma síntese de um capítulo I do livro de M. Blévis (1) intitulado "O Estranho apelo do ciúme".

A frase "você nunca saberá o quanto eu a teria amado", dita pelo namorado, quase fez Cléa desmaiar. Ela estava muito próxima do fundo do poço. Lúcida, mas em desespero, ela sabia que o ciúme a estava consumindo e tudo lhe parecia bem claro. Nesse ponto, se destaca a questão da "racionalização", tão típica do delírio de ciúmes.  É o que destaca Blévis.
O ciúme atesta um desvario perante o qual as suspeitas do ciumento parecem ser uma "racionalização", uma "roupagem do movimento de pavor que o suscita. Mas, que chaves fornecem estas máscaras? (p. 30).
A "racionalização" funciona, então, como uma máscara que esconde o pavor. Ora, segundo Cléa, como é que, naquele momento em que o namorado diz que a ama fala como se já não estivessem mais juntos? ("você nunca saberá o quanto eu a teria amado") Cléa já não sabia se era a mulher amada do "presente" ou a mulher esquecida do "futuro". pode parecer a alguns estranho o fato de poucas palavras dispararem tão forte angústia, mas
O ciúme é uma tortura que se alimenta das mínimas palavra e as deturpa em seu proveito (p. 31).
O resultado foi Cléa adentrar em uma crise de angústia, abrindo um abismo com relação a seu namorado. Mas, como nomear este abismo? Na impossibilidade, Cléa se alimenta de "ruminações" infindáveis sobre qualquer palavra que lhe era dirigida pelo namorado, afinal:
O ciumento é alvo permanente de batalhas internas, tão exaustas quanto estéreis (p. 33).
Sim, porque quem dota os rivais de tantos encantos e sedução é o próprio ciumento. No fundo, então, suas racionalizações e convicções acerca de numa traição são "fantasmas sem consistência". Fundamental, então, buscar a linguagem de Cléa na sua infância. Nesse momento,
O psicanalista precisa de toda a sua habilidade para conseguir se colocar na "pele infantil" do paciente, imaginá-la e descobrir as palavras que lhe faltaram (p. 34).
Qual, então, o curso das sensações de rejeição experimentadas por Cléa ao longo de sua vida? Não demorou para que uma lembrança lhe viesse à mente. Tratava-se de uma imagem que era recorrente. Em uma cidade devastada, um cachorro vadio e faminto andava por fachadas de prédios em ruínas.

Não havia dúvida que Cléa imaginava-se sendo esse cão desamparado e aflito, e a recorrência dessa imagem não era mais que um pedido de socorro. Mas, que conflito vivenciado por Cléa poderia ter causado toda essa cena sombria e destrutiva? Que acontecimentos foram esses, tão fortes, que foram silenciados por Cléa? O que a teria deixada tão faminta por palavras e vínculos?

No decorrer das sessões, suas associações iam em direção às "guerras" familiares. Ela sabia que a mãe fora enganada pelo pai. Logo em seguida o pai viria a morrer, mas sobre a traição e sobre o próprio pai passou a imperar um "silêncio". Cléa, na realidade, só possuía algumas fotos dele, de seu rosto ("fachadas").

Esse silêncio hostil por parte da mãe privara Cléa de todo o Luto necessário. Sem ele, sua dor permanecia "real", não simbolizada. Talvez por isso, andasse "vagando", faminta de significados, como aquele cão bem representava, diante de fachadas em ruínas.

Cléa, portanto, não havia explorado a realidade de suas emoções. E a impossibilidade do luto pelo pai, imposta pelo silêncio, deixara em suspenso sua feminilidade. O ciúme, então, a levava sempre a imaginar uma mulher a quem seu namorado poderia se dirigir. Uma rival que possuiria esta feminilidade. O abismo, então, era longo e profundo. De acordo com M. Blévis,
Uma construção de hipóteses erigida por um psicanalista só é pertinente quando faz reviver na memória do paciente fragmentos de lembranças que ajudem a preencher as omissões causadas pelos diversos recalcamentos, censuras, foraclusões ou renegações. O tratamento psicanalítico restitui força e vida a todos os vestígios e significações de acontecimentos que foram vividos, mas permaneceram fixados sem alteração no psiquismo. Com isso, eles persistem sob a forma de enigmas perigosos (...) O psicanalista, no espaço da transferência vai em busca das lembranças escondidas e cristalizadas nas palavras do paciente, a fim de "reativá-las" (p. 38).
Mas, o avanço definitivo de Cléa veio através de um sonho. Neste sonho, ela cruzava, na rua, com um homem com uma máscara de carnaval veneziana, com um bico assustador. Ela tinha que transar com ele, mas ela parecia um bebê. Ela sentia uma excitação sexual, mas desprovida de prazer. Logo, isto foi interpretado como uma revivência do amor intenso que Cléa sentia pelo pai, então proibido e silenciado pela mãe.
O trabalho da análise suspende esse tipo de proibição, desarticulando o pavor que ela encerra, e reabre o espaço do desejo de viver; nesse sentido, toda análise é também um "renascimento" (...) Cléa não poderia fazer o luto do pai enquanto ele não voltasse a ocupar um lugar "vivo", em palavras que o arrancassem do silêncio em que a mãe o havia escondido (p. 44).
Seu ciúme era, ao mesmo tempo, uma proibição de pensar no vínculo amoroso em seu lugar próprio e um apelo para arrancar essa preciosa ligação de sua ganga de proibições (p. 41).
Se era um destruidor de vínculos, o ciúme era também o lembrete de uma dor de amor perdida. Assim,
A saída do ciúme veio da possibilidade de lhe ser restituído o direito de amar a um pai, um homem, e também a si mesma como "apaixonada" (p. 41).
A proibição e o silêncio da mãe haviam amputado uma dimensão essencial da sua "identidade feminina". Há, no ciúme, uma oscilação entre o amor e a fúria (angústia) e essa raiva não é, ingenuamente, um "sinal de amor", é pura hostilidade. O ciumento tem raiva por não poder "consertar" o amado para que este lhe dê o reconhecimento e o amor que acha merecer. Mas, isto é impossível que alcance, até porque a demanda do ciumento é impossível de satisfazer. De acordo com Blévis,
No ciúme, é uma proibição de amar - no sentido como a infância ama, de forma intransigente, total e libertária - que o sujeito procura expulsar de si (p. 42).
Se ele conseguir essa expulsão, passará a amar como um "adulto". O ciúme, então, serve de anteparo para uma falha íntima. E a liberdade contra o ciúme vem quando se simboliza essa falha, como compreendendo que era possível reconquistar o direito de amar, sem mergulhar numa angústia mental. Afinal,
Amamos contra a morte, para vencê-la, para esquecer que somos mortais e, ao mesmo tempo, sabemos perfeitamente que nossos laços amorosos podem romper-se a qualquer momento. Assim, somos reconvocados à vida por eles e expostos ainda mais à angústia de nossa finitude ao perdê-los (p. 42).
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BLÉVIS, Marcianne. O Ciúme - Delícias e Tormentos. - São Paulo: Editora Martins Fontes, 2009, p. 27-42

domingo, 14 de julho de 2013

"Outono em Nova York" e a promessa de não amar

Hoje, grande parte do cinema está tomado pelo gênero "comédias românticas", geralmente leves e bobinhas, que não exigem maiores esforços de compreensão, nem causam qualquer maior identificação, mas que ajudam a relaxar um tempinho. O filme Outono em Nova York (EUA, 2000) não segue bem esta linha e apresenta uma temática bem interessante. 
- Só posso lhe oferecer o que temos agora, nada mais.
- Como sabe? Estamos juntos a tão pouco tempo! Os sentimentos mudam. Você nem me conhece direito.
- Pode ser, mas eu me conheço!
Este é o diálogo inaugural que mostra Will terminando um relacionamento como de costume. Will Keane, é um empresário cinquentão, bonitão e sedutor. Não precisa fazer muito esforço para “colecionar” seus relacionamentos, sempre fortuitos e jovens. 
Certo dia, porém, seu olhar se desvia e se fixa, por alguns instantes, em uma linda jovem cujas feições são melancólicas. É isso que atrai Will? Houve alguma identificação? A quem ele vê quando fixa seu olhar na linda e triste Charlotte? De qualquer forma, após serem apresentados formalmente por uma velha amiga, Will parece seguir o seu “ritual” de sedução e faz contato. Claro que ele tem um pretexto. Quer que ela lhe faça um chapéu para a namorada. Charlotte está encantada, como se fosse sua primeira paixão. As vezes até se comporta como uma adolescente. Uma espontaneidade que parece encantar ainda mais a Will. De novo, o que teria Will visto neste comportamento tão espontâneo, generoso e encantador, que tanto contrasta com sua frieza?
Um passeio a dois, um local bonito e ela praticamente se oferece para um beijo. Mas, algo rompe o “ritual”. Will, por alguns instantes, recusa, parece sentir-se ameaçado, desconfortável. Ele passa a observá-la como quem "contempla" e não como quem simplesmente “olha”. Há algo nela que o faz fixar-se, mas de forma diferente do seu ritual de conquista que serve a todas as mulheres. Mas quem disse que é tão simples romper um ritual? Mais tarde, ele tenta uma “conversa séria”, é o momento em que seu ritual continua, com a “sedução” dando lugar à “advertência”:
Eu podia dizer isso depois, mas gosto mesmo de você. Quero ser bem claro para que não haja problema depois. Quero lhe dizer que o que posso lhe oferecer é isso, o que temos agora. Nada mais. Somente isso. Até terminar. O que quero dizer é que não temos futuro.
Eu sei… eu estou doente”, ela responde. E seu olhar volta àquela melancolia inicial. Mas, só por alguns instantes, pois seu espírito alegre e brincalhão logo se impõe. Charlotte, em suas brincadeiras sobre a ausência de um futuro coloca Will diante de seus próprios “truques”. Ela diz, por exemplo, que logo será uma bela história triste para ele usar em suas cantadas. Isso começa, de alguma forma, a abalar Will. Parece estar diante de algo muito “real” sobre si mesmo e que o incomoda agora. Ela insiste em ser só um tempo “presente”, sem futuro, mas isso, ao contrário do que se poderia esperar, não deixa Will mais à vontade.
Se Will é um sedutor daqueles que "parte para cima" com seu charme, Charlotte tem o dom de “encantar”, com a verdade e a sua simplicidade – aliás, coisas bem distintas na sedução. Não à toa Charlotte nos presenteia com uma frase de Emily Dickinson, poeta americana que, apaixonada e melancólica disse: “A esperança é um pássaro que se empoleira na alma”. Mas, no fundo, Charlotte recusa a esperança. Ela sabe que vai morrer!
Aos poucos a curiosidade de Charlotte em saber mais da antiga amizade de Will com sua mãe vai fazendo-o relembrar situações que parecem ter sido muito especiais para ele. Talvez mesmo uma antiga e verdadeira paixão. Mas, Will resiste em sua promessa de jamais voltar a se apaixonar. Quando Will a trai com uma antiga ex-namorada, Charlotte lhe questiona: “E o amor?”… “E o amor?”. Por que Will a traíra? Ela não aceita e lhe questiona: “E o amor?”, mas ele não tem respostas. Ela o deixa.
Este é o momento em que se instala em Will um terrível combate em torno de sua promessa e seu medo de amar, e ele diz: “Ah, vou voltar a ser como eu era!”. Mas, não é mais tão simples assim. Nesse ínterim, Will reencontra sua filha (de um caso fortuito de antes). Na verdade, é ela quem o está “rondando”. Queria lhe falar que estava grávida e que ele ia ter um neto. Ela sempre fantasiou uma reaproximação, um pedido de desculpas do pai.
São dramas que correm em paralelo, como se um “reforçasse” o outro. Will vai até Charlotte e pede para que ela o deixa amá-la, “tentar outra vez”. Parece estar em curso uma “reconciliação” de Will consigo mesmo, um “reencontro”. Ele passa a lutar cada vez mais para que Charlotte aceite ser operada, como numa última tentativa.
E mais uma vez reencontra-se com Lisa, sua filha. Lhe pede perdão. E ela se torna sua parceira em buscar encontrar um médico para Charlotte. São laços afetivos sendo reconstituídos lentamente na vida de Will. Charlotte tenta fazer Will lembrar do “amor”, e ele tenta mostrar-lhe a necessidade da “esperança”. Lisa, em meio a tudo isto, quer resgatar sua “história” e fazer Will voltar os olhos para a sua também, tendo que trabalhar com outros “tempos” que não só o presente, mas também o passado (enquanto "pai") e o futuro (sozinho?).
Entretanto, em um momento de intensa felicidade Charlotte tem sua crise que parece definitiva. Não é assim que sonhamos morrer?… felizes! Enquanto se prepara para a cirurgia, Will diz que ela o matou para outras mulheres, pois está apaixonado, mas ela diz o que seria a frase-síntese deste filme: “eu o salvei para as outras mulheres”. Sim, ele poderia voltar a amar. Sua tristeza e sua dor precisavam vir á tona. Eram a demonstração mais clara de que estava vivo e pronto para novos encontros, mais verdadeiros. Um belo filme!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Temos medo de que? (Angústia - Alain Vanier)

O ponto central desta conferência de Alain Vanier (1) é a tentativa de melhor entender o "medo" na contemporaneidade, e sua relação com o enfraquecimento das "figuras tutelares". De imediato, destaca o quanto é rico o campo semântico que constitui o vocabulário do "medo", mas quase nunca especifica bem. Que singularidades este, tão universal, "medo" tem assumido na história? Trata-se de uma questão muito interessante, mas o que o autor faz é partir do entendimento da psicanálise, e a partir daí chegar a uma compreensão atual. 

Freud associou o medo à angústia (angst) e esta entrou para o vocabulário da psicopatologia, dando à ela um estatuto mais importante, com a "neurose de angústia" (em 1895, ao distinguí-la das neurastenias). Para a psicanálise, a angústia seria vista como o "afeto principal", "fundamental", tendo uma estreita vinculação com nosso corpo. Mas, não significa um "ressurgimento de nossa animalidade", uma espécie de "reação". De fato, então, a palavra "angústia" é a que melhor fala do "medo", no sentido psicanalítico.
 
Vanier nos lembra que, para Freud, a angústia corresponde a uma tensão física que não pode ser elaborada psiquicamente, e essa tensão é sexual, sendo, em seguida, articulada à teoria do recalcamento. Ou seja, tendo a "representação" recalcada no inconsciente, o "afeto" é deslocado, não mais se reconhece, e se transforma em uma angústia que parece não ter objeto.
 
Estimulado pelos efeitos clínicos da I Guerra, Freud propõe uma divisão de medos e angústias em três categorias, em função de sua "relação com o perigo": 
  • a angústia — Angst — que se refere a um estado e "abstrai do objeto". O perigo pode ser desconhecido e provoca um estado de espera e de preparação;
  • o medo (Furcht), que exige um objeto determinado e dirige sua atenção para este;
  • o pavor, (Schreck) que é efeito de um perigo que não é preparado por alguma forma de alerta, não é preparado pela angústia, é marcado pela surpresa;
É isso que leva Freud a dizer que nos protegemos daquilo que nos apavora por meio da angústia. Inúmeras neuroses seriam o modo explícito de uma manifestação de pavor. Essa articulação entre medo e angústia seria mais nítida na fobia.
 
Ao longo dos anos 1920, porém, Freud vai propor uma segunda teoria da angústia ("Inibição, Sintoma e Angústia") onde não é mais o recalcamento que cria a angústia, mas sim "a angústia é que faz o recalcamento". Nesse caso, a angústia sobrevém de um perigo extremo, real. É aquela angústia, por exemplo, da criança diante da possível perda do amor da mãe. É vista como uma "angústia originária". Dessa forma, como nos diz Vanier,
A angústia é um sinal no eu, ela adverte o sujeito de um perigo que é o de um desejo enigmático que envolve seu ser como perdido e passível de anulação, seu ser como objeto que pode ser, sem saber qual, para o desejo do Outro. Só então o recalcamento intervém.
Um exemplo, estudado por Freud, está no artigo sobre o "pequeno Hans" (1909), com 4 anos e acometido por uma fobia. É um momento em que a descoberta do órgão sexual está se dando e as ereções já não acontecem simplesmente vinculadas à micção, e geram sensações desconhecidas e incontroláveis. É dessa forma que a "descoberta" da sexualidade aparece como o lugar por excelência do fracasso do domínio de si mesmo
 
No caso de Hans, o nascimento de uma irmãzinha só alimenta seus questionamentos, e logo sua fobia vai se desenvolver, principalmente quando sonha com sua mãe abandonando-o. Mais tarde, a fobia a cavalos seria o lugar da transposição da angústia, ou seja, o medo de ser devorado (abandonado) pela mãe gera o sintoma (medo do cavalo devorá-lo). Ele não sabe mais acerca do amor de sua mãe.
 
Imaginando-se não desejado pela mãe, ele sai do campo do imaginário desta e cai no campo da "angústia", substituindo o medo pela fobia
Esse medo, diferentemente da angústia, tem a vantagem de estar focalizado num objeto; de algum modo é um posto avançado da angústia. Paradoxalmente, esse medo tem uma função estruturante. Introduz uma ordem — exorbitante, é bem verdade — no mundo dessa criança: há, assim, lugares onde pode ir, onde ela não tem medo, e outros onde ela não pode ir. 
É assim que a fobia acaba por ajudar a criar um "exterior" e um "interior", pois, até então, a criança estava no "interior" da mãe. Por isso é estruturante para a criança. Quando ela se confronta com o medo do abandono ela se depara com seu próprio "desejo" pela mãe. É a falta do outro que gera o desejo. E, quando não sabe que objeto ele é para esse outro, e seu desejo não é atendido, surge a angústia, por vezes substituída pelo medo do "objeto fóbico", que é, em última instância, uma proteção contra seu próprio desejo. Surge aí, portanto, toda a problemática do relacionamento com o outro. Assim, 
O objeto fóbico é um significante, um significante que serve para tudo, trata-se igualmente do pai que pune e da mãe que devora. 
É claro que estes significantes têm um valor para além de toda realidade presente, mas está, porém, depositado na cultura, nos nossos mitos. Não à toa, perguntas como "O que ele quer? O que ele quer de mim?" "O que é que eu sou para o Outro?" "O que ele ama em mim?" "Ele me ama?" não param de surgir ao longo da vida inteira. 
 
As fobias, que manifestam isso, aparecem por volta de 3 a 5 anos (separação) e depois, por volta de 8-9 anos, quando a criança apreende que pode perder ou ser perdida por seus pais, que são mortais. É, portanto, a incompletude e a não compreensão que nos levam a temer e procurar a psicanálise. Sofremos por não compreender.
 
Desse modo, como Freud dizia, toda angústia é, fundamentalmente, angústia de separação. E daí a importância que Winnicott atribuía aos "objetos transicionais" (seja um bichinho de pelúcia, um paninho macio) que mostram que há um "resto" da separação e que ela não foi totalmente simbolizável.
 
O objeto da angústia, então, é um "objeto perdido", que "falta", que se "perdeu" na separação. Justamente por isso os pacientes fóbicos apresentam novos surtos de angústia quando a fobia desaparece, assim como reaparece na neurose obsessiva quando o sujeito é impedido de entregar-se aos seus rituais. A solução só se dá mesmo na resolução do complexo de Édipo, isto é, no lugar que o pai pode tomar como sendo aquele que se ocupa do desejo da mãe.
 
Isso nos chama a atenção para o lugar do "pai" e seu declínio, enfraquecimento de sua função, de forma estruturante, na atualidade, como se nenhum pai estivesse à altura de substituir por completo a dimensão simbólica de sua função. 
Essa dimensão ideal de uma figura paterna é particularmente evidente na constituição dos grupos. Quem tenha assistido a um dia de aula numa seção de crianças pequenas de um maternal — crianças de mais ou menos 3 anos — terá guardado na lembrança a dificuldade que a professora pode ter para simplesmente arrumá-las em grupo. Alguns anos mais tarde, as crianças formam uma fila sem maiores dificuldades, elas se organizam sob a tutela da professora, ou do líder que tenha surgido de dentro de suas próprias fileiras. O reagrupamento sob uma figura tutelar sempre constituiu uma das maneiras mais comuns de tratar o medo. O pai, ou sua figura, protege do medo
E esse reagrupamento se faz à custa de uma regressão que mantém o sujeito em uma posição infantil, mas que o protege contra a neurose. É o que a religião realizava com o "não tenhais medo!". Mas, com o relativo declínio do discurso religioso, a psicanálise emerge como sintoma revelador do mal-estar em nossa civilização.

Então, temos medo de que? Para Lacan, de nosso "corpo", esse haver, essa posse que nos possui e de que gozamos. Um corpo sempre mediado simbolicamente pelo Outro, que é constituidor; um corpo que a linguagem atravessa-o recortando e produzindo perdas. Um corpo "furado" pelas nossas faltas.

E sentimos o medo, a angústia de não mais gozar com este corpo. Não à toa estamos tentando preenchê-lo, sempre, com novos objetos que, por sua vez, logo nos deixam insatisfeitos novamente. 
Cada uma dessas felizes redescobertas é marcada de uma impossibilidade — "não é isso!" — e o sujeito é lançado novamente nessa busca sem fim (...) A ciência nos dá numerosas bugigangas próprias como engodo para o nosso desejo. Elas vêm no lugar daquilo que nos falta (...) Esse gozo, outrora remetido ao além como recompensa de uma vida de merecimentos, hoje em dia nos é prometido, mostrado como possível (...) Se essa organização é a mola propulsora do consumo moderno, é também provedora de angústia ante esse real que a ciência produz.
A ciência cresceu ante a religião e, como Benjamin dizia, o capitalismo é uma religião não expiatória mas "culpabilizante" nos oferecendo o que está "vivo" e, permanentemente, nos deixando na angústia, na falta de um sentido que sustente sua vida, em busca permanente de um balizamento que regule o nosso gozo. 
 
Dessa forma, vivemos o desmoronamento das figuras tutelares que tem como correlato o aumento do medo. Vivíamos num mundo em que nosso gozo se situava, se regulava a partir do Outro. Hoje em dia, somente nos situamos a partir do objeto.

E a psicanálise? Ela, como a ciência, é filha da modernidade. mas não é uma ciência, mesmo que tenha sido influenciada pelo discurso da ciência, pois ela a rejeita. Há, aqui, uma "jogada ética": 
O tratamento analítico permite que o sujeito saiba alguma coisa de seu gozo, permite apreender esse Real — e se contrapor a ele e suportar essa parte que incessantemente escapa ao sujeito, parte que, no entanto, é estrutural, embora retorne ao sujeito como aquilo que lhe é o mais estrangeiro. 

Sabemos que a psicanálise não promete o fim da angústia, apenas o "um por um", mas, como Kierkegaard dizia: "a todo instante o indivíduo é ele próprio e o gênero humano". A psicanálise nos permite viver com a angústia, que é a marca da nossa condição, da nossa finitude e da nossa paradoxal liberdade.
 
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(1) VANIER, Alain. Temos medo de quê? Ágora (Rio J.) [online]. 2006, vol.9, n.2 [cited  2013-07-12], pp. 285-298 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982006000200009&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-1498.  http://dx.doi.org/10.1590/S1516-14982006000200009.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Quando fala o coração (Spellbound) - Os sonhos na análise

Quando fala o coração (Spellbound, 1945, Dir. de A. Hitchcock) é uma adaptação de "The house of Dr. Edwards", de Francis Beending's, e se destaca numa época de pioneirismo no trato da psicanálise por Hollywood. 

O filme começa com uma frase de Shakespeare: "O erro não está nos astros, mas em nós mesmos", numa clara advertência de que nossos dramas não têm uma origem externa, e que somos responsáveis por eles. É um chamado a desviarmos o olhar "para dentro". 

Há ainda, uma introdução em legendas reforçando isto.
Este filme é sobre a psicanálise. O método usado pela ciência moderna para tratar problemas emocionais. O analista busca apenas induzir o paciente a falar de seus problemas mais escondidos para abrir as portas de sua mente. Quando os problemas que afligem os pacientes são descobertos e interpretados a doença e a confusão desaparecem e os demônios internos são exorcizados da alma.
O filme fala da Psicanálise em meio a um romance entre uma analista e seu colega de profissão, que acaba tornando-se paciente. Um homem que, aos poucos, vai expressando incômodos cada vez maiores com situações onde traços (rabiscos) se desenham sobre superfícies brancas. Um homem que, após uma série crise, se descobre com amnésia e passa a ser tomado por um "complexo de culpa" (Paranóia) onde atormenta-se pelo fato de acreditar ter matado uma pessoa e assumido sua identidade. 

É na tentativa de desenrolar esta trama que o filme se desenvolve, tendo como protagonistas a Dra. Peterson e o Dr. Edwards, mas não se trata de um bom suspense, daqueles que Hitchcock viria a se especializar. O filme se torna interessante mesmo pela tentativa que faz em introduzir temas da Psicanálise, até então muito pouco conhecidos pelo público em geral.

Mas, seguindo este seu "propósito" o filme se utiliza da interpretação dos "sonhos" como principal ferramenta para desvendar a trama psicológico-policial (existem, contra o Dr. Edwards acusações de assassinato). É nesse momento que se percebe que um dos grandes estereótipos da Psicanálise é utilizados pelo filme: o do papel do analista-detetive, como uma figura que faz da mente humana o seu campo de investigação policial em busca do mal. O sonho, no caso, será a ferramenta através da qual a investigação ocorrerá na tentativa de reconstruir o passado e entender os últimos passos do paciente.

O filme, na realidade, é uma sucessão de estereótipos da Psicanálise. A presença da típica histérica que destila seu "desprezo" pelos homens; o ódio que o paciente revela por seu analista; a analista que, de tão profissional nem parece "humana"; a presença de um personagem que, em muito, lembra Freud na sua velhice; a ideia do analista como alguém que "vive no mundo da lua"; o sonho como "quebra-cabeças"; a presença de um fato infantil marcante e recalcado como detonador de todo o sofrimento futuro etc. Mas, o fato é que alguns destes estereótipos acabam funcionando como recursos estéticos para evidenciar este algo novo que surgira, ou seja, a Psicanálise, com suas técnicas e procedimentos específicos. 

Como num enredo mocinho x vilão, ao final a Psicanálise vence. Consegue-se desvendar a trama e a paixão entre os protagonistas impera. Mas, precisava ser tudo tão carregado de tantos estereótipos? Acredito que sim. Trata-se de um filme introdutório da Psicanálise para o grande público; a linguagem do cinema é uma linguagem muito distante da Psicanálise e precisa, imensamente, de estereótipos para retratar algo que desconhece. Por fim, a própria Psicanálise da época vivia seu momento clássico. 

Era o tempo das "neuroses clássicas" onde predominava a tese de que o "neurótico" nada mais era que uma personalidade integrada que, de súbito, era transtornada por impulsos ou atos inadequados. Isso deixava flagrante a "irrupção" da neurose, com todos os seus sintomas, em uma pessoa "comum e normal". Ao contrário de hoje em dia, quando acredita-se muito mais numa quase inexistente fronteira entre a personalidade e o sintoma, uma situações onde a "irrupção" praticamente não tem como acontecer, de tão fortemente "misturada" que se encontra à "personalidade".

Não à toa o filme está repleto de situações onde um personagem neurótico de comportamento absolutamente normal, vez por outra, é tomado de assalto por impulsos incontroláveis que o levam, praticamente, tonturas, desmaios, crises, mudanças abruptas de comportamento, falas inadequadas. Era assim que o "neurótico" era visto e era assim que a Psicanálise era retratada.

Para finalizar, destaco a sequência de sonhos ser baseada no surrealismo de Salvador Dali, o que esteticamente fica bem interessante. Além disso, uma belíssima trilha sonora (vencedora do Oscar em 1946) e, lógico, as participações de Gregory Peck (cuja semelhança com Rodrigo Santoro é impressionante) e da linda Ingrid Bergman, uma das mulheres mais belas do cinema.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Time (Pink Floyd - "The Dark Side of the Moon", 1973)

Time é um clássico do rock. Dispensa apresentações. Integra o álbum The Dark Side of the Moon (1973), do Pink Floyd. Trata-se de um álbum conceitual e que, em minha opinião, é um dos dois melhores álbuns de toda a história do rock. Possui um solo de guitarra de arrepiar e, se ouvida na versão onde está toda a banda, transformasse numa experiência única.

Mas, como toda música do Pink Floyd, não é uma simples melodia. É muito mais. Há sempre muito mais nas músicas do Pink Floyd. No caso de Time há um forte apelo a dar-se algum significado à vida. Um apelo em não deixá-la passar, simplesmente. O "tempo", ou seja, a vida, deve ser preenchido, com marcas, com algo a dizer. Do contrário, quando percebermos, poderá ser muito tarde, só nos restando a angústia, aquele silencioso desespero.

Nos tempos atuais, da liquidez moderna, o tempo voa, acelerado pela descartabilidade, acelerado pela nossa incapacidade de buscar aconchego. Estamos correndo demais. Mas não é isso a que Time apela. A música nos fala de um tempo que deve ser, por nós, marcado. Só assim, teremos do que nos lembrar e aconchegar, quando chegar nossa hora.

Abaixo, deixo um link para quem quiser ouvir um pouco, e, mais abaixo, a letra e uma tradução. É um clássico. Mas, nunca ouça Pink Floyd só pela melodia. Procure investigar as mensagens. Há uma riqueza nas letras. É isso que transforma o Pink Floyd no que ele é: uma lenda. Foi com ele que descobri aquilo que Nietzsche quis dizer quando, ao ouvir a música de Wagner exclamou: The life without music would be a mistake (a vida, sem a música, seria um engano). Era o que lhe causava a sensação de "alheamento". É o que sinto com o Pink Floyd.


TIME

Ticking away the moments that make up a dull day
You fritter and waste the hours in an off hand way
Kicking around on a piece of ground in your home town
Waiting for someone or something to show you the way
Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain
You are young and life is long and there is time to kill today
And then one day you find ten years have got behind you
No one told you when to run, you missed the starting gun
And you run and you run to catch up with the sun, but its sinking
And racing around to come up behind you again
The sun is the same in the relative way, but youre older
Shorter of breath and one day closer to death
Every year is getting shorter, never seem to find the time
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines
Hanging on in quiet desperation is the english way
The time is gone, the song is over, thought Id something more to say
Home, home again
I like to be here when I can
And when I come home cold and tired
Its good to warm my bones beside the fire
Far away across the field
The tolling of the iron bell
Calls the faithful to their knees
To hear the softly spoken magic spells

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Passam os "tic-tacs" marcando os momentos de um dia monótono
E você descontroladamente desperdiça e gasta as horas
Perambulando pelos cantos de sua cidade natal
Esperando por alguém ou algo que indique um caminho
Cansado de se deitar ao sol, de ficar em casa vendo a chuva
Você é jovem e a vida é longa, e tem tempo pra gastar hoje
Mas então um dia você percebe que 10 anos se passaram
E ninguém te disse quando iniciar a corrida, e você perdeu a largada
Você corre pra alcançar o sol mas ele já está se pondo
Mas ele nasce de novo atrás de voce
De certa forma o sol é o mesmo, mas você está mais velho
Sem fôlego e mais próximo da morte
Cada ano está ficando curto e voce parece nunca encontrar tempo
Planos que fracassam e páginas rabiscadas pela metade
Aguardando no silencioso desespero do jeito inglês
O tempo se foi, a canção acabou, e pensei que tinha algo mais a dizer
Em casa, de volta ao lar
Eu gosto de estar aqui quando posso
Quando em chego em casa, com frio e cansado
É bom aquecer os ossos junto à lareira
À distância, longe nos campos
O badalar do sino
Chama os fiéis a ajoelharem-se
Pra ouvir suavemente as mágicas palavras.

A Clínica do Vazio / Autismo (D. Zimerman)


Mas, não é tão simples. Pode até ser que haja algum grau de verdade na frase "constrói um mundo só para ele", mas, mesmo que exista, não explica quase nada. A criança autista luta contra duas fontes de medo, uma externa (realidade) e outra interna (o vazio). Tanto o mundo externo lhe assusta quanto o vazio interno, e ela vai vivendo na busca deste equilíbrio sempre precário. E é aí que entram as diversas ajudas, no sentido de lhe permitir a segurança necessária para alcançar melhores níveis de simbolização sobre o mundo externo e começar a construir relações mais fortes com os diversos objetos externos, preenchendo, ao mesmo tempo, seu universo psíquico.

No desejo de deixar aqui, para consultas sobre o autismo, algum bom texto introdutório, logo lembrei de David Zimerman, que é um dos autores e psicanalistas brasileiros que mais gosto de consultar. A filiação a W. Bion explica boa parte dessa minha admiração por ele. Em um dos seus diversos trabalhos* nos oferece uma boa visão acerca de inúmeras patologias e, mais que isso, nos ajuda a pensar sobre o manejo técnico necessário para a terapêutica psicanalítica. Neste momento, então, vou me concentrar em sua fala acerca da Clínica do Vazio. Seleciono aqui, alguns dos principais pontos de seu texto. 

Zimerman é categórico quanto à esta maior inclinação por parte da tradicional psicanálise das "neuroses" em direção, também, às "fixações mais primitivas", relativas aos momentos pré-edípicos, aos instantes iniciais da vida do bebê. Uma dessas fixações primitivas é o que chama de "transtorno autístico", no qual, como dissemos acima, a criança parece "desligada do mundo". Trata-se de uma criança que não olha "para" a pessoa e sim "através" dela. A pessoa, em vários casos, não serve como objeto para que se construa uma relação. Esse é um trabalho difícil e duradouro.

Tais crianças sofrem de um "vazio" cuja origem é anterior ao conflito de pulsões e defesas (mecanismo típico das neuroses), ou seja, não chegaram a neurotizar, ficaram em uma etapa anterior, numa ausência quase absoluta de emoções. Estão, dessa forma, repletas de "buracos negros" (1), que sugam sua luminosidade interna (desenvolvimento pulsional, emocional), ao mesmo tempo que a protegem da ameaça de sofrimentos (2). É, certamente, para muitos, como imagino, um "beco quase sem saída".

Mas, tais estados autísticos não são exclusivos de crianças, pois são encontrados em estados neuróticos de adultos com psicopatologia regressiva (borderline, psicoses, perversões, drogadições etc.), e Zimerman nos diz que o ponto comum é a separação traumática do corpo da mãe. É esta separação traumática que leva às primitivas faltas e falhas da maternagem. O autor nos aponta três falhas principais:

1) Falha em ser "continente" das angústias do bebê. Aqui, o termo "continente" me parece estar no sentido de abarcar, conter, acolher as angústias do bebê. Nesse caso, a angustia do bebê, diante das imposições do mundo real, não encontram acolhida por parte da função materna. Acredito que falta aqui o braço que envolve e acolhe;

2) Falha em ser "provedora" das necessidades biológicas, físicas e afetivas do bebê. A falha aqui, me parece, é mais no sentido da função materna não ser uma fonte de origem de cuidados, tanto materiais quanto afetivos. Falta a provisão, o atendimento às necessidades, o toque;

3) Falha em exercer a "função de espelho", devolvendo para a criança um olhar de alegria e não de rancor, depressão, enigmático, que pode significar que ela é má e que ela é responsável pelo sofrimento da mãe (coloca a criança em posição de culpa). Neste caso, "função de espelho" significa, em grande parte, o "olhar" da mãe;

Por isso que Zimerman nos diz que, pior mesmo é quando este olhar, este "espelho" não reflete "nada", nem amor, nem raiva, deixando a criança em confusão e desamparo, o que é muito comum em mães depressivas - aquelas mesmas mães que André Green classificou no "complexo da mãe morta", ou seja, uma mãe que está viva, mas que carrega permanentemente um "luto branco", como se estivesse morta. Nesse sentido, a introjeção que o bebê fará, então, será a de uma mãe sem vitalidade (3). Não podemos esquecer que este é o momento em que o bebê está, justamente, fazendo a introjeção, para seu nascente campo psíquico, de elementos do mundo externo, que ele vai classificar como bons ou maus. essa introjeção de uma mãe "sem vitalidade", portanto,
... resulta em crianças deprimidas, as vezes com a depressão encoberta por hiperatividade reativa (p. 290).
Trata-se, segundo Zimerman, de uma identificação inconsciente entre o bebê e a mãe. Uma identificação que resultará em um sentimento de vazio que acompanhará a criança e se fará sentir, por ela, como um fracasso pessoal
Deve ficar claro, no entanto, que tais crianças crescerão, ficarão adultas, de modo que, de uma forma ou de outra, continuarão portando esses "buracos negros", por meio de múltiplos e variadas configurações caracterológicas e de manifestações clínicas mais, ou menos, manifestas e ruidosas, tudo isso englobado pelo fator comum que é a existência de vazios existênciais, constitui o que está sendo denominado como "clínica do vazio" (p. 291).
Tais crianças desenvolvem, então, "crateras afetivas" que as levam a criar "barreiras autísticas", numa espécie de "desligamento da realidade". A partir daí tornam-se crianças apáticas, com olhar perdido, alimentando-se passivamente; ligados de forma mecânica a algum brinquedo, e com reduzida capacidade de aprendizado e comunicação verbal. 

Houve, segundo Zimerman, um "congelamento" da mãe. Faltou à criança esse suporte inicial que estruturaria seu campo psíquico de forma mais segura. Diante disso, a criança passa, em geral, por três etapas principais (mais à frente, o autor sugere uma quarta etapa):

1) Protesto - manhas, choros, gritos e sintomas somáticos (corpo);

2) Acomodação - apatia depressiva;

3) Desesperança - aqui, a criança nada mais espera do mundo exterior e passa a construir barreiras contra o mundo hostil, e, nessa concha autística, vai apegar-se, cada vez mais, às suas fantasias;

São crianças, então, que muito se utilizam da projeção, de forma excessiva, e, em casos mais graves, se utilizam de uma supressão radical, ou foraclusão, daquilo que ocorre na mente. Eles tentam "expulsar" tudo o que consideram ameaçador e, como não houve quase nenhuma introjeção de objetos bons (maternos), o resultado é um "vazio", uma quase incapacidade de simbolizar qualquer elemento do mundo externo. Essa é uma estagnação extremada. Em muitos casos, há uma evolução, mas, não obstante, tais pacientes,
ergueram, e continuam erguendo, muralhas defensivas contra a angústia de desamparo, de desmoronamento psíquico, contra os medos de uma perda de identidade, ameaças de indiferenciação com os demais, de não existir como pessoa (p. 291).
Para escapar ao vazio, é comum o uso de mecanismos psicóticos e perversos, como certas formas de sexualidade aditiva (recurso para fugir "para" o outro e "dentro" do outro), de busca imaginária de um nirvana primitivo, de somatizações, de congelamento dos afetos ("fugir" dos outros), de controle tirânico de si e dos demais, de prepotência, de fuga de verdades que toquem feridas etc. Por outro lado, para evitar a culpa e a depressão surge uma "tríade maníaca": controle, triunfo e desprezo sobre todos os demais. Para a criança, não há como cair na vala comum da igualdade aos demais, pois o nivelamento só traria mediocridade. Mas ele precisa ser "visto", como uma espécie de garantia de que "existe".
Nos casos mais extremos pode surgir uma quarta etapa:
4) Desistência - o suicídio pode ser visto como a única saída;

Mas, e quanto ao manejo técnico? De acordo com Zimerman, a abordagem técnica exige algo de distinto em relação aos pacientes neuróticos comuns:
  • A criança não está simplesmente fugindo, isolando-se. Ela está perdida, pois ergue uma espessa muralha defensiva contra o mundo, pois pouco se beneficiou dos estímulos necessários ao seu desenvolvimento emocional. Por isso, ela deve ser "encontrada" e "sacudida" de seu estado de "desistência" e conformação em relação à vida;
  • É necessário proporcionar à criança ou adulto algum tipo de "experiência de ligação", já que pouco adiantam as interpretações, ainda que corretas, pois o paciente está encapsulado. Por vezes, nem a "continência" do analista funciona bem pois o paciente, geralmente, "não está nem aí", e não fica sensibilizado. É bom lembrar que essas crianças estão "perdidas", esperando que alguém vá até elas. Por isso, o setting funciona, as vezes, como um "útero materno" psicológico, uma "incubadora" para que o self prematuro se desenvolva. É fundamental sacudir as emoções que estão congeladas;
  • A importância de sacudir está, também, em se obter os "gritos de protesto", transformando a desistência em existência, abandonando o "namoro com a morte";
  • Há um grande risco para o analista, que é o de instalação de uma "contratransferência de desistência", a partir de um comportamento do analista também distante, apático, desesperançado. Essa atitude inviabiliza a terapia com esse tipo de paciente já que o analista deve funcionar como uma "mãe viva" suprindo as falhas da "mãe morta";
  • São "pacientes difíceis" no acesso, pois: falam de situações e coisas, mas não da relação entre elas; não fazem ligações do inconsciente com o consciente; do passado com o presente e o futuro; dos fatos com os afetos; da sequência de fatos relatados com suas consequências etc. Além disso, em casos de presença de componentes psicóticos, a linguagem passa a ser linear, sem abstrações excessivas ("crenças"), narrativa enfadonha, por vezes pouco inteligível; ou mesmo o mutismo quase absoluto. O risco da contratransferência aqui é a da paralisia, impotência, não-entendimento, tédio;
  • A respeito da transferência, quase sempre é natimorta, embora os parentes se apeguem à análise (motivados pela esperança de preencher o vazio), mas quase sempre com os afetos congelados para não sofrer decepções ou cair em uma "dependência má";
Zimerman destaca, ainda, dois tipos de portadores de vazios:

1) Os que têm o seu psiquismo invadido pelos "buracos negros" (para os quais valem as indicações de manejo anteriores);

2) Os que superpuseram à subjacente camada vazia de sua personalidade um conjunto de defesas mais bem organizadas, a ponto de terem um pensamento lúcido e uma linguagem bem-articulada, com vínculo transferencial e boa ligação entre ideias e afetos, além de bom êxito social e profissional. Para estes, quando diante de traumas regridem, emerge uma constelação de angústias primitivas que se traduzem em "atuações" principalmente masoquistas; sintomas somáticos; confusão; uso de drogas; persecutoriedade; conduta maníaca; ou submergem na depressão (desistência);

Nestes casos, em que há uma clivagem, a atividade interpretativa do analista é de natureza "binocular", ou seja, um olho no vazio, e outro na valorização das capacidades do paciente, reconhecendo seus avanços analíticos, por mínimos que sejam.

É preciso, ainda, ter cuidado com interpretações excessivas que mais parecem "invasões". E, por outro lado, o uso de metáforas é recomendável pois provocam maior efeito de percepção e compreensão sobre a realidade.

A necessidade de reconhecimento, por parte do paciente, é muito alta. Ele precisa se sentir "olhado", do contrário, identifica o analista às falhas que levaram ao seu vazio. Assim,
Mais do que o correto conteúdo de uma interpretação formal, a função do terapeuta diante da clínica do vazio - isto é, diante de sentimentos extremamente intensos, transbordantes ou congelados, de decepções, angústias, ódio e medo - age terapeuticamente, mais pelos atributos reais do analista: sua sensibilidade especial, intuição e empatia; escutar atentamente com um real interesse; conversar em tom de voz apropriado; perguntar como forma de o paciente sentir que tem algum amigo que realmente está ao lado dele; ser continente daquilo que para esse paciente parece ser uma carga horrível. Tudo isso concorrendo para o que, de fato, é o mais importante na clínica do vazio, ou seja, que o paciente sinta que, verdadeiramente, o analista sobreviveu aos seus ataques e indiferença, e, juntamente com ele, está vivo e presente! (p. 294).
Belo texto o de Zimerman, fornece um excelente ponto de partida para estudos mais aprofundados sobre os autismo.

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(*) ZIMERMAN, David. E. Manual de Técnica Psicanalítica. - Porto Alegre: Artmed, 2004.
(1) Expressão usada por F. Tustin, em "Estados Autistas em Crianças". Rio de  Janeiro: Imago, 1986).
(2) É neste sentido que a criança autista se defende de dois grandes temores: o medo do mundo externo e suas ameaças, e o medo do vazio interno.
(3) Nesse momento, é interessante relembrar que Bion concebia que a criança tanto pode internalizar o seio bom ("mais seio"), que alimenta, quanto o "menos seio", ou seja, aquele que está "ausente na presença". Mas, o mais grave é o "não seio", aquela situação em que não existe uma representação do seio ("mãe") e só existe um vazio. O "não seio" é o "nada".